22/04/2022 - 12:38
A Rússia retirou suas tropas da região de Kiev e concentra atualmente seus esforços no leste da Ucrânia. Mas por que Vladimir Putin quer dominar Lugansk e Donetsk? De acordo com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, “a batalha pelo Donbass” começou. No início de abril, a Rússia retirou subitamente suas tropas da região de Kiev, localizada no norte ucraniano, e aparentemente queria concentrar o poder de seu Exército na região de Donbass, no leste do país, para uma nova ofensiva que começou nesta semana. Mas por que a região é tão crucial?
Ligações especiais com a Rússia?
Assim como a península da Crimeia, as unidades administrativas de Lugansk e Donetsk são regiões nas quais um número particularmente grande da população declara o russo como sua língua materna e é etnicamente russa.
A situação é semelhante nas unidades administrativas vizinhas de Zaporíjia, Kharkiv e Odessa. No entanto, os russos étnicos constituem a maioria da população apenas na Crimeia.
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Após a “Revolução Laranja” de 2004 e os protestos na Maidan, a Praça da Independência de Kiev, em 2013 e 2014, foi nestas regiões que a resistência contra uma orientação ocidental da Ucrânia foi particularmente mais forte. Ainda assim, os separatistas russos – presumivelmente com o apoio de Moscou – conquistaram o controle sobre partes da região.
Ao mesmo tempo, o Kremlin usou o vácuo de poder em Kiev para anexar a península da Crimeia. “Estes são dois dos muitos exemplos em que os russos agiram de acordo com o princípio ‘a oportunidade faz o ladrão'”, diz Andreas Heinemann-Grüder, especialista em Europa Oriental do Centro Internacional de Conversão de Bonn (BICC). Para ele, não havia nenhum plano em grande escala por trás disso.
Como isso pode ser explicado historicamente?
A região de Donbass era escassamente povoada até meados do século 19. Depois, tornou-se o centro mais importante da industrialização russa por causa de seus depósitos de carvão. “Durante esse período, o uso público da língua ucraniana foi suprimido no Império Russo, e o russo prevaleceu cada vez mais como língua da educação”, explica o historiador Guido Hausmann, do Instituto Leibniz de Estudos da Europa Oriental e do Sudeste (IOS), da Universidade de Regensburg. “Por outro lado, muitos agricultores russos também afluíram para a nova área industrial.”
Durante a breve independência da Ucrânia em 1918, Donbass ainda não fazia parte dela. Isso mudou quando a União Soviética transformou o país na República Socialista Soviética da Ucrânia. Na época soviética, mais russos se estabeleceram na região.
A esse respeito, um número relativamente grande de pessoas realmente sente uma conexão com a Rússia ou mesmo com a União Soviética, explica Hausmann. “No entanto, a população de Donbass sempre falou também ucraniano, e a maioria ainda hoje tem fortes laços com a Ucrânia”, explica.
O cientista político Heinemann-Grüder também acredita que é completamente enganosa a suposição de que a etnia ou a língua materna da população ucraniana forneça informações sobre sua identidade nacional. “Mesmo em alguns batalhões do Exército ucraniano que lutaram contra os separatistas em 2014/2015, as pessoas falavam russo”, conta o cientista político.
Entretanto, ele diz que este provavelmente não é mais o caso, assim como o uso da língua russa tem declinado mais acentuadamente nos últimos anos. “Se houve alguma contribuição para a formação da nação ucraniana, foram as agressões russas nos últimos oito anos [uma das causas]”, afirma Heinemann-Grüder. “As bombas russas uniram ainda mais a Ucrânia.”
Os interesses econômicos também estão por trás do avanço para o leste da Ucrânia?
Após a Segunda Guerra Mundial, as regiões industriais da Sibéria se tornaram mais importantes para a União Soviética do que Donbass. Mas, para a Ucrânia, Donbass era a região industrial mais importante até 2014.
Com o conflito, no entanto, sua importância diminuiu. Muitas minas – especialmente nas áreas separatistas – estão abandonadas ou em condições muito precárias. Com a guerra, outras plantas industriais e a infraestrutura foram destruídas.
A força econômica da região não é importante para a Rússia, conta o historiador Hausmann, mas ela é decisiva para a Ucrânia e sua independência econômica. “Um dos objetivos de guerra decisivos da Rússia é tornar a Ucrânia dependente da Rússia a longo prazo – política, cultural e economicamente”, frisa.
Qual é o significado simbólico e ideológico da região de Donbass?
A guerra tem sido travada há oito anos em Donbass: em 2014, os separatistas pró-Rússia proclamaram as regiões administrativas de Lugansk e Donetsk como “repúblicas populares” independentes.
Após uma fase de combates entre separatistas e o Exército ucraniano, o Segundo Acordo de Minsk, em 2015, resultou num cessar-fogo frágil e numa “linha de contato” que separa as partes controladas pela Ucrânia das áreas separatistas na região de fronteira com a Rússia.
Em 21 de fevereiro de 2022 – três dias antes da invasão da Ucrânia –, a Rússia reconheceu oficialmente essas “repúblicas populares”. “Com isso, o governo russo quis dizer todo o Donbass”, esclarece o especialista Heinemann-Grüder.
Assim, a Rússia teria agora que conquistar toda a área para implementar a anexação que eles haviam planejado a partir do reconhecimento, diz o cientista político. “Então eles poderiam declarar vitória diante do seu público doméstico e possivelmente acabar com a guerra”, acrescenta.
Além disso, unidades de combate ucranianas com orientação nacionalista de direita estão lutando nessas áreas, sobretudo o “Regimento Azov”, que já ajudou a impedir a tomada de Mariupol pelos separatistas em 2014.
“Com uma vitória sobre essas tropas, Putin poderia declarar a conclusão da suposta missão de desnazificação – pelo menos na região de Donbass”, diz Heinemann-Grüder. O Kremlin afirma que uma das coisas que devem ser combatidas na Ucrânia é um regime nacional-socialista.
A captura da cidade industrial e portuária de Mariupol, que após semanas de cerco e bombardeios se tornou um símbolo da perseverança ucraniana, também seria um sucesso simbólico.
Qual é a importância estratégica do Donbass?
“O resultado da guerra na região de Donbass determinará o que restará da Ucrânia”, conta Heinemann-Grüder. Com a anexação da Crimeia, Moscou não apenas conquistou o antigo porto de origem da outrora orgulhosa frota russa do Mar Negro: pela primeira vez desde o fim da União Soviética, a Rússia tem um porto livre de gelo durante todo o ano perto da parte europeia do país.
No entanto, a Crimeia tem sido até agora um enclave que só se conecta à Rússia continental através da Ponte da Crimeia, inaugurada em 2018, que atravessa o estreito de Kerch, entre o Mar de Azov e o Mar Negro. Com a conquista de toda a região de Donbass, a Rússia arrancaria outro porto importante da Ucrânia, Mariupol, que se liga com a Crimeia e o Mediterrâneo.
Dependendo das condições dos exércitos e de suas rotas de abastecimento, afirma Heimann-Grüder, a Rússia poderia perseguir seus próximos objetivos, especialmente uma conexão terrestre ao longo da costa até a Crimeia.
Isso, por sua vez, poderia abrir novas perspectivas militares. “Se Putin vê oportunidade de dissolver a Ucrânia como um Estado independente, ele irá agarrá-la”, opina o cientista político. Nesse sentido, surge a pergunta para o governo ucraniano: “Temos que desistir de Donbass para salvar Kiev?”