Em 2012, Jorge Paulo Lemann seria considerado um “bilionário de classe média alta”, quando comparado com a estrela em ascensão Eike Batista. Naquele ano, Eike alcançou seu auge no ranking dos homens mais ricos do mundo da Forbes, com uma fortuna de US$ 30 bilhões. A dinheirama o colocava como o sétimo mais rico do mundo – e o primeiro no Brasil. Era mais que o dobro dos US$ 12 bilhões atribuídos a Lemann na mesma lista, então na quarta posição entre os brasileiros – e 69º no ranking global.

Estilos, estratégias e setores de atuação diferentes pareciam condenar Lemann a nunca alcançar Eike, cuja ambição, na época, era se tornar o homem mais rico do mundo. A última edição da lista da Forbes, publicada no início de março, mostra que esses contrastes entre os empresários pesaram sim – mas não como se supunha.

Nesta quarta-feira, o fundo 3G, controlado por Lemann e seus sócios Marcel Telles e Beto Sicupira, anunciou a fusão da Heinz com a Kraft Foods, criando a terceiro maior companhia de alimentos dos Estados Unidos. Nesse meio tempo, Lemann tornou-se o homem mais rico do Brasil, com uma fortuna avaliada, pela revista americana, em US$ 19,7 bilhões. Já Eike sumiu da lista em 2013, quando a Forbes estimou que a forte queda no valor das ações de suas companhias levaram seu patrimônio a baixar para US$ 900 milhões. Desde então, o empresário foi ladeira abaixo. Com o derretimento dos negócios na bolsa, a recuperação judicial da antiga OGX e da OSX, a venda de ativos e, sobretudo, as pesadas dívidas, o próprio Eike calcula que seu patrimônio pessoal está negativo, hoje, em US$ 1 bilhão.

Confira, a seguir, as diferenças que transformaram Lemann no anti-Eike, e como isso contribui para o seu sucesso:

Lemann prefere setores tradicionais

Lemann e seus sócios na empresa de private equity 3G, Marcel Telles e Beto Sicupira, construíram sua fortuna com investimentos em setores tradicionais. Transformaram, por exemplo, a antiga Brahma no embrião da maior cervejaria do mundo, a Ab Inbev. Aplicaram dinheiro também em alimentos, comprando a Heinz e anunciando a sua fusão, nesta quarta-feira 25, com a Kraft Foods.

Eike apostou em commodities

Havia dois pilares do Grupo EBX, fundado pelo ex-bilionário, em torno dos quais gravitavam todos os seus negócios. O primeiro era a petroleira OGX, atual OGPar. A companhia serviu de pretexto para a criação de outras, como a OSX, responsável pela construção e operação de suas plataformas. Já a mineradora MMX, com projetos distribuídos pelo País, incentivou, por exemplo, a criação da antiga LLX, atual Prumo Logística, para transportar a sua produção. Em comum, esses pilares de Eike representavam a aposta em um mesmo setor: o de commodities minerais, que bombavam, naquela época, devido à expansão brasileira e, sobretudo, ao crescimento da China.

Lemann não investe em startups

As apostas de Lemann e seus sócios concentram-se em companhias já estabelecidas, com um bom histórico de operações e mercados já consolidados. A única experiência do trio com empresas em fase inicial de operação foi a compra da Booknet, em 1999, ainda quando atuavam na GP Investimentos. A livraria virtual foi o embrião do site de compras Submarino, que se tornou, posteriormente, a base para a atual B2W, uma das maiores varejistas online do País. Apesar do crescimento, a jornalista Cristiane Correa, em seu livro “Sonho Grande”, que trata da trajetória do trio, conta que a experiência com a Booknet fez com que Lemann, Telles e Sicupira nunca mais investissem em startups. O motivo é o envolvimento exigido para tirar esse tipo de projeto do papel.

Eike criou “startups gigantes”

Quem melhor definiu o espírito dos investimentos de Eike Batista foi o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Em entrevista à DINHEIRO, em novembro de 2013, o banqueiro afirmou que a “OGX foi uma grande startup que não deu certo”. No auge, a crítica mais comum a Eike era que suas empresas “vendiam vento”, já que todas começaram em fase pré-operacional. O cronograma de atividades previa, para cada companhia, um período de captação de recursos, investimentos, pesquisas e, só depois, a produção comercial e a geração de lucros. A estratégia, porém, falhou. Ao não entregar resultados, Eike foi cada vez mais pressionado por investidores e fornecedores. Com os projetos ainda sem produzir, os aportes de capital eram necessários – mas sumiram, diante da crise de confiança e selaram um fim melancólico para o empresário.

Lemann não se importa em ser minoritário

Quando promoveu a fusão da AmBev, então maior cervejaria das Américas, com a belga Interbrew, criando a então Inbev, Lemann, Telles e Sicupira tiveram sua participação acionária diluída. Na prática, eles não detinham o controle do novo negócio, sendo, porém, “minoritário relevantes”. Seus críticos afirmaram que o acordo representava um tiro no pé, pois transferia o controle da AmBev para os estrangeiros. Com habilidade, o time de Lemann assumiu o comando da cervejaria e começou a implantar o estilo de gestão que os consagrou: corte obsessivo de custos, estabelecimento de metas e meritocracia. Como se sabe, a receita de sucesso fez com que o trio desse as cartas em todos os negócios que assumiu – a ponto de o megainvestidor e bilionário Warren Buffett, um dos parceiros de Lemann, delegar a gestão das sociedades que mantém com o 3G para os brasileiros.

Eike gostava de ser majoritário

Eike Batista abriu o capital da maioria de suas empresas, mas nunca abriu mão de se manter no controle. Enquanto Lemann dilui o risco dos investimentos com parceiros, Eike “chamava para si” a responsabilidade. Muitos apontam esse como um de seus maiores erros, já que os projetos que lançou eram de grande porte. O próprio empresário admitiu, posteriormente, que não tinha tempo para se dedicar a todas as empresas. Além disso, contar com sócios com participações mais parelhas diluiria sua responsabilidade e criaria uma rede maior de apoio aos negócios. O ex-bilionário só aceitou reduzir sua participação nas empresas, quando as dívidas falaram mais alto, e a recuperação judicial converteu suas obrigações em ações detidas pelos credores.

Lemann só aparece no jornal quando tem um negócio concreto

O ex-tenista profissional é conhecido por sua discrição. Raramente se expõe, evita badalações e foge das redes sociais. Depois de um trauma familiar – a tentativa de seqüestro de seus filhos – mudou-se para a Suíça. Um de seus princípios é apenas aparecer no noticiário, quando tem um negócio concreto para anunciar. É o caso da fusão da Heinz com a Kraft Foods, nesta quarta.

Eike gostava dos holofotes

Já Eike é o anti-Lemann no quesito exposição pública. Vaidoso, lançou um livro sobre sua trajetória (O X da Questão), em dezembro de 2011, e era um assíduo usuário do Twitter. Pela rede social, costumava divulgar projetos, anunciar planos, incentivar investidores, manter o moral da equipe. O excesso de otimismo nas redes, por exemplo, é usado por um grupo de minoritários da OGX em um processo contra Eike, por suposta manipulação de mercado. Eike desapareceu do Twitter. Recentemente, porém, voltou a conceder entrevistas. Na última, ao jornal Valor Econômico, prometeu: “I’ll be back” (eu voltarei), uma referência ao andróide T-800, vivido por Arnold Schwarznegger na série cinematográfica Exterminador do Futuro. Nos filmes, o robô sobrevive a explosões, incêndios, tiros e pancadas. A seu modo, Eike está passando pela mesma coisa. Já Lemann não é dado a declarações extrovertidas – mas também, nunca se expôs a negócios que pareciam ficção.