24/02/2005 - 7:00
Rafik Hariri era o empreendedor mais rico do Oriente Médio, com um patrimônio de US$ 4 bilhões. Numa região em que as fortunas costumam ser fruto do poder político ou dos laços sangüíneos, Hariri fez o caminho inverso. Conseguiu ser bilionário muito antes de se tornar um dos políticos mais influentes do mundo árabe. Filho de lavradores, o muçulmano Hariri iniciou seu império com uma construtora, a Oger, que ergueu os principais palácios e obras de infra-estrutura da região. Nos anos 90, ele aproveitou a onda de privatizações e adquiriu concessões telefônicas na Arábia Saudita e na África. Ganhou rios de dinheiro a ponto de ter sido o maior doador da última campanha presidencial de Jacques Chirac ? na França, ele vivia numa mansão de 100 milhões de euros, que já pertenceu a ninguém menos que Gustave Eiffel, o engenheiro que projetou a torre mais famosa de Paris. No Brasil, ele era sócio do investidor Naji Nahas num condomínio em Itu (SP), o Vila Real, e pretendia ampliar as atividades de seu braço financeiro, o Banque de la Mediterranée. Seus cuidados com segurança eram proporcionais à sua riqueza ? ele só se locomovia em comboios de carros blindados, equipados com radares para detectar disparos e bombas. Isso, porém, não bastou. Na segunda-feira 14, um atentado terrorista no centro de Beirute, com 300 quilos de explosivos, matou Hariri, deixou mais de 100 feridos e lançou a questão: por que o homem mais popular do Líbano, que reconstruiu Beirute das cinzas, foi brutalmente assassinado?
Embora a autoria do atentado tenha sido reivindicada por um obscuro movimento radical islâmico, poucos analistas deram crédito. Até porque, dada a dimensão do ataque, acredita-se que ele só poderia ter sido tramado pelos serviços secretos de um Estado. A primeira suspeita recaiu sobre o regime sírio, que há 29 anos ocupa militarmente o Líbano com 15 mil soldados. Hariri, que foi primeiro-ministro do país até cinco meses atrás, renunciou quando o presidente Émile Lahoud compôs com o regime sírio, do ditador Bashar Al Assad. O bilionário tornou-se líder da oposição crescentemente insatisfeita com a ocupação.
No ano passado, Hariri foi o articulador da resolução 1.559 da ONU, que exige a retirada das tropas sírias do Líbano ? o Brasil foi um dos poucos países a não apoiá-la. Em Washington, o governo americano não apenas condenou o atentado como ordenou a retirada da embaixadora Margaret Scobey de Damasco, capital da Síria, país que sofrerá sanções econômicas. ?Depois da morte de Hariri, a presença das tropas sírias no Líbano tornou-se insustentável?, avalia o empresário Mário Garnero, amigo da família Bush. A interpretação de que o governo sírio, que já estava na linha de tiro, foi responsável pelo ataque, porém, não é unânime. Em Damasco, o regime de Assad logo tratou de atribuir a responsabilidade a Israel. Seja como for, o martírio de Hariri poderá apressar o fim da ocupação militar no Líbano. Ele sai de cena como uma daquelas figuras que, mesmo na derrota, poderá vencer.
US$ 4 bilhões era o patrimônio pessoal de Hariri, dono da construtora Oger, de empresas de telecomunicações, de jornais e sócio de um condomínio residencial no Brasil