17/05/2023 - 5:44
Em votação relâmpago, Tribunal Superior Eleitoral entende que ex-procurador da Lava Jato deixou cargo para evitar punições em processos administrativos. Ainda cabe recurso da decisão no STF.O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu por unanimidade nesta terça-feira (16/05) pela cassação do registro de candidatura do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-procurador da República que ganhou notoriedade por sua atuação na operação Lava Jato.
Antes de entrar para a política, Dallagnol coordenou a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público do Paraná.
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Ele pediu exoneração do cargo enquanto ainda respondia a 15 processos disciplinares internos, que poderiam resultar em aposentadoria compulsória ou demissão.
Os ministros do TSE entenderam que, ao pedir a exoneração e logo em seguida concorrer ao cargo de deputado federal, Dallagnol cometeu irregularidades. A Lei da Ficha Limpa e a da Inelegibilidade não permitem que um indivíduo que deixou o Judiciário ou o Ministério Público para escapar de uma punição possa se candidatar a um cargo eletivo.
Dallagnol se elegeu pelo Paraná nas eleições de outubro do ano passado com 344 mil votos, sendo o deputado federal mais votado do estado. Ele pediu a exoneração em novembro de 2021 com planos de disputar as eleições.
O ex-procurador foi condenado com base da Lei da Ficha Limpa. A votação para cassar o mandato de Dallagnol durou um minuto e seis segundos. Ela ocorreu após análise de duas ações que durou cerca de 1h30.
A denúncia e o parecer do relator
Os ministros do TSE analisaram recursos apresentados pela federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) e pelo PMN, que questionavam a regularidade do registro da candidatura, que é um pré-requisito para qualquer candidato disputar as eleições.
Os partidos alegam que Dallagnol deveria ter o mandato cassado porque teria pedido exoneração do Ministério Público Federal (MPF) enquanto havia 15 procedimentos administrativos pendentes no Conselho Nacional do órgão. Essas ações poderiam levar a punições como demissão ou aposentadoria compulsória.
O recurso alega que Dallagnol também teria se afastado do cargo em razão de uma condenação do Tribunal de Contas da União (TCU) por gastos com diárias e passagens de outros procuradores da Lava Jato. Os autores da ação argumentaram ainda que esse afastamento tinha também como objetivo burlar a Lei de Inelegibilidade e a Lei da Ficha Limpa.
Em 19 de outubro, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) analisou o caso e decidiu a favor do registro de candidatura. Mais tarde, o caso foi parar no TSE, que decidiu pela cassação.
O relator da ação no TSE, o ministro Benedito Gonçalves, defendeu a cassação de Dallagnol e entendeu que o acusado deixou o cargo para “burlar” a inelegibilidade. “Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP em seu desfavor viessem a ensejar aposentadoria compulsória ou perda do cargo”, destacou.
O ministro afirmou ainda que o ex-procurador “antecipou sua exoneração em fraude à lei. Ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de PADs [processo administrativo disciplinar] ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão”.
O voto do relator foi seguido pelos outros seis ministros do TSE. O tribunal preservou ainda a contagem dos votos de Dallagnol na eleição em favor do Podemos.
Dallagnol “indignado”
O ex-procurador afirmou em nota que está indignado com a decisão do TSE, que ele atribui a uma “vingança” contra o combate à corrupção. “344.917 mil vozes paranaenses e de milhões de brasileiros foram caladas nesta noite com uma única canetada, ao arrepio da lei e da Justiça”, disse.
“Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro”, alegou o deputado cassado.
Seu partido, o Podemos, assegurou que não “poupará esforços” para atuar na defesa do deputado. “O Brasil e o parlamento nacional perdem com a decisão que o TSE tomou”, afirmou a legenda, em nota. “O Podemos se solidariza com o parlamentar e não poupará esforços na avaliação de medidas que ainda podem ser tomadas pela defesa de Dallagnol”, concluiu.
O que acontece agora?
O TRE do Paraná deverá executar imediatamente a decisão do TSE. Dallagnol, porém, ainda pode recorrer da cassação no Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão do TSE não torna o ex-procurador inelegível, uma vez que a perda do mandato se deu pelo fato de o registro não ter sido autorizado. Isso significa que ele poderá concorrer nas próximas eleições.
Após a decisão do TSE, os votos que Dallagnol recebeu na eleição vão para o partido. Ainda não foi confirmado quem deve assumir a cadeira do ex-procurador na Câmara dos Deputados.
Fama com a Lava Jato
Dallagnol ficou conhecido após a coordenar a Operação Lava Jato, da qual ele foi um dos principais rostos e protagonizou momentos marcantes no caso. Ele foi designado pelo Ministério Público Federal do Paraná para coordenar a operação em 2014. Desde o início dos trabalhos, ele buscou a atenção da imprensa e organizava coletivas para divulgar os passos da Lava Jato.
Em setembro de 2016, Dallagnol organizou a coletiva célebre da operação, na qual ele apresentou uma denúncia criminal contra o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para tentar explicar as acusações, ele mostrou um gráfico em Power Point, que virou meme nas redes sociais. O gráfico possuía balões com situações que indicariam a ligação de Lula com os crimes denunciados.
A atuação de Dallagnol na operação, porém, começou a ser questionada em 2019, quando o site The Intercept Brasil revelou diálogos que levantaram suspeitas de conluio entre o ex-juiz Sergio Moro – eleito senador pelo Paraná nas eleições de outubro – e as principais figuras da força-tarefa da Lava Jato no MPF, incluindo Dallagnol, na condução de inquéritos e ações penais contra réus.
As mensagens, que foram obtidas ilegalmente por um hacker, indicaram que o então juiz, entre outras coisas, orientou ilegalmente ações da Lava Jato, como negociações de delações, cobrou novas operações e até pediu para que os procuradores incluíssem uma prova num processo. Outras mensagens indicaram que Dallagnol também tentou aproveitar a exposição pública proporcionada pela Lava Jato para lucrar com sua fama no mercado de palestras.
Em meio ao contexto do escândalo da “Vaza Jato”, foi a vez de o STF anular pela primeira vez uma sentença de Moro, com base num novo entendimento sobre a ordem de entrega de alegações finais de réus delatores e delatados numa mesma ação penal.
Em novembro do mesmo ano, veio o golpe mais duro: por seis votos a cinco, o Supremo decidiu derrubar a decisão que permitia o cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Pelo novo entendimento, um condenado só passará a cumprir pena após trânsito em julgado, ou seja, quando a possibilidade de recurso for esgotada.
Também em 2019, Dallagnol foi criticado por tentar criar com outros procuradores uma fundação bilionária com dinheiro de multas da Petrobras. Pelo plano, essa fundação ficaria responsável pela gestão de R$ 1,25 bilhão. A iniciativa gerou críticas tanto no mundo político quanto dentro do Ministério Público. Ao final, acabou sendo barrada em março pelo Supremo a pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que ainda censurou publicamente os procuradores.
Dallagnol deixou a força-tarefa em setembro de 2020, alegando questões familiares.
rc/cn (ots)