11/02/2025 - 13:05
Especialistas argumentam que, sem um cessar-fogo estável e o cumprimento de algumas outras condições, pressão americana por pleito só atenderia aos interesses da Rússia.Quando a Ucrânia realizará a eleição presidencial que foi cancelada por causa da invasão russa lançada em fevereiro de 2022? O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, ouve cada vez mais essa pergunta. A resposta é sempre a mesma. “A eleição será realizada após a fase mais difícil da guerra, quando a lei marcial não for mais aplicada”, disse Zelenski na semana passada ao jornalista britânico Piers Morgan.
A pergunta se tornou mais frequente depois que o tema foi abordado pelo encarregado especial dos EUA para a Ucrânia e a Rússia, Keith Kellogg. Ele disse que o governo americano gostaria de ver eleições na Ucrânia até o fim de 2025, especialmente se Kiev e Moscou concordarem em breve com um cessar-fogo. Eleições são “boas para a democracia”, disse Kellogg à agência de notícias Reuters no início de fevereiro.
Já no início de 2024, políticos americanos haviam pedido à Ucrânia que realizasse eleições mesmo com a guerra em andamento.
Também o governo da Rússia, de um ano para cá, tem se manifestado sobre o assunto. O presidente Vladimir Putin tem seguidamente questionado a legitimidade de Zelenski, apontando para a suspensão das eleições ucranianas planejadas para o fim de 2024. O Kremlin diz estar pronto para negociar com Zelenski, mas frisa que qualquer acordo para pôr fim à guerra só será assinado após uma nova eleição presidencial na Ucrânia.
A Constituição ucraniana, porém, proíbe a realização de eleições sob lei marcial.
É possível que as eleições na Ucrânia sejam parte de um plano de paz mediado pelos EUA. Detalhes desse plano ainda não foram divulgados. A Casa Branca confirmou que Kellogg planeja ir a Kiev ainda em fevereiro.
O ex-embaixador dos EUA na Ucrânia John Herbst, hoje um especialista do think tank americano The Atlantic Council, diz que a posição da Rússia não surpreende. Ela faz parte das tentativas do Kremlin de adiar as negociações para o fim da guerra, afirma.
O diplomata elogiou o governo de Donald Trump por reconhecer que “Putin é um obstáculo no caminho das negociações de paz”. No entanto, disse acreditar que seria um erro de cálculo se Washington quisesse incluir a questão das eleições na Ucrânia na pauta.
“Não é possível realizar eleições justas e livres”, diz diplomata
A intenção da Rússia está clara para o especialista em Ucrânia Winfried Schneider-Deters. “Eles querem causar agitação e dividir a população durante uma campanha eleitoral”, avalia. “O que eu não consigo entender é o interesse dos americanos.”
Schneider-Deters diz que os motivos da Rússia são “pérfidos” e, por isso, ele recomenda que Zelenski não ceda a possíveis pressões de Washington por eleições.
Resta saber se a Ucrânia será capaz de fazer isso com seu maior e mais importante doador de armas. Zelenski até agora evitou um posicionamento claro sobre o assunto. Ele diz que a Ucrânia está pronta para fazer concessões e quer realizar eleições, mas desde que garantidas certas condições.
O ex-secretário-geral da Organização para Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) Thomas Greminger alerta contra realizar eleições rapidamente. “Creio que, nas condições atuais, simplesmente não é possível realizar eleições justas e livres”, diz o diplomata suíço. Afinal, argumenta, grande parte do território ucraniano está sob controle russo.
Greminger também diz que experiências anteriores, tanto na África e na Ásia como nos Bálcãs Ocidentais, desaconselham a realização prematura de eleições. “É preciso uma certa estabilidade e bons preparativos”, afirma. Do contrário, ao invés de estabilidade, o que se tem é o oposto.
Condições para realizar uma eleição
Se realmente houver eleições, Herbst vê um perigo não para a democracia, mas para a segurança ucraniana. “Não há dúvida de que a Rússia usará esse tempo para se fortalecer militarmente.”
Eleições só são possíveis sob certas condições, argumenta o diplomata. Ele inclui entre as mais importantes algumas já listadas por alguns aliados de Trump: mais armas para a Ucrânia, uma zona desmilitarizada e a presença de tropas europeias. Se houver um cessar-fogo “sério”, eleições são possíveis, diz Herbst. Porém, Moscou não concorda com nenhuma dessas condições.
Greminger também lembra que eleições livres e justas requerem liberdade de movimento para os eleitores e candidatos, bem como liberdade de imprensa. A lei marcial ucraniana, porém, limita ambos. A OSCE poderia ajudar com observadores eleitorais, pontua o ex-secretário-geral da organização. Na opinião dele, o número não necessariamente precisaria ser maior do que em eleições anteriores.
Porém, o mais importante para a realização de eleições é a estabilidade política, e a Ucrânia ainda está “muito distante disso”. Para Greminger, uma eleição na Ucrânia só seria possível passados pelo menos seis meses após o início de um cessar-fogo estável e monitorado. Diante de tudo isso, ele considera muito improvável que haja uma eleição na Ucrânia ainda este ano.