06/05/2014 - 17:40
A sala tem cerca de 130 metros quadrados e é dividida em três ambientes interligados. Espécies de escrivaninhas de madeira maciça se enfileiram pelo local. Sobre elas estão dispostas luminárias dirigidas e dezenas de pequenos e misteriosos instrumentos de metal, alguns enferrujados e, à primeira vista, desorganizados. Observam-se, também, pedaços de papéis um tanto amassados. Gravuras de anjos, flores, pétalas… Debruçados sobre os móveis, não mais do que 15 homens, na casa dos 50, 60 anos – de diferentes nacionalidades, solenemente trajados com camisa e gravata –, não param de manusear, em reverente silêncio.
Uma luz densa e amarela tinge o espaço, que parece ter parado nos anos 1950. Há uma atmosfera de eternidade no sétimo andar do edifício 727, da Quinta Avenida, em Nova York. E não poderia ser diferente. Ali está localizado o ateliê de alta joalheria da Tiffany, onde são feitas algumas das peças mais desejadas do mundo. “Oferecemos joias icônicas e exclusivas, a partir de pedras e metais da melhor qualidade que, exaustivamente trabalhados, têm valor inestimável”, diz Michael J. Kowalski, presidente mundial da marca, que concedeu entrevista exclusiva à Platinum (leia ao final da reportagem).
Kate Kadlubowska-Psujek, que faz as vezes de mestre-de-cerimônias, mostra um bracelete de safiras e diamantes, reprodução de uma peça da década de 50, que demorou três anos para ser concluído, tamanhos o apuro na busca pelas pedras perfeitas e a dificuldade para a confecção, toda manual. Um assombro visual. Esse não é um caso único. Os itens produzidos pelos artesãos de alta joalheria geralmente demoram meses, muitas vezes anos, para serem concluídos. “A missão desses mestres joalheiros é dar continuidade às tradições atemporais de artesanato e arte”, afirma o presidente.
A empresa cria um seleto número de peças únicas a cada ano, como parte do célebre catálogo Blue Book, com as gemas mais raras combinadas às técnicas artesanais inovadoras e designs exclusivos. “E essa coleção é apresentada no Salão Tiffany, uma butique privada”, diz Kowalski. Se no ateliê de alta joalheria, onde se respira arte e design, falar em valores é heresia, no Salão Tiffany, alguns andares abaixo, a vendedora, que parece ter saído de alguma linhagem real europeia, não se acanha. Um colar pode alcançar, facilmente, a casa de milhões dólares.
Lá estão expostos, dividindo espaço com o imponente retrato do fundador Charles L. Tiffany, joias usadas por celebridades nos tapetes vermelhos, como o conjunto de colar, brincos e braceletes de diamantes amarelos que adornaram Kate Winslet no Oscar de 2010, avaliado em US$ 4 milhões. Para ter acesso a esse clube privê de consumo, só com hora marcada – os maiores clientes, atualmente, são os chineses, os russos e os brasileiros. Foi uma brasileira, por sinal, que adquiriu uma reprodução de um bracelete de 1950, cravado de rubenitas e assinado pelo mítico designer Jean Schlumberger (1907-1987), que demorou dois anos para ser montado.
Há décadas o 727 da Quinta Avenida já se tornou um ponto turístico, da mesma forma que a Tiffany é uma instituição americana. Centenas de pessoas dirigem-se todos os dias ao prédio art déco, desenhado pelo escritório Cross & Cross, e param diante das maçanetas de aço inoxidável com desenho de folha de trigo e da estátua de bronze de 30 centímetros do deus Atlas feita por H.F.Mtzler. Várias lendas cercam essa joalheria, que há algum tempo deixou de ser uma marca para tornar-se um símbolo. “Ela está um valor acima da sua categoria”, diz Luciano Deos, da consultoria de luxo GAD Lippincot.
Mas o que faz a Tiffany ser diferente? Para o professor Silvio Passareli, do MBA de gestão do luxo da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, primeiramente, ela exibe o DNA da democracia americana e, ao contrário de algumas concorrentes, tem um portfólio extenso, com peças a partir de US$ 150. “Com isso, produz uma franja aspiracional grande e garante espaço para que todos consumam”, diz. O outro fator é o elevado grau de imaterialidade contido na “blue box”, a famosa caixa azul com laço de cetim branco que embala todos os objetos Tiffany.
“Receber uma delas é um momento mágico, quase uma garantia de felicidade”, afirma o professor. Por fim, está a rigorosa postura de sustentabilidade e preocupação com os direitos humanos. “Isso é quase um atestado de antecedentes do ofertante.” E, não menos importante, há a decantada qualidade Tiffany. A empresa comercializa joias, prata de lei, porcelana e cristal, mas é reconhecida por seus diamantes. E segue a seguinte regra: a pedra tem de atingir seu brilho máximo, não importa que diminua de tamanho. Para exibir ainda mais a beleza da joia, foi criada a “Cravação Tiffany”, para os solitários.
Com ela, o diamante foi colocado fora do aro do anel. “E não importa qual seja a peça: todas são tocadas por mãos humanas”, diz Luciano Rodembusch, vice-presidente para América Latina e Caribe. Tamanho apuro com a produção fez com que a empresa demorasse a se expandir. Somente em 1963 inaugurou sua primeira loja fora de Nova York, na Califórnia. Em 1972, foi a primeira filial internacional, no Japão. Cento e setenta e cinco anos depois da fundação, são mais de 250 butiques pelo mundo. No Brasil, chegou em 2001 em São Paulo. Hoje, são mais quatro endereços.
Apesar da evidente atenção com o mercado nacional – Paris, por exemplo, só irá inaugurar sua segunda loja no ano que vem –, Rodembusch afirma que a preocupação é com o consumidor, não com o mercado. “Os brasileiros estão em Nova York, Miami, Cancun”, diz. “Consomem em todos os lugares.” Mas não é só no País que a empresa cresce. Nos primeiros nove meses de 2013 as vendas mundiais atingiram US$ 2,7 bilhões, um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2012. O lucro líquido atingiu US$ 285 milhões, num crescimento de 20%. Prova que estimular os valores imateriais e os sentimentos nobres dos consumidores, embalados na etérea caixa azul, têm sido retorno garantido.
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“O cliente brasileiro é sofisticado”
Chairman e CEO da Tiffany, Michael J. Kowalski, falou com exclusividade à Platinum. Acompanhe:
A Tiffany é uma das poucas marcas americanas a competir em igualdade com grandes grifes europeias. Em sua opinião, qual é o diferencial da marca no mercado?
O primeiro é nosso comprometimento com a sustentabilidade. O segundo é que trabalhamos com pedras preciosas raras, muitas das quais foram descobertas por nosso famoso gemólogo-chefe George Kunz e introduzidas no mercado pela Tiffany, tais como tanzanita, morganita, tsavorita e kunzita. Também trabalhamos com designers exclusivos, como Jean Schlumberger, que deixou um incrível legado de design para a Tiffany; Elsa Peretti, que trouxe uma nova estética caracterizada por formas orgânicas; e Paloma Picasso, que acrescentou sua interpretação de design arrojado em cores fortes. Ao longo da nossa história, a Tiffany tem oferecido uma ampla gama de designs, desde uma peça única de uma sofisticada joia até icônicas coleções da moda, incluindo a introdução, em 2012, do novo metal rubedo, que une a riqueza do ouro, o brilho da prata e o calor do cobre.
Por que existe um mito em torno da famosa blue box?
A blue box da Tiffany representa nosso compromisso com a excelência – um compromisso que rendeu à Tiffany um lugar na celebração dos momentos mais importantes na vida dos nossos clientes. Essa tradição existe há mais de oito gerações por uma razão: seu conteúdo é inigualável em termos de qualidade, design e arte. Receber um presente embalado em uma blue box traz a certeza de que ela contém algo especial e de valor eterno.
Como é possível equilibrar luxo com sustentabilidade em um mercado marcado por matérias-primas originárias de países que vivem em conflito?
A Tiffany & Co. participa ativamente da indústria de mineração, organizações não governamentais e comunidades para desenvolver padrões de operação responsáveis. Temos um programa para assegurar que direitos humanos sejam respeitados ao longo de toda a cadeia de suprimentos e para estimular e apoiar o desenvolvimento de comunidades nas regiões onde adquirimos nossas matérias-primas. Mais importante ainda, a Tiffany estabeleceu a cadeia de suprimentos mais abrangente e segura entre as joalherias. Podemos assegurar aos nossos clientes que nossos diamantes são adquiridos de forma ética.
A operação da Tiffany no Brasil é o que o sr. esperava?
Abrimos nossa primeira loja em São Paulo, em 2001, e atualmente temos cinco lojas no Brasil. O cliente brasileiro é sofisticado e aprecia os designs icônicos e a qualidade insuperável que a Tiffany oferece. Estamos otimistas acerca do potencial da marca no longo prazo no Brasil, e satisfeitos com os resultados do negócio até agora.
Quais os próximos passos da marca no Brasil?
Abrimos uma loja por ano nos últimos três anos. É um ritmo acelerado para o mercado. Então gostaríamos agora de usufruir dos benefícios desse investimento e focar na introdução de novas coleções no mercado, no desenvolvimento de nossas relações com nossos clientes e em proporcionar uma extraordinária experiência de loja.
(Reportagem publicada na edição 38 de dezembro, janeiro e fevereiro de 2014 da ISTOÉ Platinum)