15/12/2015 - 8:00
Na última década, o brasileiro de classe média, particularmente uma horda de emergentes, descobriu que viajar de navio não era um sonho distante. O que era caro, exclusivo aos ricos, tornou-se algo banal.
Se antes as viagens eram longas, com vistas ao Caribe e Mediterrâneo, tornaram-se há alguns anos mais curtas, em cruzeiros de até três dias no litoral brasileiro. O preço podia ser pago parcelado em um carnê, como em um crédito rotineiro das Casas Bahia.
Por conta disso, setor de cruzeiros de navio viveu uma febre. Como exemplo, em 2010, aportaram na costa brasileira 20 navios de cruzeiros.
Mas a maré não está para peixe em 2015. Neste ano, somente dez navios vieram para cá. E a perspectiva não é nada animadora. Nas próximas temporadas, apenas cinco navios devem navegar pela costa brasileira.
A maior operadora de navios do mundo, a Royal Caribbean, já deu o sinal amarelo: no ano que vem não deve trazer nenhum navio para o Brasil. Serão realocados homeopaticamente para o Caribe (o fim do embargo de Cuba deu uma ajuda extra) e para a China.
“Neste ano teremos o navio Rapshody of the Seas, mas a previsão para a próxima temporada é já não ter mais nenhum navio para o Brasil”, afirma Ricardo Amaral, vice-presidente da Royal Caribbean para América Latina e Caribe.
O diretor América do Sul da Costa Cruzeiros, Renê Hermann, é ainda mais cético. “O cenário para a temporada de 2016 a 2017 é de que tenhamos somente cinco navios atracados no País, uma redução tremenda perto do que tivemos no passado”. A Costa Cruzeiros, de origem italiana, é uma das maiores ofertantes de cruzeiros no Brasil e opera no País há mais de duas décadas.
Bom de memória, Hermann lembra que, em 1994, quando a Costa Cruzeiros iniciou suas operações no Brasil com navios considerados antigos perto dos atuais (Funchal, Costa Marina e Eugênio C), transportava-se em média 30 mil passageiros. “Os nossos cruzeiros eram mais longos, muito menos populares que agora”, afirma Hermann.
Na temporada de 2011, diz Hermann, auge do setor, foram 800 mil passageiros transportados. Agora, na fase 2015 a 2016, pouco mais da metade dos passeigros vão embarcar nos da Costa. “O fato é que os navios estão voltando aos seus portos de origem devido à escassez de passageiros”, diz.
Quando se olha o potencial perdido para o setor de turismo, considerando-se a costa brasileira, os números ganham contornos ainda piores. Segundo estimativas do setor, existem hoje no mundo 63 armadores, que são as empresas donas dos navios.
Navegam nos sete mares 438 embarcações, que transportam 22,2 milhões de passageiros. Para a temporada de 2017, a estimativa é que 24 milhões de façam uma viagem de navio no planeta, concentrados principalmente na Europa e no Caribe.
Mas há um detalhe: o apetite da China e de países como a Austrália aumenta rapidamente. Trocando em miúdos, enquanto o setor de cruzeiros cresce lá fora, aqui no Brasil mingua. “Somente na costa da China temos hoje oito navios, que ficam lá o ano inteiro. E a tendência é aumentar”, afirma Hermann, da Costa.
Bastidores
O que está por trás das decisões da Royal Caribbean e da Costa Cruzeiros não difere das outras grandes operadoras. Ao contrário. Há quase um coro uníssono de que as raízes do problema têm nome: câmbio e o chamado Custo Brasil.
A MSC Cruzeiros, do Grupo MSC, que lidera o mercado europeu, foi a única que decidiu aumentar a oferta de navios na atual temporada, com a vinda de quatro transatlânticos, um a mais do que no período anterior.
Para não perder clientela tomou o caminho comum às outras: reduzir suas margens e fazer promoções. A empresa ofertou a seus clientes pacotes com o dólar congelado a R$ 2,99, além de outras peripécias de marketing, como ofertas do gênero Black Friday.
O diretor comercial e de marketing da MSC, Adrian Ursilli, explica que com a atual crise houve a necessidade de promoções, como ocorre no varejo em geral brasileiro. “Do farmacêutico ao pipoqueiro, todos estão em promoções com a crise. O problema é que os custos continuam aumentando”, diz o executivo.
A deterioração do real diante do dólar é um problema para as operadoras, porque todos os custos pagos são feitos na moeda americana. Se a receita em reais diminui e não é suficiente para pagar os dólares de antes, o prejuízo é certo.
Para se ter uma idéia desse custo, às operadores, no auge das vendas de passagens, em 2010, o dólar chegou a valer R$ 1,60. Hoje, ronda a casa dos R$ 3,90, quase 2,6 vezes mais do que valia lá atrás. “Chegamos a ter um câmbio de R$ 4,20 por dólar, e isto influencia diretamente em nossos custos”, diz Amaral, da Royal Caribbean.
Custo Brasil
Mas o câmbio desfavorável está longe de ser o principal vilão a corroer os lucros das operadoras de cruzeiros e, consequentemente, afastar os navios da costa brasileira. O chamado “Custo Brasil” também tem contribuído para agravar o problema.
Hermann, da Costa Cruzeiros, afirma que se não fosse uma ação pontual do setor junto ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a situação seria muito pior. Isto porque estava na agenda do governo taxar, a partir do ano que vem, em 25%, as remessas de lucros e de serviços feitas pelas operadoras de cruzeiros.
“Tivemos que explicar ao ministro que esta alíquota era absurda, tiraria empregos no País, e fomos atendidos. Agora, a cobrança será de 6,38% sobre a remessa do setor”, afirma.
A legislação brasileira também não alivia as operadoras de cruzeiros. Para que um navio navegue na costa brasileira, a chamada navegação de cabotagem, pela lei, 25% da tripulação deve ser de brasileiros, todos devidamente registrados. Algo inexistente em outros portos.
As chamadas taxas portuárias também são caras. Os terminais de Santos e do Rio de Janeiro, ambas operadas por um único dono, cobram em média R$ 150,00 por passageiro. “Em Miami esta taxa gira em torno de US$ 10 (R$ 39 reais no atual câmbio)”, afirma Hermann.
Mas o custo para o qual as operadoras mais torcem o nariz é o da chamada “praticagem”, considerada a mais cara do mundo. Pelas leis brasileiras, quando um navio de cruzeiro chega próxima ao porto, um especialista, de nacionalidade local, deve ajudar na condução do navio para manobras no canal até que se aporte seguramente. Se não houver este profissional, com essas credenciais, as seguradoras não pagam caso haja algum acidente.
Um profissional desse naipe cobra no Brasil, no porto de Santos, algo em torno de R$ 100 mil em cada operação. Na Europa, em Barcelona, por exemplo, a patricagem gira em torno de US$ 5 mil (R$ 19,5 mil), cinco vezes menos que no Brasil.
“Não há opção, ou você paga o prático ou você paga o prático”, diz Hermann, que com seus pares negocia com o governo federal uma alternativa para que a Marinha brasileira faça esse trabalho.
Ursilli, da MSC, diz que aumentou em torno de 40% o preço para um navio atracar em um porto brasileiro na atual temporada em relação à anterior. “Isto é o custo Brasil. São coisas que não são detalhadas, chegam a nós como tarifas de serviços portuários”, afirma.
Os responsáveis pelo serviço de praticagem no Brasil contestam este aumento. Segundo a empresa Praticagem de São Paulo, que reúne os práticos de Santos e São Sebastião, no Porto de Santos, os preços em reais tiveram simples atualização monetária de 9%, negociada com os tomadores de serviço. Considerados os preços convertidos para o dólar, os preços das manobras tiveram sim uma redução de 33% em relação à temporada anterior, segundo a empresa.
O contraponto, revela Ursilli, é que existem países que incentivam o turismo de cruzeiro. “Os Emirados Árabes chegam até a pagar do próprio bolso o custo de materiais promocionais para as operadoras trabalharem naquele país”. E acrescenta: “Há todo um interesse de chamar os cruzeiros para lá, enquanto que aqui no Brasil ….”
Informação: a matéria foi atualizada com informações da empresa Praticagem de São Paulo