Desde a pré-campanha do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Rosângela da Silva ou “Janja”, como é mais conhecida, parecia disposta a mudar o papel de uma primeira-dama no Brasil. Essa atitude, entretanto, nem sempre tem sido bem vista, seja por aliados ou não.

Antiga militante do PT, socióloga e feminista, Janja já mostrou que pretende participar ativamente do governo. Na pré-campanha, a atual primeira-dama incomodou aliados antigos de Lula, opinou sobre ações eleitorais e durante o governo de transição influenciou na montagem da atual gestão, como na escolha de Cida Gonçalves para o Ministério das Mulheres.

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É conhecida, por exemplo, a rivalidade existente entre a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, e a atual primeira-dama. Durante discussões para decidir se o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (UB), deveria continuar à frente da pasta após revelações de que teria usado indevidamente aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) para fins privados, Gleisi sugeriu a demissão do ministro a Lula. No entanto, contrariando a vontade de Gleisi, Janja e outros ministros teriam influenciado o presidente para manter Juscelino no cargo.

Em 2022, ela decidiu reinventar o tradicional jingle de campanha “Sem medo de ser feliz”, o “Lula lá” de 1989, e para isso organizou uma nova produção e negociou a gravação com diversos artistas. A socióloga e militante também organizou a cerimônia de posse de Lula em Brasília e, após o início da administração petista, teve presença constante na mídia dando quatro entrevistas para o Grupo Globo apenas em janeiro.

Com um protagonismo pouco habitual para a esposa de um chefe de Estado brasileiro, esteve presente como primeira-dama em eventos importantes do governo. Ela presenciou a reunião com ministros promovida por Lula na primeira semana de governo para alinhar discursos e participou da visita do presidente brasileiro à Casa Branca, nos Estados Unidos.

“Isso pode gerar afinidade dependendo do perfil do eleitor. Pelas pesquisas que temos, eleitoras de renda mais alta ou que discutem gênero tendem a ver como favorável a forma como a Janja se manifesta. Há também uma visão entre eleitoras de baixa renda, que possuem viés mais conservador, que Janja demonstra cuidado ao estar sempre com o marido, o que passa uma imagem positiva”, analisa Eduardo Grin, cientista político da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV).

Papel da primeira-dama e primeiro-cavalheiro

Para especialistas consultados pela IstoÉ Dinheiro, os papéis de primeira-dama e primeiro-cavalheiro são meramente simbólicos e não possuem e nem deveriam ter nenhuma função política. “Isso surgiu nos EUA com a esposa de George Washington e não quer dizer que os cônjuges de mandatários tenham um papel político a ser desempenhado”, avalia Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

“Evidentemente que a primeira-dama tem o direito e deve se posicionar sobre qualquer tema, mas do ponto de vista da institucionalidade, que é o mais importante, esse deveria ser um elemento melhor coordenado dentro do governo porque pode parecer que o Lula autoriza esses posicionamentos dela como forma de testar a opinião da sociedade em alguns temas por meio da primeira-dama e ela não possui nenhum papel institucional no governo”, afirma Grin.

Pautas políticas

A primeira-dama tem atuado principalmente em questões políticas contemporâneas e sua agenda envolve eventos relativos a questões de gênero, cultura e comunicação. “A exposição da primeira-dama pode ser benéfica em alguns momentos para suavizar algumas pautas mais novas em que Lula tem mais dificuldades para lidar, como as identitárias. No entanto, ela pode ser prejudicial quando ela se impõe em determinados assuntos e entra em conflito com determinadas pastas do governo”, avalia Consentino.

Caso Shein

Recentemente, o governo Lula apresentou proposta para acabar com a isenção de imposto de importação sobre compras de produtos de até US$50 entre pessoas físicas. A ideia, entretanto, devido à má repercussão, não vingou. Um dos termômetros do presidente teria sido a própria primeira-dama, que defendeu a taxação em redes sociais e passou a ser muito criticada por isso, quando disse que “a taxação era para as empresas, não para os consumidores”. Segundo aliados de Lula, Janja teria influenciado no recuo de Lula.

Compras, ostentação e machismo

Durante viagem do presidente à Portugal na semana passada, Janja foi alvo de críticas de políticos de oposição por ter comprado uma gravata para o presidente em um loja da grife italiana Ermenegildo Zegna na sexta-feira (21/4). A loja visitada pela primeira-dama fica ao lado do Tivoli, hotel cinco estrelas em que Lula, ela e os demais membros da comitiva presidencial estão hospedados.

“É possível interpretar essa atenção como frivolidade ou machismo, mas também pode-se destacar incoerências importantes. A campanha de Lula criticava os privilégios de uma elite e agora demonstra certos sinais de ostentação. Portanto é importante analisar o que é discurso fácil da mídia, mas também o que é uma certa incoerência, principalmente por parte do casal presidencial, quando combate uma elite, mas reproduz práticas dela”, diz Consentino.

Janja e Evita?

No final de 2022, Janja ganhou um perfil na revista argentina “Notícias”, uma das principais publicações do país, onde foi comparada a Eva Perón e chamada de “A guardiã de Lula”. Eva Perón, conhecida como “Evita”, foi mulher do general Juan Domingo Perón, eleito presidente argentino em 1946. A parti daí, surgiram comparações entre a primeira-dama e Evita e inclusive com a ex-presidente argentina Cristina Kirchner. Entretanto, essas comparações fazem sentido na realidade brasileira?

“Evita foi uma presidente carregada de simbolismo na Argentina. Ela lutou pelo voto feminino, conheceu Perón durante uma ação social, atuou em defesa dos pobres e morreu aos 33 anos, idade de Cristo. Portanto, a imagem dela é algo muito forte na Argentina e não podemos fazer essa comparação com a Janja. Pode ser que ela passe a assumir esse papel, mas por enquanto, não”, afirma José Alves Trigo, doutor em Análise do Discurso e professor de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.