Em entrevista exclusiva ao Estado, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, que assumiu a direção da instituição em abril, conta que a luta agora é para retomar os trabalhos e evitar o fechamento total. E para isso pedirá apoio tanto de governos quanto de entes privados. A instituição pegou fogo no domingo e deve ter perdido 90% do acervo.

Já dá para termos uma previsão de quando começará o trabalho arqueológico para recuperação de eventuais peças do acervo que tenham sobrevivido ao fogo e estejam em meio aos escombros?

Dependemos do recebimento da verba emergencial do governo, no valor de R$ 10 milhões, para fazer o escoramento do prédio, garantindo assim a segurança. Precisamos também de dois contêineres para que esse trabalho (de garimpo) possa ser feito.

E os passos seguintes?

Amanhã já está marcada uma reunião em que vamos discutir a reabertura de uma exposição, ainda que mínima, na Quinta da Boa Vista. Também vamos lançar uma campanha de financiamento coletivo para que as pessoas possam ajudar o museu. Queremos também voltar a fazer atividades pelo menos com as crianças, que são o futuro deste país, no Horto.

Você trabalha no museu há mais de 20 anos e, agora, desde abril, é o diretor da instituição. Qual foi a sensação de ver o prédio em chamas?

Eu comecei a trabalhar no museu no dia 21 de agosto de 1997. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Só não foi o mais feliz porque o mais feliz foi quando eu passei no concurso para trabalhar no Museu Nacional. Porque era o único lugar do Brasil em que eu queria trabalhar. Eu tinha um convite para fazer pós-doc em Berkeley, tinha um convite da University City, em Nova York, tinha um convite para a Alemanha, mas eu queria trabalhar no museu. Recentemente, tive um convite para ir para a China, mas aceitei me candidatar à direção do museu. E eu me imbui dessa responsabilidade não para tirar o museu do meio de escombros, mas para que nunca tivesse de passar por isso.

No dia do incêndio, você chegou a dizer que estava tão chocado que “não conseguia chorar”.

Ainda vou ter tempo para chorar, mas agora tenho de agir. O luto está com a gente, ficará eternamente com a gente, mas temos de trabalhar. Quero montar uma exposição já, o mais rápido possível, para mostrar que o museu está vivo. Mas precisamos da ajuda do governo ou vamos fechar as portas de vez. Não quero ser recebido (por autoridades) para apontar dedo nem para pedir dinheiro. Temos demandas que não envolvem dinheiro.

Onde você estava no domingo, quando o fogo começou?

Eu estava fora do Rio. Quando desembarquei no Santos Dumont, meu filho estava me esperando no saguão. Fomos para o museu. Quando cheguei lá, o meu escritório (o antigo quarto de dom Pedro II) não estava em chamas. Forcei a barra e entrei no prédio. Várias salas não estavam em chamas… Então eu falei para os bombeiros: ‘Joga água, joga água. E não tinha água (segundo as autoridades, faltou pressão no sistema). Mesmo assim, agradeço muito aos bombeiros.

Há muitas críticas à gestão…

Já tinha procurado vários parceiros, tinha contatos, coisas encaminhadas. O financiamento do BNDES (de R$ 21 milhões) já estava aprovado, essa é a grande ironia, a tragédia em cima da tragédia.

E a ajuda internacional?

Tive ofertas de colegas da Alemanha, da Dinamarca, de vários parceiros internacionais que sinalizaram com a doação de acervo. Mas o Brasil tem de fazer por merecer. Se não tivermos condições adequadas, essas peças não vêm.

Perderam o acervo e a sala de aula

Na última quinta-feira, eles chegaram ao Museu Nacional, mas sem a alegria de sempre. Abraçaram-se, rememoraram as experiências vividas anteriormente, olharam juntos os registros feitos em celulares e tablets. Alguns relataram ter chorado. Para 24 crianças e adolescentes, alunos de escolas públicas cariocas que integram o programa “Jovens Cientistas”, o incêndio que consumiu o Museu Nacional significou mais do que a trágica perda de um patrimônio mundial. Ao acompanhar pela televisão as imagens impressionantes do fogo, meninos e meninas que partilham o amor pelas ciências se sentiram desolados com a destruição do acervo que vêm conhecendo há três meses, e pelo qual nutriam afeto. “Tinha 5 milhões de insetos lá, 5 milhões! E não existem mais deles em lugar nenhum”, repetia, enfático, Victor Augusto Soares, que quer ser cientista. O colega Renan Linhares adorava a preguiça gigante da área da zoologia. “Ainda bem que sempre tirei muitas fotos, principalmente de animais e meteoritos.”

Os encontros do projeto de iniciação científica, desenvolvido pela seção de ensino do museu com o intuito de ampliar as vivências voltadas às ciências e à história natural para além das salas de aula, começaram em junho, sempre nas tardes de quinta-feira. Com idades entre 11 e 16 anos, os estudantes vinham aprendendo sobre as diferentes áreas da instituição, vinculada à Universidade Federal do Rio (UFRJ), como paleontologia e arqueologia.

Nas gavetas dos armários da reserva técnica da entomologia, sob a orientação de profissionais do museu, observaram um sem-número de insetos – parte já extinta. Visitaram laboratórios, fotografaram ossadas, múmias, meteoritos. Às 13h30 de quinta, em clima de consternação, os garotos se reuniram novamente. Mas dessa vez, com o prédio principal destruído e interditado. Daniel Almeida se ressentia de não ter fotografado mais as visitas anteriores. “Fiquei tão chateado! Era o meu museu queimando, e eu tinha vindo só quatro dias antes.” Maria Clara Beatriz Alves estava incrédula até se deparar com o prédio destruído. “Ninguém poderia imaginar que uma coisa assim aconteceria. Pensei que o projeto ia acabar. Fiquei feliz que voltar, apesar de tudo”. Leonardo Henrique Martins mostrava as fotos da última ida ao museu em seu tablet. “Eu tenho 11 anos e o museu, 200. É uma sensação estranha saber que acabou assim, quase tudo de uma vez só.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.