02/05/2007 - 7:00
DINHEIRO ? O sr. assume a Anfavea no ano em que o mercado interno bate o recorde de dois milhões de unidades. Como o sr. avalia o momento da indústria?
JACKSON SCHNEIDER ? Estamos confiantes e com uma expectativa muito positiva de que o mercado interno de fato ultrapasse os dois milhões de unidades. Os primeiros meses mostraram que estamos no caminho certo com 508,5 mil unidades vendidas e o crescimento do mercado nos últimos anos indica que a evolução é sustentada.
“A experiência do Miguel Jorge o torna um aliado natural da indústria”.
DINHEIRO ? Em 1997, os dois milhões de veículos se revelaram uma bolha e, em apenas dois anos, o volume caiu a 1,2 milhão. A história agora é diferente?
SCHNEIDER ? Acho que sim. De 1997 para 2007 o Brasil conquistou uma estabilidade macroeconômica muito mais firme. A inflação está sob controle, os juros em queda e as reservas internacionais estão sólidas. O crédito é abundante e o consumidor, confiante, está disposto a fazer dívidas de longo prazo. Tudo isso tem reflexo direto no mercado interno e a indústria se beneficia deste momento.
DINHEIRO ? A indústria também está mais madura?
SCHNEIDER ? Sim. Durante estes dez anos a indústria se nacionalizou, melhor se distribuiu pelo Brasil e investiu. Com os recursos, a capacidade produtiva instalada subiu de 2,6 milhões de automóveis por ano para 3,5 milhões. Em paralelo, voltamos 33% da produção para a exportação. A conseqüência dessa internacionalização é uma indústria nacional com produtos absolutamente atualizados, que não deixam nada a dever em qualquer mercado. Há ainda os esforços feitos para o aumento de produtividade.
DINHEIRO ? Neste cenário, o sr. assume a Anfavea. Quais serão as diretrizes da sua gestão?
SCHNEIDER ? A Anfavea tem alguns desafios importantes para os próximos anos que serão naturalmente postos à mesa. Um deles é a razão de competitividade que o setor precisa ter para continuar a crescer não só no mercado interno como também para manter uma posição de relevância no mercado externo. Essa razão de eficiência competitiva precisa ser bem analisada para que os gargalos sejam identificados e para que se estipulem ações para que a competitividade se concretize. Só assim conseguiremos nos posicionar diante dos novos players mundiais.
“A China nos assusta sim, até porque sua moeda é mantida num nível artificial”.
DINHEIRO ? Como atacar a produtividade?
SCHNEIDER ? A Anfavea já encomendou um estudo sobre a competitividade da indústria nacional neste novo cenário mundial. Vamos nos comparar com concorrentes, mostrar quais são as deficiências brasileiras e alinhar sugestões para discussão. Não focaremos nada emergencial. O que pretendemos são condições estruturais que garantam a competitividade, não só automotiva, mas da economia brasileira nos próximos anos. Além disso, também queremos discutir a criação de um novo grupo de debates, nos moldes do antigo Geia, o Grupo Executivo da Indústria Automobilística, criado pelo governo brasileiro nos anos 50.
DINHEIRO ? Sempre que o assunto é competitividade, logo vem a tona o tema de redução de impostos, como aconteceu no passado com o IPI. Redução de impostos está na pauta?
SCHNEIDER ? Mais do que falar em redução de um imposto, é preciso discutir o realinhamento da estrutura tributária. É pensar na possibilidade de cobrar menos imposto sobre a produção e aquisição e mais sobre o uso, de forma a aumentar a compra e, assim, a produção, gerando mais empregos. Outro tema que é preciso discutir é o crédito de ICMS cobrado sobre a exportação e que afeta diretamente nossa competitividade no mercado externo.
DINHEIRO ? A relação da Anfavea com Brasília continuará intensa?
SCHNEIDER ? Não existe solução que não seja construída a quatro mãos. Não vejo outra forma de melhorar a nossa competitividade sem negociar com os diversos personagens ligados à industria. O governo, inclusive.
DINHEIRO ? O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, veio da indústria automotiva. Este é um indício de que haverá um melhor entendimento das necessidades do setor pelo governo?
SCHNEIDER ? A experiência que o ministro Miguel Jorge tem de indústria, de setor privado o torna um aliado natural da indústria brasileira, e não necessariamente da Anfavea.
DINHEIRO ? O ministro já deu sinais de que está preocupado em encontrar caminhos que aumentem a competitividade de setores que sofrem com o dólar. O sr. acredita que é possível?
SCHNEIDER ? Eu sempre falo que a política cambial é a que está aí. Não é passageira. As regras são permanentes. Esta foi uma opção que se mostrou bem-sucedida, já que trouxe bons reflexos como a previsibilidade macroeconômica, o risco-país decrescente, um acúmulo de reservas importante. Mas é claro que, quando o real chegou ao atual nível de apreciação, alguns gargalos que antes eram mascarados passaram a ter um peso muito grande no custo produtivo. Neste sentido, o governo tem mostrado sensibilidade para entender estes assuntos e para tentar identificar uma solução. A experiência de Miguel Jorge vai ser muito importante na estruturação dessas ações.
DINHEIRO ? O Brasil tem possibilidade de conseguir aliar mercado interno e exportações fortes?
SCHNEIDER ? O Brasil já consegue fazer isso e de forma muito intensa. A prova é a balança comercial que vem acumulando superávits extraordinários. Na indústria automotiva, precisamos fazer isso por questão de sobrevivência. Conquistar os mercados em que estamos demandou investimentos que não podem ser jogados fora.
DINHEIRO ? E como não perder espaço?
SCHNEIDER ? De novo é uma questão de competitividade. Temos que atuar nos gargalos da indústria que algumas vezes se apresentam como deficiências setoriais e outras como problemas estruturais.
DINHEIRO ? Quais são estes gargalos?
SCHNEIDER ? Um dos principais é a questão do ICMS cobrado sobre as exportações. É um tema que penaliza o exportador e a solução será boa para o País. Exportar significa escala e isso gera empregos.
DINHEIRO ? O sr. colocaria o custo de infra-estrutura na lista de prioridades?
SCHNEIDER ? Sobre a infra-estrutura, estamos muito animados com o PAC. Talvez não resolva todos os gargalos, mas é uma iniciativa extremamente positiva para tentar resolver problemas sérios.
DINHEIRO ? No setor, que tipo de ineficiências preocupam?
SCHNEIDER ? A indústria tem investido em melhorias de processos, em eficiência e na qualidade de produto. Estamos no caminho certo inclusive com o aumento de investimento em engenharia. Esse é um ponto em que o Brasil merece destaque e em que há muito espaço para crescer.
DINHEIRO ? Somos competitivos nesse novo mercado?
SCHNEIDER ? Sim. Temos estrutura fabril consolidada, um parque de autopeças eficiente e relevante. Isso é fundamental para uma indústria exportadora.
DINHEIRO ? Em 2007 a produção chegará a 2,8 milhões de veículos. O setor de autopeças está pronto?
SCHNEIDER ? Sempre que houve um aumento de demanda o setor soube como, e estava pronto para responder. Assim acontece agora. Recentemente o Sindipeças mostrou que será necessário investir R$ 2 bilhões nos próximos 15 meses. É preciso crédito para financiar a produção, com dinheiro a preço justo. Nada diferente do que acontece no resto do mundo.
DINHEIRO ? Há ameaça de falta de peças?
SCHNEIDER ? Se existe gargalo é algo específico que pode ser contornado.
DINHEIRO ? Quando o Brasil deve chegar aos três milhões?
SCHNEIDER ? Se mantivermos o ritmo dos últimos anos, devemos chegar lá em 2009. Mas é preciso manter as exportações e incrementar o mercado interno.
DINHEIRO ? Em maio, o Brasil chegará a 50 milhões de veículos produzidos em 50 anos. Há motivos para celebrar?
SCHNEIDER ? Vamos estourar champanhe, mas com a consciência de que os próximos 50 milhões precisam ser produzidos em um intervalo muito mais curto de tempo. Se isso não acontecer, corremos o risco de perder espaço entre os grandes produtores mundiais.
DINHEIRO ? A China surge como a principal ameaça?
SCHNEIDER ? Sim. A China nos assusta, até porque existem muitas dúvidas que a cercam, como até onde vai a interferência do Estado na economia ou até quando a moeda será mantida desvalorizada artificialmente. É uma ameaça efetiva no mercado externo e, pior, que já anunciou a intenção de produzir no Uruguai mirando o nosso mercado.
DINHEIRO ? E Índia e Rússia? Elas ameaçam o Brasil?
SCHNEIDER ? Não são só eles. Hoje existe uma gama de países que não tinham tradição nesta indústria e que despontam como emergentes automotivos. Até 2009, 1,6 milhão de unidades de capacidade instalada da Europa Ocidental migrarão para o Leste Europeu. Vivemos um momento de movimentação intensa de investimento neste setor. Temos que criar condições para atrair novos recursos.
DINHEIRO ? O Brasil tem uma tarifa de 35% sobre carros importados. A Rodada Doha propõe a redução mundial de taxas. A indústria está preparada para a abertura?
SCHNEIDER ? A Rodada Doha propõe aumentar o fluxo de comércio do mundo. Lógico que se isso acontecer vai nos afetar. Por isso, precisamos aumentar a competitividade do produto brasileiro com urgência. A redução precisa ser gradual.
DINHEIRO ? O aumento de competitividade passa pela idéia de uma política setorial?
SCHNEIDER ? A competitividade tem que ser construída com os setores público e privado. O governo tem mostrado que é aberto ao diálogo. Vamos negociar.
DINHEIRO ? Hoje há um setor em que os investimentos estão explodindo: o do etanol. Quais os planos da Anfavea para os biocombustíveis?
SCHNEIDER ? O Brasil tem a chance de encabeçar a tendência de energia limpa em automóveis. Temos tecnologia, competência, experiência e clima favorável para sermos um dos grandes players mundiais de etanol. Em junho chegaremos à marca de três milhões de carros flex produzidos. Uma fonte de energia limpa que pode ser uma das mais relevantes nas próximas décadas. Acho que ainda não compreendemos todos os efeitos que isso pode trazer se bem estruturado. Precisamos pensar em um modelo gestor que garanta a especificação e a regulação da produção dos biocombustíveis. Bem administrado, o biodiesel também terá o mesmo sucesso que o etanol já começa a ter.