23/06/2025 - 9:59
Aluguel no país subiu mais do que salários, impulsionado também por explosão do turismo. Situação gerou revolta entre os espanhóis.O corretor de imóveis Juan Sanchez [nome alterado pela reportagem] abre a porta de vidro fosco de um apartamento que costumava ser uma loja. A entrada é diretamente pela cozinha. O teto é muito alto. “Você pode construir um mezanino aqui”, diz Sanchez. Os dois quartos anunciados ficam no porão. Um dos cômodos minúsculos sequer tem uma janela.
“É possível alugar facilmente o apartamento para estudantes por 1.300 euros [R$ 8,2 mil]”, diz o corretor. Há, contudo, um porém. “O espaço no andar de baixo está oficialmente listado no registro de imóveis apenas como depósito; não obtivemos licença residencial, mas isso não é um problema para alugar”, garante. O “apartamento” de 55 metros quadrados em um bairro de classe média no centro de Madri custa um pouco mais de 300 mil euros.
O atual aquecimento do mercado imobiliário na Espanha é impulsionado por estrangeiros de alto poder aquisitivo que desejam investir em um setor altamente lucrativo e seguro, além de lucrar com a explosão do turismo no país. Há muito mais demanda do que oferta, segundo a avaliação do banco espanhol BBVA.
Como resultado, muitos espanhóis passaram a ter dificuldades para pagar seus aluguéis, e muitas acomodações estão sendo alugadas em caráter temporário para turistas e estudantes estrangeiros. Moradores das Ilhas Canárias, Barcelona e Madri protestam com frequência contra a escassez de moradias e a “invasão” turística.
Casas de férias impulsionam escassez
Empresas como a Habitacion.com chegam a oferecer até quartos para venda. Para o grupo de esquerda Sindicato de Inquilinos, isso tudo se deve à especulação desenfreada, especialmente por parte de estrangeiros e fundos de investimento. Estima-se que existam mais de 4 milhões de apartamentos vagos e 400 mil casas de aluguel de temporada no país de 46 milhões de habitantes.
A escassez de oferta no mercado imobiliário é agravada ainda mais por iniciativas dos próprios moradores locais. Há mais de 2,5 milhões de apartamentos usados esporadicamente na Espanha, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) do país. É possível presumir que uma grande parte seja de segundas ou até terceiras residências de famílias espanholas, usadas apenas nas férias e que não são alugadas para terceiros.
Investidores privados e fundos de cobertura, por outro lado, têm menos medo de alugar imóveis, principalmente com contratos temporários, que estão se tornando um investimento cada vez mais popular. Excluindo os aluguéis para turistas, os apartamentos alugados por um período limitado representaram 14% do mercado total no primeiro trimestre de 2025 – um aumento de 25% em relação ao ano anterior, de acordo com a plataforma imobiliária espanhola Idealista.
O maior aumento na oferta de apartamentos temporários foi registrado em cidades como Bilbao (36%), seguida por Alicante (33%), Barcelona (29%) e Madrid (23%), segundo a Idealista. No entanto, em maio, a ministra da Habitação e Desenvolvimento Urbano da Espanha, Isabel Rodríguez, ordenou que a plataforma de aluguéis temporários Airbnb excluísse quase 66 mil anúncios de apartamentos sem licença, segundo reportagem do jornal espanhol El País.
Rodríguez propôs uma lei para um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de 21% sobre o aluguel de curto prazo de apartamentos. Esse valor é o dobro do que o cobrado para um quarto de hotel. No entanto, o Sindicato de Inquilinos não considera a medida suficiente.
Bolha perigosa
Assim como antes da crise financeira de 2008, o mercado imobiliário espanhol voltou a se aquecer de maneira perigosa. Enquanto uma casa custava em média cerca de 138 mil euros em 2014, o mesmo imóvel passou a valer 178.700 em 2024, segundo a empresa MD Capital. Em regiões como as Ilhas Baleares, os preços mais que dobraram.
“Isso inevitavelmente gera protestos entre a população local”, disse Tim Wirth, advogado imobiliário de Palma, à DW. Ele acredita que o aluguel precisa se tornar novamente atraente “com proteção fiscal e legal para ambos os lados”.
No entanto, ele reconhece os problemas sociais explosivos da situação atual. Enquanto os preços dos imóveis espanhóis subiram entre 29% e 34% na última década, o salário médio aumentou apenas pouco mais de 23%. Isso criou uma lacuna que está dificultando o acesso à moradia para muitos espanhóis, avalia a MD Capital.
Ao contrário do que ocorre em Paris ou Londres, os trabalhadores na Espanha não recebem um bônus salarial quando os preços dos imóveis estão particularmente altos. Segundo a empresa de análises de dados Datosmacros, o salário médio na Espanha em 2024 era de 2.642 euros brutos por mês. No entanto, de acordo com o portal imobiliário espanhol Fotocasa, o aluguel de apartamento médio de 80 metros quadrados custa cerca de 1.100 euros por mês. Em cidades como Madri ou Barcelona, esse valor varia entre 1.400 a 1.500 euros.
Muitos turistas, pouca moradia social
O mercado espanhol é inundado pelos de 90 milhões de turistas estrangeiros que vêm à Espanha todos os anos, por trabalhadores remotos que se mudaram para as Ilhas Canárias e Barcelona, além de estudantes internacionais em Madri e investidores latino-americanos. Isso acabou gerando uma resistência cada vez maior entre os espanhóis, que eram até então muito receptivos a estrangeiros.
De acordo com o portal de aluguel de curta temporada Spotahome, mais de 118.000 estudantes e professores vieram para a Espanha somente no ano letivo de 2024-2025 por meio do programa de intercâmbio europeu Erasmus. Além disso, há muitos estudantes de todo o mundo nas quase 90 universidades e faculdades do país.
A Espanha não possui residências estudantis públicas ou pagamento de bolsas para estudantes de acordo com a renda familiar. Essa é uma das razões pelas quais, estatisticamente, os espanhóis não saem da casa dos pais antes dos 30 anos, segundo dados de 2023 da agência de estatísticas da União Europeia Eurostat de 2023.
A Espanha também está muito atrás na Europa no que diz respeito à habitação social. Segundo dados oficiais, 14.371 unidades de moradia social foram construídas no ano passado. De acordo com o Ministério da Habitação espanhol, o país destinou 34 euros per capita para habitação social entre 2007 e 2021 – significativamente abaixo da média da União Europeia, que ficou em 160 euros.
O Sindicato de Inquilinos promete causar problemas se o governo não tomar medidas mais enérgicas: “Vamos recuperar o que está vazio ou alugado para turistas com protestos barulhentos”, disse o grupo à DW.