20/03/2025 - 17:47
Presidente americano já sugeriu que moeda americana mais fraca impulsonaria exportações e reduziria déficit comercial dos EUA. Especialistas, porém, veem pouco espaço para intervenção no câmbio.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , parece convencido de que a força recente do dólar está travando o avanço da indústria americana.
A visão dele é de que um enfraquecimento da moeda possa impulsionar as exportações, em um movimento para trazer mais empregos aos EUA e ajudar a reduzir o significativo déficit comercial.
O argumento reflete uma reclamação recorrente na Casa Branca de que cenário seria explorado por outros países para obter vantagens competitivas, inclusive o Brasil. Em artigo publicado no site da Fox Business em fevereiro, Peter Navarro, assessor de Trump para questões de comércio, acusou produtores de aço brasileiros de se aproveitarem do real mais fraco para “prejudicar siderúrgicas americanas”.
Mas enquanto o governo republicano implementa múltiplas tarifas a produtos importados e impõe instabilidade aos mercados de câmbio, especialistas questionam a posição de Trump.
De fato, as oscilações cambiais geram consequências para os fluxos de comércio, reconhece David Lubin, pesquisador sênior no think tank Chatham House, sediado em Londres.
“Quando o dólar está forte, as importações dos EUA aumentam porque os bens estrangeiros se tornam baratos em relação aos bens produzidos domesticamente”, diz. Ao mesmo tempo, as exportações dos EUA caem à medida que se tornam mais caras, ele acrescenta.
Quanto poder tem o presidente para influenciar o dólar?
No entanto, controlar a moeda é um processo complicado e, no geral, fora da alçada de qualquer presidente. O valor do dólar é determinado por um vasto mercado global de câmbio, não pelo governo americano, explica Lubin.
Anthony Abrahamian, estrategista no banco de investimento Rothschild & Co Wealth Management, argumenta que a resiliência da divisa americana na última década é reflexo de “taxas de crescimento econômico mais fortes” dos EUA em comparação com outras economias industrializadas.
Já o déficit comercial é resultado principalmente da “função de demanda relativa”, disse Abrahamian à DW. “O consumidor americano é o cliente número um do mundo — gastando mais livremente do que em qualquer outro lugar — e, portanto, é provável que os Estados Unidos importem mais do que exportam”, afirma.
Quanto poder tem o governo dos EUA para influenciar o dólar?
De qualquer forma, o governo americano dispõe de uma série de instrumentos para influenciar a tendência do dólar e da atividade econômica.
De maneira mais direta, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode cortar juros. A instituição é independente para definir a política monetária com base nos dois objetivos estabelecidos por lei – manter a estabilidade de preços e um quadro de pleno emprego.
Ainda assim, em contraste com os antecessores, Trump nunca deixou de expressar opiniões sobre o trabalho do banco central. “O Fed estaria muito melhor se cortasse os juros”, defendeu ontem, em publicação na rede social Truth Social, pouco depois de o Fed anunciar manutenção da taxa básica na faixa entre 4,25% e 4,50%.
Para além do Fed, o Departamento do Tesouro também poderia tentar interferir na direção do dólar a partir da compra de moedas estrangeiras pelo Fundo de Estabilização do Câmbio. Abrahamian, porém, entende que seria necessário adquirir “grandes quantidades, dado o tamanho dos mercados de câmbio atuais, onde o volume de negócios global diário é estimado em trilhões de dólares”.
Lubin especula que Trump também poderia enfraquecer o dólar tornando o país “menos atraente como destino de investimento”. Para ele, esta seria uma “perigosa faca de dois gumes e altamente imprevisível”, embora provavelmente já tenha acontecido nas últimas semanas.
“As frequentes reviravoltas de Trump em tarifas, por exemplo, dão a impressão de que o ambiente político nos EUA se tornou mais instável, e isso torna os EUA um pouco menos atraentes como destino de investimento”, disse Lubin.
Uma desaceleração econômica nos EUA poderia empurrar ainda mais para baixo a cotação do dólar.
Ferramentas financeiras
Outra opção para a Casa Branca seria convencer – ou forçar – outros países a venderem suas reservas de dólar em troca de moedas diferentes. Parece uma alternativa difícil, mas há precedente: o “Acordo de Plaza”, que leva o nome do hotel em Nova York onde o documento foi assinado em 1985.
O acordo reuniu EUA, Reino Unido, Japão e Alemanha Ocidental e França, que eram as cinco maiores economias do planeta na época.
Sob insistência dos americanos, os países concordaram em vender as reservas de maneira colaborativa e deliberada e, assim, enfraquecer o dólar frente a outras moedas importantes.
Um plano semelhante tem sido aventado com o nome de “Acordo de Mar-a-Lago”, em referência a uma das propriedades de Trump no estado da Flórida. A ideia surgiu em novembro e está sendo promovida por Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Trump.
A nova versão tem tom agressivo e puniria os não participantes com impostos, tarifas ou revogaria a proteção do “guarda-chuva de defesa” dos EUA.
Abrahamian vê grandes diferenças entre 1985 e hoje. O Acordo de Plaza tinha caráter mais voluntário, enquanto uma solução similar hoje seria “provavelmente recebida com resistência por formuladores de políticas e ministros das finanças”.
Lubin também considera “muito improvável” uma reedição do acordo, já que o principal país do outro lado da mesa seria a China. “Acho que a China ficaria muito relutante em ter uma moeda significativamente mais forte”, observa.
O que um dólar mais fraco significaria para os EUA?
Toda essa incerteza sobre o dólar ainda deixa interrogações e qualquer tentativa de manipulação estaria sujeita a consequências indesejadas.
Um dólar mais fraco teria efeitos indiretos como o encarecimento de commodities, que são negociadas na moeda americana nos mercados internacionais. O movimento amplia a atratividade desses produtos para investidores que negociam com outras divisas, o que fortalece a demanda e o preço. Para os consumidores americanos, o impacto seria sentido com a escalada da inflação e do desemprego, avalia Lubin.
Na visão de Abrahamian, a eventual desvalorização do dólar pode ser insuficiente para revigorar a competitividade da indústria americana, uma vez que os preços não são determinados apenas pelo câmbio, “mas por coisas como custos de produção, produtividade e qualidade”.
Seja como for, ainda não está claro se Washington tentará ativamente depreciar o dólar. “Não devemos sempre interpretar o Trump de maneira literal”, conclui.