Um Hulk, o super-herói da Marvel, de 20 centímetros enfeita uma mesa, no 11º andar de um edifício comercial do bairro paulistano do Itaim Bibi. “Ele é a pessoa mais calma daqui”, afirma seriamente um rapaz, referindo-se ao boneco. Ao redor, as pessoas acompanham o movimento de ações e fundos; monitores piscam notícias em tempo real; planilhas de Excell estão abertas. Todas em silêncio. Se fosse em outro lugar, você pensaria que a tensão do mercado de capitais as está consumindo, mas não se engane: estamos na Empiricus, a famosa casa de análises independente do País – e reconhecida por seus relatórios descontraídos e mordazes.

O silêncio é apenas uma tímida curiosidade com os “intrusos” daquele dia: um jornalista, um fotógrafo e sua assistente. Aos poucos, o gelo se quebra e os dois grandes grupos em que a sala se divide começam a trocar piadas. “Aquela é a mesa dos adultos”, diz um dos presentes, referindo-se ao local em que parte dos sócios da Empiricus passa o dia. É nesse clima que são produzidas as análises mais originais do mercado brasileiro de capitais. Não se trata apenas de fazer graça com empresas, projeções econômicas e o que mais entrar no radar. A venda desses textos deve render à Empiricus, nesse ano, uma receita de R$ 10 milhões – cinco vezes o que faturou no ano passado.

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Atualmente, 120 mil pessoas estão cadastradas para receber gratuitamente sua newsletter diária, o Mercado em 5 Minutos, uma espécie de resumo dos principais eventos econômicos e corporativos. “Essa base cresce a um ritmo de 25 mil pessoas por mês”, afirma Caio Mesquita, sócio-fundador da Empiricus. Essa base gratuita é a estratégia para que os interessados degustem os produtos da casa, com o objetivo de transformá-los em clientes pagantes. Há relatórios de ações para principiantes, carteiras para quem quer ficar milionário, investimentos para quem deseja se aposentar bem. A assinatura dos produtos parte de R$ 9,90 por mês, até R$ 600.

Pirâmide

Cerca de 10 mil pessoas já compraram, pelo menos, um relatório da empresa, e há 5 mil assinantes de periódicos da casa. “Nossa estratégia é essa: transformar a base da pirâmide em compradores; e os compradores em assinantes”, diz Mesquita, rabiscando um triângulo no papel. O crescimento foi acelerado no ano passado, quando metade da empresa foi vendida à americana Agora Inc, que também atua no mercado de análises independentes e faturou, em 2013, US$ 400 milhões e conta com 1,4 milhão de assinantes nos 12 países em que está presente.

O valor da transação não foi divulgado, mas a sociedade rendeu à Empiricus R$ 2 milhões para investir nos próximos dois anos. “Não há segredo, vamos fazer mais do mesmo para crescer”, afirma Mesquita. E isso significa respeitar alguns princípios que acompanham a Empiricus desde que nasceu, em 2009, com apenas 65 pessoas físicas como clientes. O primeiro é o que Mesquita chama de “humildade”: reconhecer que é impossível fazer previsões precisas sobre o mercado. “Prever, hoje, onde o Ibovespa estará no ano que vem nos cheira a charlatanismo”, diz, sem cerimônia. “Não é muito diferente do que os videntes fazem no Fantástico”.

O segundo princípio é nunca perder de vista que, apesar da imprevisibilidade, o que a Empiricus vende para os clientes é opinião. “A gente põe o nosso na reta sim”, afirma o sócio. Não espere encontrar, em um texto da empresa, o preço-alvo de um papel, ou a estimativa de alta do Ibovespa. Mas há recomendações explícitas de compra ou venda de ações, cotas de fundos imobiliários e outros tipos de investimento. “Somos a Empiricus, pô; é contra o nosso nome ficar apenas na teoria”, afirma, com o “pô” e tudo, Mesquita. “No fim, o que os clientes querem é nossa avaliação”.

Brigas

Quando se é uma casa independente de análises, “por o seu na reta” significa comprar algumas brigas homéricas. A mais famosa envolveu o frigorífico Marfrig. A Empiricus apontou supostas inconsistências nos balanços da empresa, que revidou com um processo contra a casa. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) obrigou o Marfrig a rever alguns dados divulgados – ponto para a Empiricus. Já a Apimec, associação que reúne os profissionais do mercado de capitais, entendeu que o tom do relatório da Empiricus era agressivo, e multou dois dos autores, os também sócios Rodolfo Amstalden e Roberto Altenhofen. O terceiro autor, Marcos Elias, teve seu registro de analista suspenso por 12 meses e deixou a sociedade na Empiricus.

Segundo Mesquita, o caso não deixou cicatrizes na forma como a empresa trabalha. “Não nos censuramos; escrevemos o que pensamos”, diz. Exemplo? Listar cinco indicadores complicados da economia, como a inflação ao redor de 6% e o déficit público perto de 4% do PIB, para justificar o rebaixamento da nota de risco do Brasil pela Standard & Poor’s e cravar um “agora me diga, de onde vem a surpresa com a decisão da S&P?”

Outro exemplo? Aproveitar o 1º de abril para listar o que julgam ser as 20 maiores mentiras do mercado. Entre elas, o reajuste da gasolina em 2014, a promessa de Eike Batista de injetar US$ 1 bilhão na antiga OGX; o compromisso do governo com o centro da meta de inflação; e o baixo risco de racionamento de energia e água neste ano.

Em verso e prosa

O terceiro princípio, que tornou a empresa conhecida, é a descontração com que todos escrevem. Aí, a criatividade é o limite. Até paixões adolescentes pela mesma menina e rixas de escola vêm à tona. Um dos analistas, Felipe Miranda, certa vez narrou as disputas com um certo Daniel Torelli, na época do colegial. “Brigávamos rigorosamente todos os dias, usando o futebol como catálise… honestamente, nosso time era melhor”, lembra, sem deixar de alfinetar o rival. O outro motivo era a disputa pelo coração de “uma menina loira” de quem ele sequer lembra o nome. Por que esse revival em um relatório para os clientes? Porque, pelas voltas que o mundo dá, Renato Torelli, irmão de seu antigo desafeto, foi contratado pela Empiricus – e coube a Miranda apresentá-lo aos clientes. “Hoje, depois de ter gastado uma caixa de lenço, posso lhes assegurar: vocês merecem ler/ouvir o que este homem tem a dizer”, afirma Miranda.

Já houve relatório que começou com poema de Mário de Andrade (“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”). Texto que abriu com um sermão do Padre Antônio Vieira, para protestar contra o tratamento das empresas brasileiras aos minoritários. Dizer que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, começou certa semana “relaxadão”. Afirmar o óbvio: que muitos financistas “comem mortadela para arrotar peru”. Reconhecer que o próprio autor do relatório é bipolar. “Tentamos escrever da forma mais direta possível, usando o humor, porque ele auxilia na absorção da informação”, afirma Mesquita. “Desde que o homem é homem, ele conta histórias, e isso ajuda a entender nossa mensagem”.

Para quem passa o dia entre cifras e porcentagens, encontrar boas tiradas para contar uma história em um relatório não é a coisa mais trivial. Por isso, um dos pilares da Empiricus é a formação variada da equipe. Há físicos, economistas, jornalistas na equipe de 16 pessoas. “Em um research tradicional, você encontraria aqueles engenheirões”, diz Mesquita. Nada contra engenheiros, claro. É só que a empresa ainda não encontrou nenhum que mesclasse citações de Clarice Lispector a piadas e uma boa análise fundamentalista. “Para trabalhar aqui, não pode ser bitolado”, afirma.

Críticos

Os críticos costumam dizer que a Empiricus faz muita graça com coisas sérias. Alguns os comparam a humoristas. Mesquita não se abala. “Tem gente que não gosta do que a gente fala e aí, atacam o analista, e não a opinião em si”, afirma. Mas já houve momentos em que a credibilidade da casa foi posta à prova. Em um deles, os críticos não gostaram da ideia de que a Empiricus também tivesse uma gestora de fundos. Para eles, haveria, no mínimo, um conflito de interesses.

Trata-se da antiga Galleas, rebatizada tempos depois de Empiricus Gestão, e hoje conhecida como Iguatemi Gestão. No final de 2011, a administração desse fundo foi passada para a Gradual. Segundo Mesquita, a Empiricus Gestão está praticamente parada. Não está aberta à captação de recursos, e o dinheiro aportado provém basicamente dos sócios da empresa – cerca de R$ 8 milhões. “É um negócio paralisado; não damos nenhuma ênfase a isso”, diz.

O foco, segundo ele, é conquistar o máximo de assinantes para os seus produtos. Nem as perspectivas negativas para a bolsa brasileira neste ano, onde cerca de 600 mil pessoas estão cadastradas, o desanimam. “Você pode não acreditar, mas os momentos mais negativos do mercado são os que mais nos ajudam”, afirma. O motivo é que é neles que as pessoas mais precisam de orientação. Dá ou não dá para manter o bom humor assim?