“Estou inseguro sobre nossa sobrevivência no curto prazo e com receio do futuro. Também temo pelo legado que deixarei após décadas de árduo trabalho. Acho que teremos de entrar em Recuperação Judicial (RJ). Não estamos conseguindo gerar caixa para pagar aos credores. Inacreditável como a empresa deteriorou rapidamente. Há quatro anos éramos sólidos e o futuro parecia promissor. O senhor poderia me explicar onde foi que errei? Por que entramos nesse buraco?”

Com essas palavras, fui recebido na residência do fundador e acionista majoritário de um grande conglomerado nacional. É uma empresa de controle familiar e sociedade anônima de capital aberto e eu estava atendendo seu amável convite para um drink, no final de uma tarde de sábado.

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Procurei tranquilizá-lo, afirmando a existência de alternativas para salvar seu legado. Não seria tarefa fácil, mas, se ele estivesse realmente disposto a virar o jogo, com certeza encontraríamos o caminho.

Expliquei que essa deterioração não era privilégio da empresa dele. Muitos sequer imaginam, mas esse processo tem sido bastante comum.

Iniciei citando o resultado de um levantamento constatando que das 20 maiores empresas do País em 2015, apontadas por várias publicações, apenas 11 continuavam na mesma lista em 2021. Ou seja, 45% delas não permaneceram no ranking. E algumas delas não estavam mais em lista alguma. Tinham simplesmente falido, desaparecido.

Não precisei de muito esforço para lembrá-lo das inúmeras marcas famosas e icônicas que sumiram no passado, além de casos recentes daquelas que foram tragadas em escândalos de operações policiais.

Citei ainda recentes pedidos de RJ, além do substancial aumento nos casos de falência. Em janeiro de 2023, foram 72, contra 46 no mesmo mês de 2022.

Expliquei também a sombria analogia entre os acidentes aéreos e o colapso de empresas. Em ambos os casos, usualmente ocorre uma perversa combinação de fatores, pois, raramente um único problema é a causa do desastre.

Em seguida, apontei a ele as 15 causas mais recorrentes para a quebra do que antes parecia sólido, baseado em minha experiência como executivo e, durante as últimas duas décadas, como consultor de inúmeras empresas de variada gama de negócios, tamanho e geografia de atuação:

  • Posicionamento indefinido ou inadequado de produtos/serviços;
  • Baixo grau de inovação, incapacidade de olhar à frente e buscar renovação, dirigindo a empresa pela nostalgia do espelho retrovisor;
  • Pouco conhecimento sobre o que os clientes de fato necessitam e valorizam, oferecendo bens e serviços para os quais já não existe demanda;
  • Conflitos de interesses ou problemas emocionais entre sócios e/ou familiares;
  • Incapacidade de formar sucessores, especialmente nas empresas familiares;
  • Estrutura de capital inadequada, levando a custos financeiros proibitivos, devido ao grau de endividamento para financiar o Capex que poderia ter sido evitado;
  • Ênfase maior no crescimento (faturamento, fatia de mercado etc) do que na rentabilidade e geração líquida de caixa;
  • Aquisições cujo valor resultante é menor do que a soma do valor das empresas antes da compra ou fusão;
  • Falta de integração entre áreas, ocasionando enorme desperdício de recursos, tempo e energia;
  • Dispersão excessiva dos negócios e falta de foco, gerada por diversificação sem sinergia com o “core business” nem com o propósito da empresa;
  • Cultura contraproducente caracterizada por muito individualismo, reativismo, negacionismo, paternalismo, imediatismo e comodismo, além de baixa velocidade de respostas;
  • Fragilidade na prática da governança, integridade e ética, muitas vezes comprometida pelas tentações oportunísticas;
  • Decisões baseadas no achismo e em informações precárias e/ou equivocadas;
  • Escassez de líderes inspiradores, com gestores carentes de determinação, resiliência e capacidade de superar obstáculos;
  • Atitudes tóxicas de alguns empreendedores e executivos plenos de arrogância e falta de escuta ativa.

A grande maioria de casos de empresas em dificuldade tem como causa-raiz da sua situação, pelo menos, um dos itens listados acima. Ah, quase ia esquecendo dos sistemas inadequados de remuneração que, na maioria das empresas, oscilam entre dois extremos. De um lado não incentivam e, às vezes, até punem a obtenção de resultados que nem sempre são grandiosos, apesar de saudáveis. Por outro, premiam, com bônus exagerados, resultados imediatistas obtidos por práticas predatórias, que acabam comprometendo a autossustentabilidade no longo prazo.

Também não se pode menosprezar fatores externos, como novos concorrentes; tecnologias disruptivas; mudança em políticas governamentais que alteram inflação, juros e câmbio; impacto de crises no cenário internacional; e brutal alteração no custo dos insumos.
Entretanto, esses fatores deveriam ser detectados em tempo hábil pelo radar de líderes antenados que anteveem, antecipam e transformam possíveis ameaças em oportunidades de negócio. Já os complacentes e negacionistas não percebem tendências e, depois, apenas lamentam a mudança dos ventos.

Sabemos que, não à toa, bons marinheiros são formados no enfrentamento de tempestades e não em períodos de calmaria.

Por esses motivos, costumo afirmar que o maior concorrente das empresas quase sempre está dentro de casa, na lacuna de formação de profissionais proativos, assertivos e protagonistas.

Nem mesmo as promissoras startups escapam dos problemas e várias sucumbem, apesar de receber aportes milionários. Como investidor em startups, tenho percebido que o maior concorrente da maioria delas também está dentro de casa: falta de capacidade de gestão para mantê-las saudáveis após o grande crescimento inicial.

O genial consultor e autor Jim Collins, que tive o prazer de trazer ao Brasil em 1994, quando ainda despontava no cenário corporativo com o seu “Feitas para Durar”, publicou em 2010 uma obra-prima, chamada “Como as Gigantes Caem”, que recomendo como leitura obrigatória.

Assino embaixo da inteligente proposta dos cinco estágios do declínio descritos no livro, mas, aqui, procuro colocar a bola no chão, indo diretamente ao que observo no mundo corporativo, com enfoque mais no “por que” do que no “como”; mais nas causas-raiz do declínio do que nos sintomas.

Sugiro que você use a lista das 15 causas que apontei acima, para um checklist. Se perceber dois ou mais itens muito presentes no cotidiano da sua empresa, faça um pit stop de avaliação e tome providências antes que um possível câncer se consolide e desencadeie metástase, arrastando sua empresa para um indesejado estágio terminal.

Nesse sentido, deixo um recado final claro: se você é o CEO (Chief Executive Officer) da sua empresa, talvez seja o momento de ampliar seu papel e mudar o título do seu cargo para CTO (Chief Transformation Officer). Afinal, além de bons “executivos”, sua empresa precisa de “líderes transformadores”, capazes de colocá-la em outro patamar, carimbando o seu passaporte para o futuro.