A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência no governo Jair Bolsonaro (PL), esteve sob ameaça real de rescisão em novembro de 2024. Foi a etapa de maior tensão para a defesa. A Polícia Federal (PF) estava insatisfeita por supor que ele estava omitindo informações.

Pressionado, o tenente-coronel prestou depoimento diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mauro Cid ficou frente a frente com o ministro na sala de audiências do STF e foi questionado sobre “contradições” em oitivas anteriores.

Moraes foi direto ao ponto. A primeira pergunta foi sobre a participação de Bolsonaro e das principais lideranças militares do governo no plano “Punhal Verde e Amarelo” – operação para executar o próprio ministro -, no financiamento e na organização dos acampamentos de bolsonaristas próximo aos quartéis, em especial em Brasília, e nos atos do 8 de Janeiro.

O tenente-coronel cravou que partiu de Bolsonaro a ordem para os comandantes das Forças Armadas divulgarem uma nota conjunta autorizando a permanência de manifestantes nos acampamentos golpistas. Os chefes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica condenaram no texto “eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos”.

Segundo Mauro Cid, o ex-presidente “sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe”.

“Esse foi um dos motivos pelos quais o então presidente Jair Bolsonaro não desmobilizou as pessoas que ficavam na frente dos quartéis. Em relação a isso, o colaborador também se recorda que os comandantes das Três Forças assinaram uma nota autorizando a manutenção da permanência das pessoas na frente dos quartéis por ordem do então presidente Jair Bolsonaro”, diz o termo de depoimento.

A União foi condenada a pagar uma indenização de R$ 2 milhões pela nota.

Na denúncia do inquérito do golpe, que atinge o ex-presidente Jair Bolsonaro e 33 aliados, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que os atos golpistas do 8 de Janeiro foram gestados nos acampamentos e que os militares das Forças Especiais do Exército, conhecidos como “kids pretos”, direcionaram as manifestações.

Foi no depoimento a Moraes que Mauro Cid implicou Bolsonaro no monitoramento do ministro. Segundo o tenente-coronel, o ex-presidente pediu a aliados que vigiassem o magistrado, às vésperas do Natal.

Ao apresentar a denúncia do inquérito do golpe, a Procuradoria-Geral da República afirmou que havia uma atuação conjunta entre o ex-presidente e seus aliados na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a “Abin Paralela”, para monitorar desafetos e espalhar fake news.

O ex-ajudante de ordens declarou ainda que Bolsonaro “não aceitou” a conclusão das Forças Armadas, que descartou a existência de fraude nas urnas eletrônicas, e pressionou o Ministério da Defesa a demonstrar a fragilidade do sistema eletrônico de votação.

Reunião na casa de Braga Netto

Mauro Cid também complicou o general Walter Braga Netto. Segundo ele, Braga Netto fazia a ponte com os manifestantes nos acampamentos golpistas. O general foi preso no dia 14 de dezembro passado, após o depoimento de Cid.

O ex-ajudante de ordens deu detalhes de uma reunião com Braga Netto, em novembro de 2022. Segundo Mauro Cid, o encontro foi organizado para discutir a “necessidade de ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social”. O passo seguinte seria a decretação do estado de sítio.

“O General Braga Netto, juntamente com os coronéis Oliveira e Ferreira Lima concordavam com a necessidade de ações que gerassem uma grande instabilidade e permitissem uma medida excepcional pelo Presidente da República. Uma medida excepcional que impedisse a posse do então Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva”, declarou Cid.

Os militares chegaram a pedir dinheiro ao PL, partido de Bolsonaro, para montar a “Operação Copa 2022”. Mauro Cid alegou que imprimiu o plano que detalhava a logística da operação para entregar a um dirigente do partido, “provavelmente tesoureiro ou ordenador de despesa”. O arquivo detalhava custos de deslocamento aéreo, locomoção terrestre, alimentação e “provavelmente” gastos com celulares, segundo o tenente-coronel. “O dirigente do PL disse ao colaborador que não poderia utilizar dinheiro do partido para esse tipo de operação.”

Nesta terça, 18, a PGR denunciou 34 investigados pelo plano de golpe, entre eles Bolsonaro, Braga Netto e o próprio delator.

Os advogados de Braga Netto e Bolsonaro afirmam que eles não tiveram envolvimento nos crimes atribuídos a eles na denúncia de 272 páginas do procurador-geral Paulo Gonet.