04/12/2002 - 8:00
A maior empresa de recrutamento de executivos do País, a Catho, é ré num processo que corre na 33a Vara Civel de São Paulo. Na ação, a companhia é acusada de entrar irregularmente na base de dados de competidores, furtar informações e praticar concorrência desleal. A denúncia partiu de uma
das suas maiores concorrentes, a Curriculum, especializada na contratação de profissionais por meio da internet. Mas, ao longo
das investigações, apareceram outros nomes na lista de empresas que teriam arquivos acessados pela Catho, entre elas o Guia
OESP e a Embratel. Procurada por DINHEIRO, a Curriculum confirmou as denúncias. ?A Catho furtou mais de cem mil currículos da nossa base de dados?, disse o presidente da empresa, Marcelo Abrileri. ?Eles foram tão piratas quanto quem copia um software sem licença.? Thomas Case, dono da Catho, confirma que se apoderou
de informações de concorrentes, mas garante que fez tudo de acordo com a lei. ?Tenho pareceres jurídicos que sustentam
minha posição?, disse à DINHEIRO.
O processo judicial corre desde abril, mas a principal peça dos
autos, até o momento, chegou às mãos do juiz Luís Mário Galbetti apenas na semana passada. Trata-se de um laudo preparado
pelos peritos Giuliano Giova e Ricardo Theil, nomeados pelo juiz Galbetti. Eles examinaram o conteúdo de mais de 30 computadores da Catho. Durante oito meses, os peritos leram documentos e e-mails registrados nas máquinas, somando mais de um bilhão de kilobytes de dados, o equivalente, segundo eles, a 33 mil processos judiciais completos. Com base nessas informações, escreveram um relatório de 5 mil páginas em que apontam uma série de irregularidades nos procedimentos da Catho em relação à concorrência. Além de confirmar as afirmações da Curriculum, os peritos chamaram a atenção para o uso de um software criado
pela Catho para capturar informações de outras empresas. Esse programa, chamado pelos funcionários da Catho de ?rouba.phtml?, teria ajudado a Catho a obter mais de um milhão de currículos e endereços eletrônicos de pessoas que buscavam, através dos serviços dos sites, recolocação profissional.
O relatório traz a transcrição de e-mails e ICQs ? programa de mensagem eletrônica instantânea ? entre funcionários da Catho Online, o braço da empresa responsável pelas operações tecnológicas. Nesses diálogos, eles discutem como entrar nas páginas dos concorrentes na internet, acessar seus arquivos e baixar rapidamente para seus próprios computadores currículos e endereços eletrônicos dos clientes das empresas rivais. Os endereços eletrônicos seriam usados para enviar propagandas
dos diversos produtos da Catho, que incluem desde seminários e cursos ao programa de recolocação de profissionais ? serviço
em que faz concorrência direta aos sites das rivais em que
captura os dados. Além disso, os currículos seriam usados para engordar a base de dados da Catho apresentada para empresas
que procuram profissionais no mercado.
Personagem central. ?Eu robo (sic) gente grande, e coisa boa?, escreveu numa mensagem eletrônica transcrita pelos peritos Adriano José Meirinho, que aparece no centro das investigações. Com 21 anos de idade, Meirinho é o ?webmaster?, o administrador do site da Catho. No relatório, aparecem vários diálogos em que ele diz que sua função é ?roubar currículos?. ?Tem q fazer propagandas, certo??, teclou Meirinho, com as siglas típicas da linguagem da internet. ?Então tem q fazer robots para entrar em pages, vasculhar e pegar e-mail.? Em outro trecho, aparece uma transcrição de um diálogo em que ele descreve sua atividade: ?Me cadastro em tudo quanto é lugar…tipo para roubar email de pessoas.?
Os peritos encontraram vestígios que as práticas são adotadas há pelo menos dois anos e que envolvia empresas até de outras áreas, sem ligação direta com o recrutamento profissional. ?Em documento de novembro de 2000, a Catho solicita e autoriza Adriano Meirinho a roubar bancos de dados sobre códigos telefônicos de DDD e DDI existente em site da Embratel?, escrevem os peritos. No mesmo mês, Meirinho teria afirmado que ?está roubando dados do Guia OESP?. Mas o caso mais explorado pelos peritos é o da Curriculum. De acordo com o relatório, Meirinho teria criado uma empresa, a 2Minds4Art, para se associar ao site da empresa
de colocação profissional. Ele teria pago R$ 150,00 pelo direito
de usar a base de dados do site ? que tem cerca de 450 mil currículos cadastrados ? durante 15 dias. Normalmente, os
clientes da Curriculum examinam de 20 a, no máximo, 500
currículos por dia. Só na segunda-feira, 25 de fevereiro de
2002, a 2Minds4Art acessou 63.207 currículos. Com o programa ?rouba.phtml?, acessava e copiava rapidamente cada currículo
para a base de dados da Catho, segundo o relatório. Em uma semana, eles copiaram mais de 188 mil arquivos.
A operação foi descoberta no balanço semanal de acessos da Curriculum. Desconfiados, os diretores da empresa bloquearam o acesso da 2Minds4Art, rastrearam a trilha eletrônica e chegaram
ao computador de Meirinho. Ao mesmo tempo, os clientes da Curriculum começaram, de acordo com a denúncia, a receber propaganda da Catho. Com o argumento que estava sendo vítima de espionagem e furto de dados, a Curriculum abriu um processo por concorrência desleal contra a Catho e pediu a busca e apreensão de computadores na empresa. Às 8h15 da manhã de quinta-feira,
dia 18 de abril, dois peritos, um técnico e dois oficiais de Justiça subiram ao 9o andar de uma das sedes da Catho, na Alameda Joaquim Eugênio de Lima, em São Paulo. Com chaves de fenda,
eles abriram os computadores e copiaram onze HDs, discos magnéticos em que os dados ficam armazenados. Ao chegar
à empresa, Meirinho os viu, discutiu com eles e, irritado, chutou
um computador. Thomas Case só perguntou o que estava acontecendo e saiu calmamente, sem dizer nada.
Com o material apreendido, os peritos encontraram cópias dos arquivos da Curriculum. Além disso, relatam, havia um manual em que se lia instruções ?Script para Roubar a Curriculum.com.br?, em que se descrevia o objetivo de ?roubar? 450 mil currículos. Os peritos declaram ainda ter encontrado outros programas, como o que relaciona uma lista com vários sites especializados em recrutamento profissional e os classifica de acordo com os seguintes itens: ?dá para roubar?; ?não dá?; ?site lento?. Segundo os diálogos transcritos no relatório, os funcionários da Catho Online se gabam de terem obtido 68.066 currículos do banco de dados de uma das maiores empresas do ramo no País, a Gelre. Outra empresa citada foi a ?Empregos.com.br?. Nesse caso, o diretor-executivo do site, Daniel Mendes, percebeu um fenômeno curioso. Por três vezes, ele colocou no site currículos falsos, apenas para testes, para ver se o sistema funcionava. ?Fiquei surpreso, os três contatos começaram a receber e-mails da Catho?, disse Mendes à DINHEIRO.
Bônus. O relatório cita aproximadamente 15 funcionários ou pessoas ligadas à Catho Online e que teriam conhecimento das operações denunciadas. Aparecem funcionários de alto escalão da empresa, como o gerente de sistemas Luiz Pagnez, e o gerente geral Adriano Arruda. O próprio Thomas Case, dono e presidente da Catho, é citado no relatório. Os peritos dizem que Case teria conhecimento até de um bônus a ser pago aos funcionários que obtivessem o maior número de e-mails. Num diálogo, fala-se em R$ 500,00 a cada 10 mil endereços eletrônicos capturados dos concorrentes. Em outro trecho, um funcionário aparece dizendo que a obtenção de e-mails era questão prioritária para Case.
Em entrevista à DINHEIRO, o dono da Catho reconheceu que a empresa buscava endereços eletrônicos de concorrentes. Mas disse que desconhecia informações específicas, como a do programa ?rouba.phtml? e alegou que não está ferindo a lei. Ele cita um parecer que encomendou ao jurista Ronaldo Lemos, especialista em comércio eletrônico, para se defender. ?Não devo nada a ninguém. Os juízes é que vão decidir quem está certo?, diz o americano naturalizado brasileiro. A base de sua defesa é o argumento que as informações disponíveis na internet são públicas ? e, portanto, ele não estaria cometendo furto. Além disso, argumenta que não há limite nos sites para a consulta de dados. ?Não há nada escrito que me impeça de ver uma grande quantidade de currículos?, disse Case.
O concorrente alega que não é bem assim. ?Meu contrato diz claramente que o cliente pode ter acesso à base de dados para recrutar empregados. Quem examina quase 200 mil currículos numa semana para fazer uma contratação??, pergunta Marcelo Abrileri, da Curriculum. Ele diz que seu sistema de segurança ficou preservado e as redes de cadastros privadas, reservadas para grandes empresas, não foram sequer vistos pela Catho. Mas alega que sofreu concorrência desleal e estuda abrir processo criminal, além do cível que já corre na Justiça, contra o rival. ?Sofremos um furto de dados e o que ele fez foi totalmente antiético?, diz Abrileri.
Pode-se prever uma longa briga jurídica. Há poucos precedentes. Na França, um caso de disputa entre dois sites de recrutamento profissional terminou com a condenação de uma das empresas. O site de buscas Keljob, especializado em expor vagas de emprego, foi condenado a pagar um milhão de francos para o concorrente Cadremploi.com depois de apresentar dados do rival sem citar a origem. No Brasil, o caso mais polêmico foi o processo movido pela livraria Cultura contra o site de preços Buscapé, acusado de copiar 85 mil resenhas de livro. A ação terminou com um acordo em que as duas partes acertaram uma indenização de R$ 100 mil.
No caso da Catho, advogados consultados por DINHEIRO dizem
que há espaço para debate em várias frentes. Para Alexandre Tabuchi, responsável pela área de comércio eletrônico do escritório de advocacia Menezes & Lopes, pode se configurar como violação de direitos autorais. ?Os clientes não fornecem dados de maneira aleatória ao site, mas obedecem aos critérios da empresa. Portanto, a empresa tem direito sobre aquela informação?, disse Tabuchi.
Já o advogado Renato Opice Blum, especialista em internet, diz
que o caso pode ser julgado como crime de concorrência desleal, caso se comprove que houve fraude para obtenção dos dados.
?Esse caso, mais uma vez, vai demonstrar que a internet não é
uma terra sem leis?, diz o advogado. Thomas Case não se abala. Para ele, sua política agressiva de coleta de endereços eletrônicos faz parte da regra do jogo. ?Não fizemos nada errado e vamos provar?, diz o dono da Catho.
Colaborou: Duda Teixeira