Até para tomar um copo de água é preciso ter confiança. Quanto mais para comprar produtos, apoiar governos ou desenvolver parcerias e negócios. O escândalo de adulteração dos níveis de emissões dos motores à diesel dos carros da Volkswagen é um grave abalo no delicado equilíbrio das relações do mundo corporativo com a sociedade e pode ter reflexos que vão além da queda de reputação da indústria automotiva.

Tudo começou com o recall de 482 mil carros da Volkswagen nos Estados Unidos na sexta-feira 18 de setembro. Foi descoberto que esses veículos possuíam um software que adulterava o controle e emissões e possibilitava que eles gerassem até 40 vezes mais poluentes do que o permitido.

Já na terça 22, a montadora admitia que o programa fraudulento poderia estar presente em até 11 milhões de carros ao redor do mundo. Sim, os números e a irresponsabilidade dos executivos da Volkswagen são estarrecedores!

Nos dias seguintes, o escândalo derrubou as ações, não apenas da companhia, mas de outras marcas, e deu início à proibições de vendas em países, pedidos de investigações na União Europeia e um ainda incalculável volume de multas e indenizações.

A avalanche está em curso e não se sabe se irá levar de roldão apenas a marca Volkswagen. Um efeito é certo: o choque na credibilidade do mundo empresarial é inevitável.

Se não, vejamos: trata-se de uma empresa alemã, que tem entre seus atributos a qualidade e a precisão, que está baseada em um país de alta consciência ambiental, mas que foi capaz de criar um mecanismo para adulterar resultados em um dos mais importantes mercados de carros do mundo, os Estados Unidos.

Generalizações são sempre injustas, mas se esse crime ocorreu com a alemã Volkswagen nos Estados Unidos, como confiar nas demais onde quer que estejam?

Pronto, está instalada uma crise de confiança nas empresas. Mais uma, diga-se. É de se lamentar, pois pesquisas recentes revelavam uma recuperação dos níveis de confiança nas empresas em diferentes mercados do mundo.

A consultoria internacional GlobeScan, especializada em entender as conexões entre reputação, marca e sustentabilidade, possui um radar que monitora constantemente o nível de confiança das instituições.

Os dados mais recentes, já do terceiro trimestre de 2015, davam conta de recuperação da reputação das empresas nos Estados Unidos, crescimento no Reino Unido e manutenção em níveis altos na Alemanha. No Brasil, já mergulhado em uma crise de confiança, os índices iam na contramão e eram os piores deste século.

O acompanhamento da GlobeScan também analisa separadamente empresas globais e nacionais . O curioso é que nesses três mercados desenvolvidos (EUA, Reino Unido e Alemanha) a confiança nas empresas locais é maior do que nas globais. Um nacionalismo que é quebrado em raros momentos. Como tem acontecido atualmente no Brasil, onde a confiança nas empresas globais é superior, ao que tudo indica motivado pelo escândalo da Petrobras.

Se olharmos o exemplo brasileiro, o nível de confiança em geral tem sido declinante desde 2010, mas se acentuou entre 2014 e 2015, período de maior exposição pública das empresas nas investigações da Operação Lava Jato. A fé nas companhias nacionais caiu de 53 pontos para 34 de um ano para outro, e nas globais de 50 para 37.

Vale lembrar que o nível de confiança nas empresas no Brasil sempre foi alto em comparação com outros países. E explica-se pela sua maior influência no bem-estar das pessoas, muito em função da própria fragilidade do Estado. Nesse contexto, é comum grandes empresas serem percebidas como provedoras de saúde e educação para seus empregados e comunidades de entorno.

Por aqui, as relações sempre foram mais frágeis com especialistas e organizações da sociedade civil, especialmente se os temas envolviam meio ambiente, direitos humanos ou direitos do consumidor. Nesses pontos críticos para a reputação, a abordagem de responsabilidade social corporativa parecia ter gerado um senso comum de necessidade de diálogo e entendimento para além do compliance (o cumprimento das leis).

Chris Coulter, CEO da GlobeScan, em sua recente passagem pelo Brasil em agosto, defendeu que a confiança é um conceito complexo no mundo atual. Portanto, é preciso evoluir de uma abordagem transacional, baseada no compliance, para uma mais encorpada, fundada num grande encontro de interesses da rede de stakeholders de uma organização.

O mais chocante é que, tanto no caso Petrobras, como no Volkswagen, nos defrontamos com crises que partem do mais básico e descarado desrespeito às leis. Dessa forma, como criar vínculos de confiança?

E pior: com tamanha regressão de expectativa, como não desconfiar?