A partir do caso de uma delegada vítima de racismo na loja Zara do Shopping Iguatemi, em Fortaleza, em setembro, a Polícia Civil do Ceará encontrou indícios de que a unidade discrimina clientes pela cor da pele e pelas roupas.

O delegado-geral da Polícia Civil do Estado, Sérgio Pereira, ouviu de ex-funcionários da loja de departamentos que havia orientação para identificar pessoas que “tivessem estereótipos fora do padrão da loja”, clientes negros e vestidos com “roupas mais simples”, com o código Zara Zerou. A mensagem era transmitida pelo sistema de som para que a equipe ficasse em “estado de alerta”, explica o delegado.

“A partir daquele momento aquela pessoa não seria mais tratada como cliente, mas como uma pessoa nociva ao atendimento normal. E, a partir dali, aquela pessoa deveria ser acompanhada de perto por funcionários”, detalhou Pereira em entrevista coletiva.

A delegada Arlete Silveira, diretora do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis, classificou a orientação como um “código de conduta de abordagem”. “Quando chega alguém fora do perfil do consumidor da Zara, alguém diz Zara Zerou. É como se aquela pessoa deixasse de ser um consumidor para se tornar uma pessoa suspeita dentro do estabelecimento”, afirmou.

A Zara não é formalmente investigada no inquérito concluído nesta semana com o indiciamento do gerente da loja do Iguatemi, Bruno Filipe Simões Antônio, por crime de racismo, mas poderá ser responsabilizada na esfera civil por danos morais.

“O acusado agiu deliberadamente praticando o crime de racismo e, segundo a investigação, havendo a possibilidade de ser uma política da loja”, pontua o delegado-geral da Polícia Civil do Ceará. “A gente vê indícios fortes de que esse tipo de tratamento discriminatório já foi registrado diversas vezes no mundo todo, não só aqui no Brasil”, acrescenta.

A Polícia Civil confirmou ao Estadão que abriu uma segunda frente de investigação para apurar a conduta da empresa. O Ministério Público do Ceará disse que pediu acesso ao inquérito policial, mas questionado sobre o motivo do requerimento de compartilhamento, não retornou até o fechamento da reportagem.

O caso aconteceu no dia 14 de setembro. A delegada Ana Paula Barroso registrou boletim de ocorrência após ter sido barrada na entrada da loja e denunciou o gerente por racismo. O funcionário nega que tenha discriminado a delegada. A versão dele é a de que Ana Paula tentou entrar na unidade sem máscara enquanto tomava um sorvete e, por isso, ele teria “orientado” o local adequado para que ela terminasse de comer.

Filmagens do shopping mostram que, minutos antes da abordagem, pessoas brancas entraram sem máscara na loja e não foram confrontadas por funcionários, inclusive foram atendidas pelo gerente. “Houve um tratamento diferenciado. Dois pesos e duas medidas”, disse o delegado. “Quem é negro sabe que muitas vezes o preconceito e muito discreto, mas causa um dano irreparável.”

Com a repercussão do caso, a Polícia Civil foi procurada por outras pessoas que disseram ter sido vítimas de racismo na unidade. Os relatos estão sob análise preliminar.

COM A PALAVRA, A ZARA

A reportagem busca contato com a assessoria da loja para comentar o caso. O espaço está aberto para manifestação.