Logo no início de seu governo, o presidente Lula foi alçado à categoria de Cinderela dos mercados. Com uma política econômica austera, ele era aplaudido pelos príncipes das finanças internacionais. Depois, com uma diplomacia direcionada aos países pobres, seu conto de
fadas tomou a forma de uma abóbora. Na semana passada, porém, o presidente voltou aos salões reais. Literalmente. Em uma recepção concedida pela rainha Elizabeth II, Lula circulou pelas ruas de Londres a bordo de uma carruagem com o teto decorado por anjos dourados. Durante o tradicional banquete, desta vez regado a salmão e frango com legumes, Lula brindou de casaca e cartola. Em meio a tanta pompa, havia um objetivo concreto. Aquele que há tempos não se via nas viagens presidenciais. Lula voltou a fazer negócios. E dos bons. Negócios que podem ultrapassar a casa dos US$ 3 bilhões. São investimentos em siderurgia, farmacêutica, etanol e até em derivados de sangue. ?Estamos num novo ciclo de desenvolvimento econômico e social?, disse Lula a uma platéia de empresários da Citi londrina, um dia após o convescote real. ?Queremos contar com a ajuda de vocês?. Os britânicos, porém, ainda cobram do governo definições ? e até alterações na legislação ? para fechar os acordos.

Os casos mais emblemáticos dessa cobrança são o da mineradora Rio Tinto e da gigante farmacêutica GlaxoSmithKline. A maior rival da Vale do Rio Doce quer anunciar sua continuidade ao investimento de US$ 2,5 bilhões no pólo siderúrgico de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, parado há anos por conta da legislação brasileira. Uma lei, de 1979, proíbe a exploração mineral por estrangeiros em áreas de fronteira. Há mais de um ano, porém, uma mudança foi desenhada pelo gabinete de Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia. De lá pra cá muita coisa aconteceu no cenário político, inviabilizando o encaminhamento da alteração ao Congresso. É só isso que falta para que a Rio Tinto amplie a sua estrutura na região. Os ingleses querem construir uma pequena usina para produzir um milhão de toneladas de pelotas de ferro por ano, outra usina para fabricação de 1,5 milhão de toneladas anuais de ferro esponja e uma aciaria para fabricação de placas siderúrgicas com capacidade para 2 milhões de toneladas por ano. ?Temos dinheiro e disposição para investir?, disse Leigh Clifford, CEO da Rio Tinto, segundo o relato de um ministro presente ao café da manhã com o presidente Lula, na quinta-feira 9. ?Só precisamos que vocês permitam isso?. No caso da Glaxo, a empresa quer direcionar US$ 300 milhões para a fabricação de vacinas contra o rotavírus. O problema, mais uma vez, recai sobre a legislação. No caso, ela exige que haja transferência de tecnologia ao sócio brasileiro ? a Fiocruz ? em cinco anos. Os ingleses, no entanto, argumentam que a tecnologia é muito recente e pedem um prazo de dez anos. ?Temos propostas da Índia para redirecionar o investimento?, ameaçou um dirigente da GSK. ?Mas a parceria com a Fiocruz nos tem agradado?.

O ponto mais concreto da visita de Lula, porém, ficou no interesse explícito dos ingleses pelo programa de combustíveis alternativos. O Brasil espera que o governo britânico lidere um movimento para que a União Européia supere a meta de incorporar 5,75% de etanol na gasolina e no óleo diesel até 2010. A União da Agroindústria Canaviera de São Paulo projeta que esse mercado pode render US$ 7,8 bilhões. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, foi enfático ao afirmar ao primeiro-ministro Tony Blair que há possibilidade de incluir até 10% na mistura sem precisar de ajuste de motores. Mas o processo ainda precisa de ajustes. ?Isso não é uma questão que ocorre de um dia para o outro?, disse Gabrielli. ?Precisamos ter uma estrutura de distribuição para os postos de gasolina na Europa, contratos de longo prazo e garantia de fornecimento estável?. Em outra ponta, os ingleses também assediam o governo brasileiro para que saia a associação entre a estatal britânica BPL, responsável pela produção de derivados de sangue, com a Hemobrás, estatal criada em 2004. O Itamaraty, por sua vez, pressiona por uma maior abertura do mercado para veículos, carnes, calçados e produtos siderúrgicos. Hoje, o comércio entre os dois países movimenta cerca de US$ 4 bilhões. Um número ainda pequeno diante do porte das economias. Para modificar isso, o recado dado pelos empresários britânicos que querem ampliar seus negócios no Brasil é claro: ou o governo define regras claras para que as libras desembarquem por aqui ou nada feito.