20/03/2025 - 8:56
Mudanças climáticas, guerras, desemprego, inflação e solidão crescente: no Dia Internacional da Felicidade, a DW perguntou a jovens se eles ainda conseguem ser felizes apesar dos problemas.Joana Meurkens não teve um começo de ano fácil. O proprietário do apartamento onde ela mora no Brooklyn aumentou o valor do aluguel, forçando a atriz e cantora de 26 anos de Nova York a se mudar e viver temporariamente entre a casa do namorado e a casa dos pais.
“Aluguel e mantimentos estão muito caros; os ovos custam agora 1 dólar cada; até o metrô está mais caro. Então pensei, é melhor me mudar e economizar dinheiro”, conta.
O aumento dos preços é apenas uma das razões pelas quais jovens americanos como Joana estão cada vez mais insatisfeitos — junto de guerras, polarização política, solidão e desemprego.
De acordo com o World Hapiness Report (Relatório Mundial da Felicidade) deste ano, a fase inicial da vida adulta — antes considerada uma das mais felizes da vida — teve uma “virada preocupante”. Os jovens da Europa Ocidental e da América do Norte agora relatam “a menor sensação de bem-estar entre todas as faixas etárias”, afirma o relatório.
Lançado anualmente em 20 de março para marcar o Dia Internacional da Felicidade das Nações Unidas, o Relatório Mundial da Felicidade é uma pesquisa mundial que classifica os países de acordo com o quão feliz sua população se diz.
O Brasil subiu oito posições no ranking, passando da 44ª em 2024 para a 36ª em 2025. Entre os países da América do Sul, apenas o Uruguai ficou à frente, na 28ª posição.
Na 24ª posição, os Estados Unidos caíram para sua pior colocação de todos os tempos. Com a Alemanha (22ª) e o Reino Unido (23ª) também fora do top 20, não há mais nações industrializadas entre os melhores colocados.
“Mas se olharmos apenas para os jovens, os Estados Unidos nem chegariam ao top 60”, disse à DW Jan-Emmanuel De Neve, pesquisador do Centro de Pesquisa de Bem-Estar da Universidade de Oxford que participou da elaboração do relatório.
Manifestações como uma nova forma de socialização
Tais resultados não são nenhuma surpresa para Joana. Nos últimos dois anos, conta, a vida não só ficou significativamente mais cara, como ela e seus colegas também estão tendo dificuldades no mercado de trabalho. O desemprego aumentou entre os jovens, e as convulsões políticas só trazem ainda mais desilusão.
Em Nova York, onde Joana mora, os jovens substituíram as festas pelos protestos, conta. “É o que sinto que as pessoas da minha idade estão fazendo hoje em dia. Há muitas manifestações o tempo todo, então sempre tem gente se reunindo, o que acho positivo, pois há um forte senso de comunidade.”
Comunidade: a chave para a felicidade
De Neve observou que os jovens americanos, em particular, estão mais infelizes do que antes devido à crescente solidão. Ele enfatiza que modos de vida comunitários, como compartilhar refeições e viver em famílias com pelo menos quatro pessoas, têm um impacto positivo no bem-estar.
“Os jovens de hoje têm duas vezes mais probabilidade de jantar sozinhos em comparação a duas décadas atrás. Os hábitos parecem ter mudado: quando olho para meus alunos, eles comem sozinhos, com o celular na mão. Mas nossos dados mostram claramente que as pessoas que compartilham refeições são mais felizes”, diz De Neve.
Os dados também apontam que o declínio nas conexões sociais também leva à polarização política e a mudanças no comportamento eleitoral. “Descobrimos que pessoas infelizes têm mais probabilidade de votar em partidos antissistema”, revela.
Juventude em “modo de crise”
A juventude de Joana foi marcada por convulsões políticas: “Eu estava no último ano da escola quando Trump foi eleito pela primeira vez”, conta. “Então veio a pandemia e todo mundo teve que estudar de forma remota. E no meu aniversário de 21 anos não podíamos nem ir a um bar; fazíamos as festas no Zoom.”
Em uma escala de um a dez, com dez representando o maior nível possível de satisfação, Joana diz que classificaria sua própria felicidade como seis — consistente com a média de seu país. Ela diz que sua vida parece estar num constante “modo de crise”.
Para lidar com as crises, muitas pessoas da geração de Joana recorrem à medicação. De acordo com um estudo recente que examinou 221 milhões de prescrições para americanos de 12 a 25 anos, as prescrições de antidepressivos aumentaram em quase 64% durante a pandemia, de março de 2020 a dezembro de 2022.
“Sinto que todo mundo está tomando antidepressivos e medicamentos para ansiedade hoje em dia”, diz Joana.
Finlandeses são os mais felizes – pela 8ª vez consecutiva
A quase 7 mil quilômetros de distância de Nova York, a recepcionista corporativa finlandesa Lisa* (nome fictício), de 33 anos, também compartilhou com a DW sua opinião sobre os resultados do Relatório Mundial da Felicidade de 2025: “Pessoalmente, sempre fico um pouco surpresa quando ouço que a Finlândia está em primeiro lugar em felicidade, porque aqui é muito escuro no inverno e as coisas são caras”, diz ela.
Lisa mora em Helsinque e dá nota 7 para sua vida, consistente com a média de seu país, que é 7,7. “Por causa do tempo de deslocamento, tiro mais um ponto. Levo 45 minutos para trabalhar todos os dias”, justifica. “Em Helsinque, isso é bastante.”
Nos últimos anos, a guerra da Rússia contra a Ucrânia tem sido uma ameaça central à segurança da Finlândia. Embora essa seja uma preocupação adicional para a geração mais jovem, o assunto é meio que um tabu no país, diz Lisa, já que discutir a possibilidade de guerra parece muito assustadora. A jovem espera que as instituições da Finlândia consigam manter a paz.
Rede de segurança social
O tamanho médio de um lar na Finlândia é inferior a duas pessoas por residência. Lisa, que mora sozinha, é um reflexo das estatísticas. Ela conta que geralmente come desacompanhada, pois, depois de um longo dia de trabalho, nem sempre tem energia ou tempo para compartilhar as refeições com outras pessoas.
Enquanto isso, na América Latina e no Caribe, o tamanho médio das famílias varia entre três e cinco pessoas. Consequentemente, é também a região onde as pessoas compartilham mais refeições. No entanto, a região tem apenas dois representantes entre as top 20 do ranking mundial de felicidade: Costa Rica e México.
Apesar de ser uma sociedade bastante individualista, a população da Finlândia compartilha um nível mais alto de satisfação. Como isso é consistente com os dados de pesquisadores de bem-estar sobre a importância da conexão social?
“Felicidade não é apenas compartilhar refeições ou viver juntos, é uma combinação de fatores”, explica De Neve. “Se você comparar os países escandinavos com os Estados Unidos, eles são igualmente ricos, mas os escandinavos redistribuem muito mais sua riqueza “, acrescenta.
De acordo com o relatório, os escandinavos também têm mais confiança social do que as pessoas nos EUA. “As pessoas confiam, por exemplo, que carteiras perdidas serão devolvidas”, explica De Neve. E enquanto os escandinavos podem confiar em seu Estado de bem-estar social, os americanos muitas vezes vivem uma vida marcada pela ansiedade.
“O seguro de saúde nos EUA é tipicamente vinculado ao trabalho. Quem perde o emprego, portanto, também perde o seguro de saúde. E é assim que as pessoas acabam em situações difíceis”, explica De Neve.
A felicidade no centro da política
Mas a felicidade não é apenas uma preocupação pessoal, diz De Neve. Os dados mostram que a felicidade tem efeitos diretos na política e na economia, com a infelicidade levando à polarização política, redução da produtividade e, por fim, sendo uma ameaça à democracia.
“A solução é colocar a felicidade no centro da formulação de políticas públicas e aprender com países que estão indo bem, como Dinamarca, Finlândia, Costa Rica, Eslovênia, Lituânia ou México”, diz De Neve.
“Acho que as lições são bem claras”, acrescenta. “O bem-estar das sociedades é baseado no crescimento sustentável que respeita o planeta, bem como na redistribuição significativa da riqueza.”