29/08/2016 - 0:00
Historicamente, a Ford sempre ocupou a quarta posição no mercado brasileiro de carros. Se não possuía volume para competir com as líderes Fiat, Volkswagen e Chevrolet, pelo menos a Ford conseguia administrar bem as vantagem que tinha sobre as chamadas “new comers” dos anos 1990/2000.
Ao longo do tempo, a montadora que inventou a linha de produção (Modelo T em 1913) passou a ser alvo do ataque de todas as marcas que almejavam ser a quarta maior do mercado. Mais ou menos como os times de futebol que disputam o Brasileirão. Todos de olho no G4 para ganhar uma vaga para a Copa Libertadores da América. Ser G4 no mercado de carros não dá vaga para nada, mas era a única meta possível de ser alcançada durante décadas.
A Ford resistiu bravamente aos ataques da Renault, da Honda, da Toyota e da Hyundai. Até o ano passado. Este ano a casa fordista caiu. E o quarto lugar parece definitivamente perdido já no sétimo mês de 2016. Pior: o quinto lugar também já era. E novamente a Ford se vê ameaçada pela Renault, mas não por seu quarto lugar, e sim pelo sexto!
Verdade seja dita, com exceção da Toyota, as oito principais marcas de carros do Brasil estão perdendo vendas. É um reflexo do mercado, que caiu de 1,489 para 1,126 milhão de veículos leves emplacados no acumulado de janeiro a julho. Num mercado em crise, a regra é simples: quem cai menos ganha participação no bolo.
É o que tem acontecido com a GM. Enquanto o mercado retraiu 24,4% no total (24,2% nos automóveis de passeio e 25,4% nos comerciais leves), a Chevrolet perdeu “apenas” 20,4%. Isso foi suficiente para colocá-la em primeiro lugar, pois a ex-líder Fiat despencou 37,2% nas vendas (uma perda de 102,3 mil carros). A Volkswagen, terceira colocada, também teve uma queda violenta de 35% (quase 80 mil carros perdidos).
Mas a Ford desabou. Deixou de vender cerca de 63 mil carros no período e caiu 39,3%. Enquanto isso, a Hyundai perdeu pouco mais de 7 mil carros (-5,9%) e a Toyota teve uma leve oscilação para baixo (menos de mil veículos e menos de 1%).
A grande questão é: o que está acontecendo com a Ford? Por que ela está caindo muito mais do que o mercado? Seus carros são ruins? São caros? Estão mal posicionados?
Depende, depende, depende… Em primeiro lugar, os carros da Ford não são ruins. Muito pelo contrário: são bons. Poucas vezes a Ford teve uma linha de produtos tão boa no Brasil como hoje. Portanto, não é um problema de qualidade, apesar de vários relatos que pipocam por aí sobre excesso de ruído do câmbio automatizado PowerShift. Não é irrelevante o fato de que não houve um recall, mas sim a troca do sistema no carro de quem foi espontaneamente numa concessionária reclamar da transmissão. Em alguns casos, porém, a peça demorou três meses para chegar.
São caros? Na verdade, nem tanto. Com exceção do Ford Fiesta EcoBoost 1.0, que custa R$ 72 mil, os carros da marca têm preços competitivos. O Ford Ka, por exemplo, tem excelente custo-benefício e sua boa aceitação no mercado reflete isso. Quanto ao posicionamento dos produtos, todas as marcas cometem alguns enganos, então não é só isso.
Para mim, existem três grandes razões para a brutal queda de vendas da Ford de um ano para cá. A primeira é a desatualização do EcoSport. Justamente no único segmento que está em crescimento, o antigo líder de vendas ficou envelhecido. A Ford demorou para reagir diante da chegada do Honda HR-V e do Jeep Renegade, entre outros. O Eco ficou ultrapassado em conforto, em transmissão (devido aos problemas do PowerShift), em design (ninguém mais usa estepe do lado de fora) e em conectividade. E sua situação vai piorar mais ainda com a chegada do Nissan Kicks.
A conectividade talvez seja o segundo item responsável pela perda do histórico quarto lugar. O sistema Sync, que foi inovador há alguns anos, é decepcionante em alguns carros mais caros. Mesmo no Sync 2, sua tela é muita pequena, sem graça, insuficiente. A Ford perdeu pontos especialmente para o MyLink da Chevrolet, que foi um dos responsáveis pelo crescimento do Onix e do Prisma. Agora, o Sync 3 chega na linha 2017 do Focus, mas só a partir da versão SE Plus.
Finalmente, a eliminação de algumas versões de entrada, obrigando o cliente a descer de patamar, é o terceiro fator que se soma a todos os outros citados. Experts dizem nos bastidores que a Ford do Brasil não tem a mesma autonomia para decidir sobre preços ou versões – que muitas decisões estratégicas são decididas pela caneta da matriz americana em Dearborn, na Grande Detroit. De errinho em errinho, o resultado é um grande erro.
Bons veículos, a Ford tem. Mas precisa voltar a olhar para o mercado brasileiro com olhos do Brasil e não com olhos de Detroit. Precisa, urgentemente, de uma picape menor que a Ranger para retomar sua tradição na categoria e competir com as Fiat Toro e Strada. Só assim voltará ao G4 no Brasileirão dos carros.