06/08/2025 - 17:16
Há mais de seis anos, ministro brasileiro vem liderando a atuação do Supremo sobre extremistas de direita. Entenda de onde veio esse poder e quais são as críticas.Antes de entrar na mira do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que o puniu com a Lei Magnitsky, e do homem mais rico do mundo, Elon Musk, que pediu seu impeachment, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já era visto há anos como adversário preferencial por Jair Bolsonaro, que diversas vezes usou palanques para fustigar o magistrado.
A animosidade deriva do fato de Moraes conduzir inquéritos e ações penais no STF que já deram e podem continuar a dar muita dor de cabeça ao ex-presidente e a seus apoiadores – como a recente decisão que o obrigou a usar uma tornozeleira eletrônica e, depois, a decretação de sua prisão domiciliar.
Moraes também foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições de 2022, e como tal era o maior responsável por organizar o pleito e avaliar a conduta dos candidatos – o que, no caso de Bolsonaro, envolvia repetir mentiras sobre as urnas eletrônicas e sugerir que havia fraudes no processo eleitoral.
Essa ampla atuação de Moraes nos casos envolvendo Bolsonaro não ocorre sem críticas de partes da classe política e jurídica brasileira, mas até agora tem sido formalmente respaldada pelo STF. Entenda por que o ministro concentra tantas decisões contra o ex-presidente e as controvérsias a respeito.
Mais de seis anos de olho em bolsonaristas
A trajetória de Moraes como figura-chave no Judiciário brasileiro envolvida no combate ao extremismo de direita e a ataques a instituições democráticas começa em março de 2019, ainda no começo do governo Bolsonaro.
Naquela época, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, instaurou ele mesmo um inquérito para investigar notícias falsas e ameaças contra ministros da corte, e designou Moraes como relator.
Esse inquérito tinha duas particularidades que o distanciavam do procedimento normal no direito brasileiro. Em regra, cabe ao Ministério Público instaurar um inquérito, e não ao Judiciário. Além disso, o relator costuma ser definido por sorteio.
Na época, Toffoli justificou sua decisão com base em uma norma do regimento interno do Supremo que autoriza a abertura de inquéritos quando há infração à lei penal nas dependências do tribunal, cuja interpretação abrangeu possíveis infrações contra seus ministros.
Moraes começou então a determinar operações de busca e apreensão e a receber provas e laudos policiais sobre bolsonaristas que promoviam e financiavam a distribuição de notícias falsas contra ministros do STF. Isso colocou Moraes, já no início do governo Bolsonaro, em uma posição privilegiada para compreender e combater essas redes.
Houve muito debate no meio jurídico sobre esse inquérito, que ficou conhecido como inquérito das fake news. Ele foi questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), até que o plenário do Supremo confirmou em 2020, por 10 votos a 1, a sua legalidade.
Por que Moraes é relator de tantos inquéritos?
A partir desse primeiro inquérito, surgiram diversos outros inquéritos no âmbito do STF para investigar os atos antidemocráticos de 2020, a atuação coordenada de milícias digitais e a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em janeiro de 2023.
Todos eles foram assumidos por Moraes devido à regra da prevenção, que estabelece que novos inquéritos que possuam conexão com inquéritos anteriores devem ter a relatoria assumida pelo mesmo magistrado. O objetivo é garantir coerência nas decisões judiciais sobre temas conexos.
Os atos antidemocráticos de 2020 ocorreram durante a pandemia de covid-19, quando bolsonaristas insatisfeitos com as medidas de isolamento social impostas por governadores e prefeitos, respaldadas pelo STF, foram às ruas em diversas cidades do país. Muitos pediram o fechamento do Congresso e do STF e uma intervenção militar, e Bolsonaro discursou em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
Dois meses depois, foi aberto o inquérito dos atos antidemocráticos, a pedido da PGR, para investigar a organização e o financiamento dessas mobilizações. Esse inquérito foi encerrado em julho de 2021, mas no mesmo dia Moraes abriu um novo, o inquérito das milícias digitais, baseado em investigações da Polícia Federal sobre a atuação coordenada de bolsonaristas para atacar instituições democráticas.
O inquérito das milícias digitais investigava originalmente os núcleos para produção, publicação, financiamento e uso político de desinformação para atentar contra a democracia. Prorrogado diversas vezes, ele segue aberto até hoje, sob a relatoria de Moraes, e foi apelidado por críticos como “inquérito do fim do mundo”, devido à sua extensão.
Ele já abarcou investigações variadas, inclusive sobre a falsificação de cartões de vacina da covid-19, a venda de joias presenteadas por autoridades estrangeiras e a recusa do dono do X, Elon Musk, em cumprir ordens judiciais brasileiras para remoção de conteúdo e perfis.
Em janeiro de 2023, foram abertos três novos inquéritos para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro, com o intuito de apurar as condutas de financiadores, autores intelectuais e executores da invasão e depredação dos prédios públicos em Brasília, que também ficaram sob a relatoria de Moraes devido à regra da prevenção.
A mesma regra foi utilizada pelo STF para encaminhar outros inquéritos correlatos também para a relatoria de Moraes, como um aberto em maio a pedido da PGR que investiga o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em razão de sua atuação junto ao governo dos Estados Unidos nos últimos meses para pressionar o Brasil a suspender o processo contra seu pai. A investigação apura “tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado”, o que poderia caracterizar crime de atentado à soberania nacional.
O que faz um relator?
O relator de um inquérito ou de uma ação penal atua como se fosse um gerente daquele processo e pode tomar decisões urgentes (como liminares) e determinar diligências (como buscas e apreensões).
Idealmente, após tomar uma decisão monocrática importante, o relator em seguida a submete ao colegiado para avaliação. No caso de Moraes, ele integra a Primeira Turma do STF, composta também por Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino.
Foi o que fez Moraes após determinar a Bolsonaro que usasse uma tornozeleira eletrônica e ordenar medidas cautelares como o recolhimento domiciliar no período da noite, a proibição de contato com embaixadores e autoridades estrangeiras e a proibição de acesso a redes sociais.
A decisão monocrática de Moraes foi confirmada quatro dias depois pela Primeira Turma do STF, por quatro votos a um – Luiz Fux foi o último a votar e o único a divergir.
Moraes ainda não revelou se pretende submeter sua decisão que decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro à Primeira Turma. Em tese, como ela é um desdobramento de uma decisão cautelar anterior já avaliada pelo colegiado, não seria necessário submetê-la.
Cabe exclusivamente ao colegiado, no entanto, dar o veredito final sobre o processo, o que, no caso de Bolsonaro, pode ocorrer nos próximos meses.
Quais são as críticas?
O acúmulo de tanto poder nas mãos de Moraes desperta críticas variadas. Em abril deste ano, um editorial da revista britânica The Economist, por exemplo, afirmou que o “entusiasmo” com que Moraes exercia seu cargo era “alarmante”, e que o ministro “às vezes se excede gravemente” – apesar de reconhecer que “alguns de seus alvos agiram claramente fora da lei”.
Dentro da própria Primeira Turma, Moraes costuma enfrentar a oposição do ministro Luiz Fux. Ele defendeu que os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 deveriam ter sido julgados pela primeira instância, considerou algumas das penas a bolsonaristas excessivas e disse que as medidas cautelares contra Bolsonaro restringiam de forma desproporcional direitos fundamentais, como a liberdade de expressão.
Em 2024, o Partido Progressista (PP) chegou a mover duas ações no STF questionando o fato de Moraes ter assumido por conexão as investigações sobre a venda de joias e a falsificação de cartões de vacina. Ambas acabaram rejeitadas pela corte.
O argumento do partido era que esses casos deveriam ter sido distribuídos à primeira instância e sorteados aleatoriamente para um juiz responsável. “Cidadãos estão sendo submetidos à infundada e ilegítima investigação travestida de ‘Petição’ violadora de inúmeros princípios constitucionais e indevidamente conduzida por órgão incompetente e por relator/julgador desprovido de imparcialidade, o que lhes ocasiona diuturnamente prejuízos irreparáveis”, dizia a ação.
Moraes também também já foi alvo de cerca de 30 pedidos de impeachment. No final de julho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) propôs um deles após a ordem do ministro que impôs medidas cautelares contra o ex-presidente e pai dele.
Esse pedido de impeachment afirma que Moraes age “com nítida carga político-partidária, que avança sobre o mérito da acusação sem o devido processo legal, atribui caráter criminoso a manifestações políticas e diplomáticas legítimas e impõe medidas cautelares gravíssimas em evidente contexto de perseguição ideológica”.
Cabe ao do Senado processar e julgar pedidos de impeachment de ministros do STF. O início de um processo do tipo depende de uma decisão do presidente da Casa, atualmente Davi Alcolumbre (União-AP).