14/08/2025 - 5:30
Enquanto impõe tarifas pesadas a países como Índia e Brasil, presidente americano suaviza sua postura em relação a Pequim. Que vantagens a China tem que os outros não têm?Após meses sendo tratada pela Casa Branca como pária comercial, a China está agora no centro dos esforços do presidente dos EUA, Donald Trump, para fazer as pazes e evitar outra espiral tarifária.
Em abril, Trump rotulou a China como “a maior ameaça à América” e acusou o gigante asiático de “trair” a maior economia do mundo por décadas. O embate levou à aplicação de tarifas de 145% sobre produtos chineses.
Poucos meses depois, porém, o tom mudou. Trump estendeu a suspensão de uma trégua tarifária com a China, elogiou o presidente Xi Jinping como “um grande líder” e lançou a ideia de uma cúpula entre EUA e China no segundo semestre. Atualmente, a alíquota sobre produtos chineses está limitada a 30%, enquanto as penalidades mais pesadas se voltaram a países como Índia e Brasil, que agora enfrentam tarifas de 50%.
Trump tem diversos motivos para pegar mais leve com a China. Um deles seria evitar um aumento tarifário justo quando varejistas americanos querem estocar produtos chineses para a temporada de compras de fim de ano. Trump também estaria ganhando tempo para permitir negociações sobre um acordo comercial mais amplo, que poderia incluir tecnologia, energia e minerais de terras raras.
Como a China é o único país a confrontar firmemente a postura política agressiva de Washington, Antonio Fatas, professor de economia da escola de negócios Insead, acredita que a estratégia de Pequim pode ter deixado Trump em desvantagem.
“Desde o início, ficou claro que a China estava mais disposta do que os EUA a travar uma guerra comercial total”, disse Fatas à DW, o que traria “consequências econômicas com as quais o governo Trump não pode arcar”.
Terras raras: a arma secreta da China
O domínio da China no âmbito das terras raras – necessárias para produzir uma série de itens, desde veículos elétricos a sistemas de orientação de mísseis – é sem dúvida o trunfo de Pequim. Como as indústrias americanas dependem muito do fornecimento chinês, tais minerais se tornaram um fator decisivo no impasse comercial.
Após Trump anunciar tarifas estratosféricas em abril, a China, que controla cerca de 60% da produção global de terras raras e quase 90% do refino, impôs controles de exportação sobre sete minerais de terras raras e ímãs permanentes, atingindo duramente as indústrias americanas, incluindo as montadoras.
Washington também tem pressionado por restrições mais rígidas ao acesso da China a avançados chips de inteligência artificial (IA), enquanto pressiona Pequim a cortar as importações de petróleo russo por meio de ameaças de novas sanções – incluindo elevação de tarifas – se os volumes continuarem crescendo.
Mais abaixo na lista de prioridades, Trump tenta convencer a China a quadruplicar suas compras de soja dos EUA — um impulso para os agricultores americanos e o déficit comercial de 295,5 bilhões de dólares (cerca de R$ 1,6 trilhões) entre as duas potências mundiais no ano passado. A China é de longe a maior importadora mundial de soja, respondendo por mais de 60% da demanda global, destinada principalmente para ração animal e óleo de cozinha.
A China, por outro lado, busca uma redução duradoura nas tarifas americanas, especialmente em relação a tecnologia e manufatura. Pequim também quer salvaguardas para as empresas chinesas contra sanções americanas e garantias de acesso a chips americanos de ponta.
Ao mesmo tempo, o governo chinês tem desencorajado ativamente o uso do processador H20 da Nvidia, o mais avançado chip americano atualmente autorizado a ser exportado para a China. Analistas dizem que essa medida é uma demonstração pública de que o país está cada vez menos dependente dos EUA em alta tecnologia.
Holofotes agora voltados para questões internas e Ucrânia
Entre os motivos pelos quais Trump estaria facilitando para a China, a economista Alicia Garcia-Herrero, pesquisadora sênior do think tank Bruegel, sediado em Bruxelas, destacou os muitos desafios comerciais, domésticos e geopolíticos do presidente americano – como as aguardadas negociações de paz desta sexta-feira (15/08) com o presidente russo, Vladimir Putin, no Alasca.
“Trump já tem problemas demais para resolver […] e não tem escolha a não ser oferecer à China mais [tempo] do que a outros países”, disse ela à DW.
Agora que a trégua tarifária foi prorrogada até o início de novembro, os negociadores podem se concentrar nas questões mais controversas. A principal delas é evitar o retorno de tarifas de três dígitos – 145% sobre produtos chineses e 125% sobre exportações americanas. Ambos os lados concordam que tal medida seria economicamente prejudicial.
A tarifa média atual sobre itens da China, de 30%, permanece significativamente acima da maioria dos outros países. Já as exportações chinesas de cobre e aço para os EUA estão sujeitas a uma taxa de 50%.
Trump muda de atitude com Índia e Brasil
Enquanto a China desfruta de um tempo extra, a Índia passou rapidamente de parceira favorita no início do segundo mandato de Trump para vilã comercial. O país agora enfrenta uma tarifa punitiva de até 50% – 25% sobre produtos em geral e mais 25% sobre as compras de petróleo russo, prevista para entrar em vigor em 27 de agosto.
Fatas, do Insead, observou que “a Índia não tem o tamanho econômico da China, exportações cruciais para a indústria americana, nem o poder de causar danos à economia americana”, sugerindo a Nova Délhi trabalhar com aliados para demonstrar força coletiva e garantir uma tarifa mais vantajosa.
Embora Pequim pareça estar em vantagem nas negociações, Han Shen Lin, diretor-geral da empresa de consultoria estratégica The Asia Group, na China, alertou contra a complacência do lado chinês. Afinal, a inclinação de Trump para o caos dá margem a movimentos inesperados.
“Não podemos subestimar a capacidade dos EUA de tentar criar ainda mais impacto [nas negociações]”, disse Han à agência de notícias Reuters. “Suspeito que o tipo de influência que os EUA têm, como o maior mercado consumidor do mundo, será um fator que levará outros países a agir com cautela.”
Por sua vez, entraram em vigor na semana passada as novas tarifas de importação sobre produtos brasileiros, anunciadas em julho por Trump como forma de pressionar pela anulação do julgamento do seu aliado e ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
O Brasil, que no início da guerra tarifária global deflagrada por Trump havia sido poupado e mantido a alíquota base de 10%, agora vê diversos de seus produtos tarifados a 50%, uma das maiores aplicadas pelo governo americano.
A nova tarifa atinge produtos importantes da pauta de exportação brasileira, como café, carne bovina e açúcar. No entanto, o decreto da Casa Branca que regulamentou a medida deixou muitos produtos brasileiros de fora da alíquota de 50%, incluindo aeronaves civis, veículos, suco de laranja e petróleo.
Após fim da escalada, pressão econômica se intensifica
Apesar de suavizar o tom, Trump mantém a pressão sobre a China de outras maneiras. Exportadores chineses têm redirecionado mercadorias destinadas aos EUA por meio de países do sudeste asiático, especialmente Vietnã, Malásia e Tailândia. O objetivo é ocultar sua origem e evitar tarifas diretas dos EUA.
Em resposta, Trump impôs uma tarifa de transbordo de 40% a todos os países suspeitos de facilitar o redirecionamento chinês, que entrou em vigor na semana passada.
Com a expectativa de que as negociações entre EUA e China se estendam até o esgotamento do prazo, Garcia-Herrero, que também é economista-chefe para a região Ásia-Pacífico do banco de investimento francês Natixis, prevê um degelo comercial parcial que beneficiaria sobretudo empresas americanas, ao mesmo tempo em que afastaria aliados importantes.
“Provavelmente veremos avanços nos controles de exportação de chips de ponta dos EUA e de terras raras de Pequim”, disse Garcia-Herrero à DW. “A China provavelmente verá uma tarifa básica ligeiramente menor e as empresas americanas terão melhor acesso ao mercado chinês, em detrimento da União Europeia, Coreia do Sul e Japão.”