Bilhões de euros estão sendo investidos em regiões outrora negligenciadas. Estruturas dependem de energia barata, vinda de fontes renováveis. No entanto, o país ainda não produz toda a eletricidade necessária.É uma daquelas visões de futuro que parecem boas demais para ser verdade: em Portugal serão construídos grandes data centers , criando milhares de empregos e trazendo riqueza para o país. E isso não apenas nos centros econômicos já existentes no litoral, mas também no interior, normalmente negligenciado. Lá, onde as pessoas até agora migraram para os centros urbanos, os prefeitos anunciam investimentos de milhões, até mesmo de bilhões.

Em Fundão, por exemplo, uma pequena cidade no centro de Portugal, perto da fronteira com a Espanha, o prefeito prometeu um data center no qual serão investidos impressionantes 4 bilhões de euros. Pouco menos de 100 quilômetros ao sul, em Abrantes, a promessa de investimento é ainda maior: estimada em 7 bilhões de euros.

Até 2030, no máximo, espera-se a criação de 450 empregos diretos e centenas de empregos indiretos. “Mais data centers estão em fase de planejamento”, afirma o prefeito de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos, destacando que seu município já conta com uma usina termelétrica a gás que pode fornecer eletricidade extra.

Grande consumo de energia é obstáculo

O maior desses projetos, chamado de “mãe de todos os data centers portugueses”, está sendo construído na cidade costeira de Sines, no sul do país. O projeto custará impressionantes 8,5 bilhões de euros, com conexão a um cabo submarino de fibra óptica proveniente dos EUA e uma “gigafábrica de inteligência artificial ” que custará outros 4 bilhões.

O primeiro dos seis edifícios planejados está concluído, mas o megaprojeto custou o emprego de um ministro e do primeiro-ministro António Costa . O Ministério Público de Portugal investiga o caso sob suspeita de corrupção.

Um obstáculo para os novos data centers, no entanto, é a energia. As empresas operadoras já registraram uma necessidade energética de 26,5 gigawatts para as instalações planejadas – mais do que os aproximadamente 23,4 gigawatts que Portugal consegue produzir atualmente.

E, claro, a eletricidade deve ser sustentável e barata. Não se trata de um problema muito significativo, segundo João Peças Lopes, especialista em eletricidade e redes elétricas da Universidade do Porto. “Portugal caracteriza-se pela abundância de energias renováveis. Temos muito sol, vento e também muitas centrais hidrelétricas.”

Além disso, os operadores dos data centers geralmente reportam uma procura de energia superior à necessária e para várias localizações, embora utilizem apenas uma. “Portanto, podemos reduzir estes valores pela metade, mas, mesmo assim, teremos um consumo de energia muito elevado.”

Muita eletricidade é necessária para as operações contínuas, refrigeração no verão e aquecimento no inverno. De acordo com Peças Lopes, Portugal só poderá produzir essa eletricidade aumentando o uso de energia solar e eólica.

“Essa energia eólica precisa ser gerada em instalações offshore; a capacidade onshore está praticamente esgotada.” E isso seria caro, pois apenas parques eólicos flutuantes podem ser construídos na costa de Portugal. Além disso, novas linhas de transmissão de alta tensão e instalações para armazenar o excedente de energia são imprescindíveis.

“Existem duas maneiras de armazenar a energia solar produzida durante o dia para uso à noite”, explica. “Baterias enormes ou usinas hidrelétricas que operam nos dois sentidos.” Nessas usinas, o excedente de eletricidade durante o dia é usado para bombear água de um reservatório no vale para outro em altitude mais elevada.

À noite, a água retorna, acionando turbinas elétricas. O professor relata que mais três dessas usinas estão planejadas para serem construídas nos próximos anos.

Os investimentos em infraestrutura elétrica têm sido substanciais. O Ministério do Meio Ambiente de Portugal prevê gastar cerca de 13 bilhões de euros nos próximos cinco anos.

Preocupações com o meio ambiente

E há ainda outro problema: cada vez mais cidadãos portugueses protestam contra a construção de novos parques eólicos gigantes ou centrais solares de grande porte. Até agora, estes projetos têm sido aprovados e construídos sem muita consideração ao meio ambiente, mesmo em parques naturais. Mas isto deve mudar a longo prazo.

“No geral, apoiamos a construção dos data centers planejados”, sublinha Francisco Ferreira, da organização ambiental Zero. “No entanto, ao construir novas centrais eólicas ou solares, é preciso ter o cuidado de garantir que o ambiente seja o menos afetado possível.”

Embora os data centers representem certamente uma oportunidade para a economia portuguesa ainda frágil, não devem ser construídos às custas da natureza. Em algumas regiões do país já existem demasiadas centrais solares, e a construção de novas linhas de transmissão de energia também deve ser feita da forma mais ambientalmente correta possível.

Para Peças Lopes, isso não seria impossível: “Já realizei um estudo sobre o transporte de eletricidade, em parte, através de cabos submarinos, até os locais onde é necessária. Seria viável e não muito mais dispendioso.”

Bastaria que os políticos dissessem sim, e o contribuinte português acabaria por arcar com a maior parte dos custos da expansão da rede elétrica. Como acontece em todo o mundo, os custos de infraestrutura seriam adicionados ao preço da eletricidade. E o consumidor português médio já paga o dobro por energia em comparação com a indústria.