A reação dos mercados internacionais às declarações de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, mostra como uma palavra pode fazer uma diferença enorme. Na terça-feira (30) e na quarta-feira (1) Powell realizou os dois tradicionais depoimentos no Congresso americano. Na terça-feira ele falou no Senado e na quarta-feira se apresentou na Câmara, já sacramentado por mais quatro anos à frente do Fed. Powell falou. Todos — políticos, investidores e profissionais do mercado — ouviram. E a reação foi violenta devido a uma única palavra: “Transitória”.

Ao longo de quase dois anos, o banco central vem pisando fundo no acelerador para contrabalançar os freios econômicos impostos pela pandemia. Com isso, ele injetou US$ 4,5 trilhões na economia, levando a inflação para os níveis mais altos em 31 anos. Nas últimas reuniões do Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom americano, as declarações foram de que isso é um fenômeno transitório. No início da semana, Powell avisou que o significado dessa palavra havia mudado.

Em vez de ser algo que dura pouco, para o Fed, transitório é o que não provoca distorções duradouras na economia. E ele disse o que todos prefeririam não ouvir. “A palavra transitória deixou de ser adequada para descrever o que ocorre com a inflação.” Tradução: em vez de uma abordagem gradual, o Fed vai endurecer o jogo já na última reunião deste ano, marcada para os dias 14 e 15 de dezembro. No mês passado haviam sido definidas medidas de ajuste que reduziriam em US$ 15 bilhões por mês as compras mensais de títulos públicos e hipotecário, que eram de US$ 120 bilhões. Após os depoimentos no Congresso, as contas mudaram. Os analistas do Citibank já calculam que essa redução pode acelerar para US$ 30 bilhões por mês ainda este ano, o que encerraria o programa de compras no primeiro trimestre. A previsão anterior era que o programa se encerrasse em junho do ano que vem.

Por que esses poucos meses fazem tanta diferença? Por um motivo simples: apesar de não haver nenhuma comunicação oficial por parte do Fed, é consenso nessa entidade chamada mercado que, assim que o programa estiver encerrado, o Fed terá liberdade para começar a elevar os juros, remédio clássico para inflação elevada. Porém, os efeitos colaterais desse tratamento são bem conhecidos. O crédito fica mais caro e escasso, as pessoas têm menos dinheiro para gastar e as empresas faturam menos vendendo produtos e prestando serviços. Ou seja, os lucros tendem a emagrecer e os investidores vendem ações devido à piora das expectativas. Foi o que ocorreu na terça-feira. O índice S&P 500 caiu quase 2% e o Ibovespa recuou 0,87%. No pior momento do dia, o principal indicador do mercado se aproximou dos 100 mil pontos, arriscando romper esse nível “psicológico”.

FELIX HORHAGER

“O Fed passou a considerar a inflação um grande risco para a economia e para o mercado” Mohamed El-Erian maior gestor de renda fixa dos Estados Unidos.

TUDO MUDOU Um dos maiores gestores de renda fixa do mundo, Mohamed El-Erian analisou a mudança na estratégia anunciada por Powell. “O Fed fez mais do que corrigir seu discurso, ele também passou a considerar a inflação como um grande risco para a economia e para o mercado”, disse El-Erian. Segundo o gestor, as afirmações repetidas de que a inflação era transitória levaram muitos investidores a acreditar que a liquidez elevada e os juros baixos poderiam durar para sempre. “O resultado não foram apenas recordes nos preços das ações, das criptomoedas e de outros ativos, mas também um rendimento muito baixo para os títulos públicos americanos”, disse ele.

O efeito colateral é uma distorção severa nos juros. Em circunstâncias normais, quanto maior o prazo, maior o rendimento pago ao investidor e mais elevadas as taxas cobradas do tomador. Com dinheiro em excesso, essa curva se achata e não há muita diferença entre o curto e o longo prazo. Quando a distorção deixa de existir, a curva se ajusta depressa. O impacto disso é negativo tanto para empresas quanto investidores. No caso das companhias, uma alta súbita do custo do dinheiro vai dificultar a rolagem de dívidas, em especial as de longo prazo. Com taxas tão baixas, muitas empresas, especialmente as maiores, aproveitaram para se alavancar.

Fazia sentido captar dinheiro barato para investir na produção. Já o dinheiro mais caro pode tornar essas estratégias inviáveis. No caso do investidor, as altas recordes de ações e demais ativos, que sustentaram um efeito riqueza durante a pandemia, podem dar lugar a um período de baixa prolongada dos mercados, distribuindo prejuízos. Ainda será preciso ver qual a estratégia do Fed, que será definida na reunião a ser realizada em meados deste mês. Até lá, a avaliação é de muita incerteza e insegurança nos mercados.