Após ter afirmado que a guerra da Ucrânia teria sido fruto da decisão de dois países (Rússia e Ucrânia) e que Estados Unidos e União Europeia estariam incentivando o conflito, o presidente Lula (PT) mudou o tom de suas afirmações sobre o confronto nesta última terça-feira (18) e condenou a “violação da integridade territorial” da Ucrânia. Segundo a Casa Branca, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, conversou na própria terça-feira (18) com o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, pelo telefone sobre a Guerra da Ucrânia. A possibilidade de os dois fatos estarem interligados não é afastada por analistas.

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Para Vinícius Vieira, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV, embora Lula tenha claramente amenizado sua fala, não é possível saber se isso (a coincidência da condenação à invasão com o telefonema de Wahington) ocorreu após a resposta dura dos EUA e UE ou devido à má repercussão interna, embora reconheça que Amorim deva ter influenciado o presidente em sua nova postura. “Dizer que os dois lados têm culpa é claramente uma postura pró-russa, porque a neutralidade seria baseada no Direito Internacional, que indica que a Rússia invadiu ilegalmente a Ucrânia violando a sua soberania. Após a conversa da Casa Branca com Celso Amorim, muito provavelmente ele deve ter ajudado o Lula a calibrar o seu discurso, já que ele é o ‘mastermind’, o ‘Rasputin tropical’ que comanda de fato a política externa tendo ascendência sobre o Mauro Vieira (ministro das Relações Exteriores brasileiro)”, afirma. Rasputin foi um conselheiro muito próximo do Czar russo Nicolau II.

Já para Emerson Malheiro, advogado, professor da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e doutor em Direito Internacional, o presidente foi mal compreendido e o seu posicionamento foi influenciado por diversos fatores, como as suas convicções políticas, pressões da opinião pública e dos líderes internacionais. No entanto, ele também reconhece a importância de Amorim. “É importante destacar que as conversas mantidas entre a Casa Branca e Celso Amorim foram fundamentais para um esclarecimento das orientações do Presidente”, destaca.

“Celso Amorim tem muita influência na política externa porque é preciso lembrar que a formulação dessa política fica a cargo do presidente da República e do seu assessor de relações internacionais. O ministro das Relações Exteriores apenas coloca em marcha a estratégia do presidente. Portanto, a estratégia do Lula é a desenhada pelo Celso Amorim”, afirma Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie-Brasília.

Responsabilidade pela guerra

O novo discurso ocorre após declarações do presidente sobre a guerra da Ucrânia terem gerado descontentamento dos Estados Unidos e de países europeus, nas quais insinuou que EUA e UE teriam propiciado o prolongamento do conflito e que a decisão pela guerra teria sido tomada “por dois países (Rússia e Ucrânia)”. Na última sexta-feira (14), Lula afirmou ser necessário que um grupo de países neutros faça a intermediação das negociações de paz na guerra entre a Rússia e Ucrânia. Ao comentar sua conversa com o líder chinês, Xi Jinping, o presidente disse que países que auxiliam a Ucrânia com armas (como os Estados Unidos e países da União Europeia) deveriam cessar os fornecimentos.

Em entrevista no último domingo (16) durante viagem aos Emirados Árabes Unidos, na volta da viagem à China, o líder petista disse que a decisão da guerra havia sido tomada por dois países. “Eu penso que a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por 2 países (Rússia e Ucrânia).”

Reação europeia e americana

Na segunda-feira (17), o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, almirante John Kirby, disse que o Brasil estava “repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos”. Também nesse dia a União Europeia se pronunciou oficialmente sobre as declarações do presidente Lula. O porta-voz principal para Assuntos Externos da UE, Peter Stano, afirmou que a Rússia é a “única responsável” pela escalada de violência no Leste Europeu.  

“O fato número um é que a Rússia – e somente a Rússia – é responsável. Ela gerou provocações e agressões ilegítimas contra a Ucrânia. Não há questionamentos sobre quem é o agressor e quem é a vítima”, afirmou. Stano também rebateu as críticas de Lula sobre as ações do Ocidente em relação à guerra e lembrou que o Brasil fez parte dos 143 países que condenaram a invasão da Ucrânia e pediram pelo fim das hostilidades, dentro do ambiente das Nações Unidas. ‘Os Estados Unidos e a União Europeia trabalham juntos, como parceiros de uma ajuda internacional. Estamos ajudando a Ucrânia em exercícios para legítima defesa”.  

Mudança de discurso

Nesta última terça-feira (18), segundo a Casa Branca, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, conversou pelo telefone com o assessor especial da Presidência, Celso Amorim. Além da guerra, o governo americano informou que Sullivan e Amorim trataram de “uma série de questões bilaterais e globais” como o combate às mudanças climáticas e o G20.

Também nesta terça, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse que o Brasil está errado ao argumentar que os Estados Unidos estão encorajando a guerra e que a postura do Brasil não tem sido de neutralidade, embora tenha feito a ressalva de que o país é “soberano para ter as relações com quem quiser”.

Coincidentemente ou não, Lula alterou seu discurso na terça-feira. O presidente disse, de forma rápida e aparentemente sem ênfase: “Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociado para o conflito.”

Também nesta mesma terça passada, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, classificou de “absurda” a declaração do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca de que o Brasil “papagueia” a posição russa sobre a guerra da Ucrânia. Em entrevista à GloboNews, Amorim disse que o palavreado usado pelo porta-voz norte-americano é inadequado e que Lula e o governo brasileiro condenaram a invasão da Ucrânia pela Rússia e o uso da força sem autorização da ONU (Organização das Nações Unidas), assim como a imposição de sanções também sem aval da ONU a Moscou que, de acordo com ele, prejudica outros países.

Quem é Celso Amorim?

O home forte de Lula em temas de natureza internacional é diplomata formado em Direito. Concluiu o curso do Instituto Rio Branco em 1965 e iniciou sua carreira como assistente do chefe da Divisão da Europa Ocidental. É mestre em Relações Internacionais pela Academia Diplomática de Viena e assumiu diversos cargos na administração pública brasileira no Brasil e no exterior.

Filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi ministro das Relações Exteriores durante os governos Itamar Franco (PMDB) e Lula e ministro da Defesa durante a gestão de Dilma Rousseff (PT). Atualmente ocupa o cargo de assessor especial da Presidência da República.

“Ele parece ser o nosso ‘Rasputin tropical’ e sem dúvida é o principal nome que influencia o governo em temas internacionais”, afirma Vieira. “Além de diplomata experiente, é filiado ao PT, mas tem uma leitura do mundo muito antiga que, na minha visão, não é a mais adequada aos nossos interesses e tampouco representa uma esquerda contemporânea, que não condena apenas o imperialismo americano, mas que critica toda forma de imperialismo e hoje os russos representam um forma de imperialismo contra a Ucrânia”, completou.