A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê que as escolas devem promover o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas ao uso crítico e responsável das tecnologias digitais. O tema é, inclusive, uma das competências gerais da educação básica estipuladas no documento.

Para tanto, são consideradas três grandes dimensões: pensamento computacional (capacidade de compreender, modelar e automatizar problemas e soluções por meio de algoritmos), mundo digital (formas de processar, transmitir e distribuir a informação de maneira segura e confiável nos meios digitais) e cultura digital (aprendizagens voltadas a uma participação mais consciente e democrática por meio das tecnologias digitais, com uma atitude crítica, ética e responsável).

“Não se trata apenas de instrumentalizar recursos, ensinar a digitar um texto, criar uma planilha ou elaborar uma apresentação, mas sim ensinar o indivíduo em formação a compreender como a tecnologia impacta as relações da vida cotidiana, as relações sociais, a avaliação e interpretação de dados e informações, a proteção de seus próprios dados e de terceiros”, comenta Angelo Costa dos Santos, coordenador de Educação Digital do Colégio Visconde de Porto Seguro, campus Panamby. Trata-se da superação do curso de Informática ministrado no passado.

No Porto Seguro, esse trabalho começa sob a perspectiva da computação desplugada e da cultura “maker”, e pouco a pouco temas como cidadania digital e internet segura são introduzidos e aprofundados. Os estudantes do 3º ano, por exemplo, usam o game “Reino da Bondade”, no universo do jogo Interland, para aprender sobre gentileza na internet e discutir a “netiqueta” em aplicativos, enquanto o 4º e 5º anos têm discussões sobre fake news e a confiabilidade das fontes de informação.

Outra atividade proposta é a construção de uma ecovila no jogo Minecraft. Os estudantes têm o desafio de projetar do zero uma comunidade sustentável e, ao longo da construção, debatem problemas reais.

O uso de jogos como ferramenta para ensinar os pequenos a usufruir a tecnologia com segurança também é uma estratégia na Escola Bilíngue Aubrick. “Entendemos o letramento digital como parte das múltiplas linguagens que compõem a infância, assim como a escrita, o desenho e a oralidade. Ensinar a criança a compreender e usar o ambiente digital com intenção e responsabilidade é tão essencial quanto ensiná-la a ler e escrever”, afirma Fatima Lopes, diretora geral da Aubrick. “Não se trata de ‘colocar tecnologia na mão da criança’, mas de ajudá-la a desenvolver discernimento, autonomia e ética no uso das ferramentas que fazem parte do seu cotidiano.”

Para isso, diz Fatima, é preciso mudar a abordagem conforme a faixa etária. “Atividades lúdicas, como criar pequenas histórias digitais, investigar temas em plataformas apropriadas para a infância ou produzir registros multimodais, são parte essencial dessa trajetória”, afirma.

“Na Educação Infantil, por exemplo, utilizamos recursos como o Matific, uma plataforma que transforma conceitos matemáticos iniciais em desafios lúdicos, narrativas interativas e situações-problema adequadas à idade. A criança aprende matemática enquanto joga, testando estratégias, tomando decisões, construindo significados e verbalizando raciocínios”, afirma a diretora.

Veronica Cannatá, coordenadora e professora de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri, reforça que englobar o letramento digital no ensino é essencial para preparar as crianças para os desafios do futuro. No Dante, o letramento digital acontece em diferentes frentes: nas aulas da disciplina STEAM-S (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes, Matemática e Ciências Sociais), durante o uso de dispositivos móveis em sala de aula, nos cursos extracurriculares de robótica e educomunicação, e na disciplina eletiva Inteligência Artificial: Tecnologias para melhorar o mundo.

Os alunos do 5º ano, por exemplo, participaram recentemente de um “escape room” sobre os cuidados necessários no ambiente online. Durante uma hora, eles enfrentaram o desafio de resolver enigmas em inglês relacionados à segurança digital para encontrar a chave e escapar da sala de aula.

“Da Educação Infantil ao Ensino Médio, o colégio trabalha a cidadania digital no combate ao bullying e cyberbullying, ao discurso de ódio e demais intolerâncias, além de tratar nas aulas o Marco Civil da Internet, a LGPD, o ECA, bolhas e algoritmos, big data, big techs, e-commerce, ética, segurança e privacidade nos espaços digitais”, diz Veronica.

Para Beatriz Martins, coordenadora pedagógica do Brazilian International School – BIS, o letramento digital é importante porque mostra às crianças o lado construtivo da tecnologia: seu uso pedagógico, criativo, crítico e seguro. “Em um momento em que muitas famílias buscam afastar os filhos das telas, tratamos de ensiná-las a utilizar a tecnologia com intencionalidade”, afirma.

Ela cita como exemplos o uso de plataformas com desafios lógico-matemáticos e a gravação orientada de vídeos. Também destaca o trabalho realizado nas séries de alfabetização, em que os alunos desenvolvem um livro digital autoral em parceria com as famílias. “Essa proposta fortalece a escrita, amplia a expressão e mostra que a tecnologia pode ser usada de forma consciente e intencional”, comenta.

Outro caso é o projeto apresentado na competição British English Olympics (BEO), promovida anualmente pela Oxford Internacional com estudantes de escolas bilíngues de diversos países. O colégio foi o campeão da disputa em 2024, quando o tema final foi justamente letramento digital.

“Durante a etapa final, realizada na Inglaterra, os alunos desenvolveram uma atividade que uniu reflexão crítica, responsabilidade digital e criatividade”, conta Beatriz. “A proposta apresentada incluiu abordagens adaptadas às diferentes faixas etárias, como uma música criada para a Educação Infantil que ajudou as crianças pequenas a entenderem, de forma simples e acessível, que a tecnologia só é positiva quando usada com consciência.”