Assembleia Geral da ONU oferece tribuna de grande visibilidade que líderes como Lula e Trump aproveitaram. Mas chanceler federal alemão prefere participar do debate orçamentário na Alemanha.A Assembleia Geral da ONU, em Nova York, é o principal evento da diplomacia internacional e impressiona por reunir num único lugar cerca de 150 chefes de Estado e de governo, bem como ministros do Exterior e representantes de organizações como a União Europeia e a Otan.

O chamado debate geral oferece uma tribuna para líderes das nações apresentarem suas posições sobre as mais variadas questões da atualidade, e não faltam temas urgentes, como a guerra na Ucrânia, o conflito na Faixa de Gaza, a guerra tarifária dos EUA e o combate ao aquecimento global.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez uso desse espaço, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro a discursar.

Tão importante quanto os discursos é o que acontece às margens do evento em Nova York, pois a Assembleia Geral é também uma boa oportunidade para muitos líderes políticos se reunirem de forma informal, a exemplo do que fizeram Trump e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski.

Apesar de tudo isso, o líder do governo alemão, o chanceler federal Friedrich Merz, preferiu ficar em Berlim, e a Alemanha está sendo representada em Nova York pelo ministro do Exterior, Johann Wadephul.

A ausência de um chefe de governo alemão em Nova York não é uma novidade: no ano passado, o antecessor de Merz, Olaf Scholz, foi representado pela então ministra do Exterior, Annalena Baerbock, que, com o fim do governo, mudou-se para Nova York e este ano preside a Assembleia Geral da ONU.

Debate sobre o orçamento de 2026

O motivo alegado por Merz para não estar em Nova York é que ele precisa estar em Berlim esta semana, quando o Bundestag debate o orçamento para 2026. Merz abriu o debate orçamentário com um discurso, nesta quarta-feira.

Para poder estar em Nova York, Merz teria que pressionar para obter um horário de discurso antecipado já na terça-feira, pois, do contrário, haveria um conflito na sua agenda. Mas o protocolo da ONU prevê que chefes de Estado falem antes de chefes de governo, o que reduz muito as chances de ele falar no primeiro dia.

E, na quinta-feira, o Bundestag deve eleger os novos juízes do Tribunal Constitucional Federal. A eleição fracassou em julho porque a bancada conservadora, dos partidos CDU e CSU, apresentou reservas de última hora em relação a uma candidata proposta pelo SPD, parceiro dos conservadores na coalizão de governo. Um novo fracasso nessa eleição colocaria a coalizão de Merz em sério risco.

Assim a Alemanha é representada na ONU pelo ministro do Exterior, que voou brevemente de Nova York a Berlim para explicar as necessidades orçamentárias do ministério do Exterior na tarde de quarta-feira e depois embarca de volta aos EUA.

Wadephul, na condição de ministro, só falará no debate geral da Assembleia Geral no sábado, mesmo dia em que deverá falar o ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov.

Críticas da oposição

A opção de Merz pelo debate orçamentário em Berlim em detrimento da Assembleia Geral da ONU em Nova York foi alvo de críticas. “O senhor deveria estar em Nova York”, disse a líder da bancada do Partido Verde, Britta Hasselmann, apontando para os atuais desafios internacionais, como a paz no Oriente Médio ou o apoio à Ucrânia.

A vice-líder da bancada verde, Agnieszka Brugger, acrescentou: “O presidente dos EUA, o premiê chinês, chefes de Estado e de governo de todo o mundo: todos eles viajaram para a ONU, não por causa do protocolo, mas porque o mundo está em convulsão. E o chanceler Merz? Faltou.”

Brugger disse que Merz parece estar preocupado demais com a estabilidade da sua coalizão de governo. “Nosso país não pode se dar esse luxo em tempos tão difíceis. A segurança e a prosperidade da Alemanha também estão em jogo”, afirmou.

A ausência de Merz também pode custar caro para a Alemanha quando ocorrer a votação para um assento não permanente no Conselho de Segurança da ONU, no ano que vem, acrescentou.

Cada vez mais isolado

No início de seu mandato, Merz gostava de se apresentar como um chanceler que, em meio às diversas crises mundiais, se dedica mais à política externa. A sua resposta às críticas da oposição mostra que ele anda desconfortável com essa imagem.

“Não podemos mais falar de política interna e política externa como se fossem duas esferas nitidamente separadas”, disse recentemente, acrescentando que essa retórica “atende a uma necessidade isolacionista.”

Ele certamente quer evitar a impressão de que a diplomacia internacional é mais importante para ele do que a recuperação econômica ou as reformas sociais na Alemanha, o que deve ser a razão mais provável para optar por Berlim e não por Nova York.

E essa decisão tem o conveniente efeito colateral de o chanceler federal alemão não se ver obrigado a justificar a política da Alemanha em relação a Israel para os países aliados. O reconhecimento do Estado palestino por uma série de países, incluindo o Reino Unido e a França, mostrou que a Alemanha está cada vez mais isolada na sua política para o Oriente Médio.