A venda do negócio de lácteos da BRF para a francesa Lactalis, por R$ 1,8 bilhão, cujo memorando de entendimentos foi assinado nesta quarta-feira 3, vai marcar o fim da incursão dos brasileiros em um setor cujas margens de lucro já não agradavam aos acionistas. Um dos descontentes era o fundo de investimentos Tarpon, principal fiador da nomeação do empresário Abilio Diniz para a presidência do conselho de administração da BRF. Desde que assumiu a companhia, Abilio e Cláudio Galeazzi, o presidente executivo indicado por ele, deram sinais de que a unidade de lácteos passaria por mudanças profundas.

É verdade que as marcas controladas pela BRF nesse mercado, como Batavo e Elegê, são fortes. Segundo a companhia, com base em dados da consultoria AC Nielsen, a empresa detinha 11% de participação de mercado no segmento de lácteos refrigerados, entre abril e maio deste ano. A receita líquida dessa unidade, no primeiro semestre, alcançou R$ 1,36 bilhão. A cifra representou 9% dos R$ 15 bilhões gerados pela companhia no período, sendo a quarta maior contribuição percentual, atrás de alimentos processados (41,5% do total), aves (31,5%) e suínos e bovinos (9,2%).

O problema da BRF, porém, sempre foi como encorpar as últimas linhas do balanço desse setor. A tentativa mais óbvia foi investir em produtos de maior valor agregado, como iogurtes, e reduzir sua exposição àqueles de menor margem de lucro, como o leite longa vida. A estratégia não deixou de surtir efeito. Foi ela que permitiu que o setor de lácteos cortasse em 13% sua produção no primeiro semestre, para 198 mil toneladas, mantendo a receita líquida do negócio praticamente empatada com a do mesmo período do ano passado.

Pouca margem

Mas, por mais que tentasse aumentar a rentabilidade dessa divisão, a BRF ainda lidava com alguns números problemáticos. O lucro operacional dos lácteos, medido pelo ebit (lucro antes de juros, impostos e taxas), por exemplo, ficou negativo em R$ 10,9 milhões no primeiro trimestre. Entre abril e junho, essa conta foi positiva em R$ 26 milhões. Ainda assim, com margem de ebit de 4%, foi o setor que menor contribuiu para os resultados da companhia. A margem de ebit geral da BRF foi mais que o dobro, 9%. Mesmo o negócio de food services, também pequeno para os padrões da companhia, apresentou uma taxa de 7%.

Outro sinal de que a BRF não conseguiu levar esse negócio ao patamar de lucro esperado é o valor pelo qual fechou a venda para a Lactalis. A base dessa unidade foram duas aquisições que totalizaram cerca de R$ 2 bilhões – uma herança da Perdigão. Antes de se unir à Sadia para formar a BRF, a empresa travava com a sua então rival uma agressiva disputa pela liderança do mercado de alimentos industrializados. Em 2006, a Sadia tentou comprar, sem sucesso, a Perdigão. O troco veio em uma série de aquisições. Desde maio de 2006, a Perdigão controlava a Batavia, dona da marca Batavo. Em novembro de 2007, porém, a Perdigão concluiu a aquisição de 100% da empresa, em um negócio total de R$ 155 milhões.

Internacionalização

Mas o lance mais ousado havia ocorrido semanas antes, no final de outubro de 2007, quando a Perdigão acertou a compra da Eleva, que detinha as marcas Elegê e Avipal (de frangos) em uma operação de cerca de R$ 2 bilhões. Com o negócio, a Perdigão conquistou, na época, a liderança do mercado de lácteos, batendo a então número um Parmalat, e dominou o mercado de leite longa vida. O melhor, porém, foi catapultar a companhia ao posto de maior empresa de alimentos do País em faturamento, com pouco mais de R$ 8 bilhões – o suficiente para desbancar a Sadia dessa posição.

A fusão da Sadia com a Perdigão, anunciada em maio de 2009 e concluída em fevereiro de 2012 com a consolidação da BRF, fez com que a unidade de lácteos perdesse peso nos negócios da nova companhia. Diante da insatisfação dos acionistas e dos desafios para aumentar as margens de lucro, essa divisão foi a que mais gerou expectativas de mudança desde a posse da nova diretoria, há um ano, liderada por Cláudio Galeazzi. Com a missão de transformar a empresa na “Ambev dos alimentos”, o executivo focou o aumento das margens, corte de custos e a internacionalização da BRF. Galeazzi nunca escondeu que pretendia vender parte ou toda a operação de lácteos. O acordo selado com a Lactalis foi uma de suas últimas missões à frente da empresa, já que o executivo deve deixar seu comando em dezembro.