19/03/2018 - 14:05
Empresas são instituições centrais na sociedade moderna, com recursos e influência, em muitos casos, superiores aos do poder público e das organizações da sociedade civil. Deveriam, portanto, estar atentas, sensíveis e conectadas à realidade que lhes cercam. Isso não acontece no Brasil.
O exemplo mais recente dessa desconexão foi o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, que provocou uma comoção nacional com repercussão internacional. As grandes empresas brasileiras, porém, silenciaram.
Porque isso acontece? Há quem diga que as empresas não devem se envolver diretamente com temas controversos como a política. E que, por isso, é melhor que as marcas se afastem das polêmicas e da polaridade para que não sofram ataques a sua imagem.
No entanto, as opções político partidárias de Marielle são apenas uma camada superficial de sua trágica morte. Esse episódio suscita, sobretudo, a defesa de valores mais abrangentes, capazes de convergir interesses de pessoas de correntes de pensamento totalmente diferentes: o direito à vida e à livre atuação numa sociedade democrática. Motivos mais do que suficientes para mobiliar posicionamentos de qualquer organização.
A reação que identifiquei mais próxima das empresas foi a Nota Pública emitida em conjunto por uma série de organizações sociais, que incluíam o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) e muitos braços filantrópicos de companhias, como Fundação Itaú Social, Fundação Lehmann, Instituto Natura, Instituto Unibanco, entre outros.
No Brasil, as empresas preferem se manifestar em conjunto, por meio de Federações e Associações setoriais, e sempre em defesa de interesses corporativistas, raramente em nome do bem comum. Ainda temem assumir uma posição ativista em favor de causas que mobilizam a sociedade.
Realmente, há risco de serem percebidas como oportunistas, se não demonstrarem coerência em sua linha de atuação. Ou mesmo de sofrerem represálias de linhas de pensamento contrários. Foi o que aconteceu com a marca de tênis norte-americana New Balance, que festejou a eleição de Donald Trump e sofreu a retaliação nas redes sociais com imagens de consumidores queimando seus produtos.
Outras marcas, no entanto, têm sido bem-sucedidas ao defender princípios, em vez de lados de uma disputa. Foi o caso da companhia aérea AeroMéxico, que propôs um mundo sem mais muros e fronteiras (coerente com o seu negócio) ou o Airbnb, aplicativo de compartilhamento de hospedagem, que apoiou o acolhimento das diferenças entre as pessoas. E mais: exigiu que os participantes da rede aceitassem a política de não discriminação de hóspedes.
Empresas, de um modo geral, alimentam o mito de querer agradar ao maior número possível de pessoas ou, ao menos, não desagradá-las. A marca de sorvetes Ben&Jerry’s, que pertence à Unilever, tem uma postura diferente: “Queremos estar com aqueles que compartilham de nossos princípios”, diz o gerente de ativismo Chris Miller.
Como algumas marcas brasileiras poderiam ter reagido? Há quase dois anos, a cerveja Skol, por exemplo, defende com entusiasmo a diversidade, de raça a pensamento. Está aí um forte alinhamento à atuação de Marielle. A L‘Oreal possui um programa de inclusão de mulheres negras, outro importante ponto de contato. E outras marcas de cosméticos, como Natura e Boticário, colocam-se regularmente em favor da valorização da mulher.
Enfim, já há uma boa coleção de exemplos no mundo de erros e acertos. Tudo pode ser feito, desde que com sensibilidade e nenhuma agressividade de marketing. É inegável que as grandes marcas têm uma capacidade que outras organizações não possuem: sabem falar com as pessoas de forma criativa, sabem comunicar-se com grandes audiências. Essa é uma habilidade que seria de grande valor se também colocada a serviço das grandes causas da sociedade.