O material de divulgação anuncia: o hotel da rede Intercontinental inaugurado na semana passada a 150 quilômetros de Munique, na Alemanha, e a 33 quilômetros de Salzburg, na Áustria, no coração da Bavária, é um dos resorts mais luxuosos da Europa. Com 138 suítes, a mil metros de altitude, ele tem à sua volta a idílica paisagem dos Alpes, coberta de neve nesta época do ano. Mas há um detalhe, contudo, que transformou o prédio, nas últimas semanas, em alvo de espanto da comunidade internacional. O resort foi erguido no mesmo lugar onde Adolf Hitler determinou algumas das operações alemãs durante a II Guerra Mundial. Berchtesgaden, ou o Ninho da Águia, como é conhecido, foi a segunda capital do Terceiro Reich entre 1933 e 1945. Lá, Hitler, sua mulher Eva Braum e a alta cúpula do partido nazista passavam as férias e os finais de semana. Oficiais da Gestapo, a polícia secreta alemã, e do Serviço de Segurança do Führer mantinham escritórios no endereço. Trata-se, portanto, de um ícone do governo nazista. ?A idéia de construir um hotel onde Hitler passava as férias é de extremo mau gosto?, diz o rabino Henri Sobel, presidente da Congregação Israelita Paulista. As principais entidades judaicas ao redor do planeta fazem coro a esta impressão.

Peregrinação. Na Alemanha, o caso ganhou as páginas dos jornais com opiniões divergentes. O ministro de finanças da Bavária, Kurt Faltlhauser, diz que o empreendimento movimentará a economia local. É possível, sim, mas diante da polêmica, cabe uma pergunta: que tipo de turista se hospedaria em um hotel com tamanha carga negativa? O receio da comunidade internacional é o de que o local se converta, ainda mais do que já é, em um centro de peregrinação de simpatizantes nazistas. O temor tem fundamento. O hotel da bandeira Intercontinental está pousado exatamente no ponto em que, antes dos bombardeios aliados ao fim da guerra, ficava a vila de Hermann Goering, comandante da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, e de Martin Bormann, secretário particular de Hitler. Mais: está a 300 metros da casa do Führer. Pode parecer mero simbologismo, e de fato não é muito mais do que isso, mas não há como fugir do estigma colado ao centro das principais decisões nazistas. A segunda parte do livro Mein Kampf (Minha Luta), de autoria do comandante alemão, guia de suas idéias, foi escrita ali em 1925.

Bombardeado pelos britânicos em abril de 1945, o Ninho da Águia seria ocupado, em seguida, pelos americanos, que descobriram preciosidades escondidas no bunker. Havia milhares de caixas de grandes safras de vinhos, roubadas dos franceses, e obras de arte pilhadas de colecionadores judeus. Para chegar ao cofre no qual as relíquias estavam guardadas, havia um elevador construído na rocha, com poltronas de veludo e folheado a ouro. Antes de abandonar o local, os nazistas quebraram a máquina e abandonaram as riquezas surrupiadas. Mas não conseguiram apagar a história ? e é ela que hoje cobra a conta. ?Com a inauguração, vamos trazer hóspedes interessados na importância histórica da região?, diz Jörg Böeckeler, gerente do Intercontinental Berchtesgaden. Se essa é a intenção, e ela não é ruim, então por que, nas 2.011 palavras de apresentação do resort, não há referência ao período em que o Terceiro Reich, sob a batuta de Hitler, imperou na Alemanha? Para apaziguar os ânimos, depois dos ataques, o Intercontinental inaugurou às pressas um pequeno museu com fotografias do horror do nazismo. É pouco.