24/03/2004 - 7:00
No início do anos 90, uma missão de empresários indonésios desembarcou no Espírito Santo para conhecer o projeto da Aracruz, a maior exportadora de celulose de eucalipto do mundo. Eles olharam as florestas, visitaram as fábricas e foram embora. Na época, ninguém deu muita bola para a visita, porque muita gente vinha conhecer aquela que já era a mais bem-sucedida fabricante brasileira de matéria prima para a produção de papel. Anos depois veio a surpresa: surgiu na Indonésia um clone da Aracruz, a April. Tinha porto integrado à planta industrial, vila residencial dos trabalhadores e até a casa de hóspedes onde foram recebidos os indonésios. Tudo igual. Nesse momento caiu a ficha de Carlos Aguiar, presidente da companhia. ?Somos tão bons que viramos uma padrão de referência. As pessoas estão nos copiando porque somos os melhores?, diz ele. Há seis anos na presidência da empresa e outros 17 anos em cargos de diretoria, Aguiar acompanhou por dentro a construção desse sucesso. A empresa, fundada em 1972, cresceu para tornar-se líder mundial em fabricação de celulose de eucalipto. Ela tem os menores custos de produção no mundo e destaca-se como uma das maiores exportadoras do Brasil, vendendo 98% da sua produção no exterior. Registrou em 2003 uma receita líquida de R$ 3 bilhões, marca histórica da companhia. Lucrou R$ 800 milhões. Nos últimos quatro anos investiu US$ 2 bilhões no Brasil e tornou-se a maior investidora privada do País. Thomas de Mello e Souza, analista da Merrill Lynch do Brasil, sustenta que a Aracruz é uma espécie de avis raras no catálogo empresarial do Brasil. A empresa cresce a uma taxa média de 9% ao ano desde 1978, o que faz com que ele dobre de tamanho a cada 11 anos. ?Não existem nesse ramo empresas que dobram de tamanho a cada década?, diz Souza.
Expansão. Como se constrói um negócio tão bem sucedido? Em primeiro lugar, planejando muito. Afinal, a produção de celulose é antes de mais nada uma grande operação de planejamento extrativo. As nove mil toneladas de madeira que entram por dia nas caldeiras da fábrica do Espírito Santo, trazidas por 250 caminhões, começaram a ser plantado há sete anos. ?Construir uma fábrica é muito mais rápido do que formar uma floresta?, diz Walter Lídio, diretor comercial da empresa. Por isso, qualquer expansão é calculada com antecedência ainda maior do que em outros setores. São plantadas 60 milhões de nova mudas por ano, sempre de abril a dezembro. Nos três primeiros meses do ano a temperatura é tão alta que as mudas ?cozinham? no solo. Mas graças à insolação brasileira — e à qualidade das suas mudas ?, a Aracruz consegue retirar os eucaliptos do campo, localizado na divisa do Espírito Santo com a Bahia, com seis ou sete anos de idade. Isso constitui sua grande vantagem comparativa, uma vez que os concorrentes têm um tempo de plantio médio de 30 anos. O mais notável é que essa diferença foi criada pelos cientistas da Aracruz em apenas quatro gerações de desenvolvimento da planta. Eles melhoraram as mudas geneticamente e, uma vez atingida a planta ideal, conseguiram uma forma de cloná-la de maneira extremamente eficiente. Depois que as árvores cresceram, o processo é rápido. As árvores são colhidas mecanicamente, entram na linha de produção e viram placas de celuloses que, depois de embaladas, seguem para o porto da própria Aracruz. Dali, 36% da produção segue para a Ásia, 38% para a Europa e 23% para a China. No total, são 2,3 milhões de toneladas exportadas por ano. ?O que a gente sabe fazer melhor do que os outros é plantar florestas?, diz Aguiar. ?Enquanto os concorrentes mundiais se desdobram também na fabricação de papel, nós nos especializamos na celulose.? Os especialistas do mercado concordam com as vantagens que favorecem a companhia brasileira. ?O grande diferencial da Aracruz é que ela tem os custos mais baixos do mundo?, lembra Fábio Zagatti, analista de papel e celulose do HSBS Investment Bank. ?Quando os preços internacionais sobem, ela ganha mais do que todo mundo.?
Hoje a empresa é uma verdadeira máquina exportadora. Com 98% de vendas no mercado externo, a empresa detém o maior percentual de exportação de uma empresa brasileira, que lhe rendeu uma receita de R$ 3 bilhões em 2003. ?O Brasil não cresce há 20 anos. Isso se reflete no consumo do papel?, diz Aguiar. Os brasileiros consomem por ano 40 quilos do produto, enquanto nos EUA são mais de 300 quilos por habitante. É claro que tanta eficiência acabaria atraindo o interesse externo. ?Já houve muita sondagem?, conta o presidente da Aracruz. A legislação societária brasileira exige que para adquirir o controle da companhia seria necessário comprar as ações que hoje estão nas mãos dos grupos Lorentzen, Safra e Votorantim. ?Se os três não quiserem vender, ninguém leva?, diz Aguiar. Mas a idéia de vender não faz sentido neste momento. Hoje, a tonelada de celulose está na casa dos US$ 470 e a tendência é de alta mundial até 2005.
O que uma empresa nessa invejável situação ainda deseja? Os planos do cearense Aguiar são simples: quer tornar a Aracruz o maior fabricante mundial de celulose, superando a Weyerhaeuser, canadense. Apenas 300 mil toneladas por ano separam as duas empresas. Embora seja um gigante, a Aracruz detém apenas 14% dos negócios globais do setor, que caminha para uma forte concentração. ?Com 5 milhões de toneladas, você realmente começa a incomodar?, diz Aguiar. Por isso, seu objetivo é dobrar a capacidade de produção da empresa brasileira. Para isso planeja comprar alguma fábrica no Brasil ou em países da América Latina, Chile e Argentina. Bala na agulha a empresa já mostrou que tem. No ano passado, fechou uma parceria com a sueco-filandesa Stora Enso para construir a Veracel, projeto no sul da Bahia para a produção de 900 mil toneladas de celulose por ano. Quando for inaugurada, em 2005, será a maior fábrica do mundo da sua espécie, ao custo de US$ 500 mil para a Aracruz. Com isso acabou? Não exatamente. A empresa já está estudando o projeto de mais uma fábrica no Brasil. ?Estamos analisando de Norte a Sul do País o melhor lugar para esse empreen-
dimento?, conta Aguiar. Essa história de sucesso começou no período da ditadura militar. Naquela época, imaginavam-se grandes projetos para impulsionar as regiões menos desenvolvidas do País. A companhia foi criada com 40% de dinheiro do BNDES e 60% de recursos privados. Entre os investidores estava a família Lorentzen, cujos membros pertencem à Casal Real da Noruega. Os Lorentzen forneceram um certo charme à história da Aracruz mas trouxeram, como contrapartida, a atenção dos ecologistas, que vivem infernizando a vida da empresa por conta dos seus 247 mil hectares de plantio. Os compradores também exigem certificados de cuidados com a natureza. Diz Aguiar, presidente da Aracruz: ?Mais que celulose, a gente vende meio-ambiente?. Vendendo e ganhando muito dinheiro.
?Vamos incomodar a concorrência? |
Dinheiro ? Como o sr vê a Aracruz no futuro? Carlos Aguiar ? Somos os líderes em celulose de eucalipto e, em 2005, deveremos liderar a categoria de celulose de mercado. Mas no mercado total, ainda estamos atrás. Faturamos hoje US$ 1,5 bilhão. Quando chegarmos aos US$ 3 bilhões, aí vamos incomodar concorrência. E quando isso deve ocorrer? Para essa expansão ocorrer, a Aracruz vai construir novas fábricas? Por que outras empresas de celulose ainda não investiram no Brasil? Por que a Aracruz vende tão pouco no Brasil? Qual lição a Aracruz pode passar para outras empresas? Como o sr. avalia o governo Lula? |