20/06/2014 - 20:00
Deu no The New York Times: “Onde a desonestidade é a melhor política, o futebol dos Estados Unidos cai rápido” era o título da reportagem assinada por Sam Borden, publicada na segunda-feira 16. O texto defende uma tese simples, porém polêmica, alinhavando uma série de declarações de integrantes da comissão técnica e de ex-jogadores da americana: o país não tem a cultura da trapaça. “Atletas americanos são tipicamente honestos em campo, sem dúvida, influenciados por anos de ensinamentos para serem fortes, resistir ao contato físico e finalizar a jogada”, escreve Borden, que classifica o pênalti cavado pelo atacante brasileiro Fred contra Croácia como uma queda teatral que ajudou o Brasil a vencer o jogo de abertura da Copa do Mundo.
Pode-se realmente discutir se Fred sofreu ou não pênalti. Ao que tudo indica, o atacante brasileiro, de fato, simulou a falta que foi essencial para a vitória do time de Scolari contra os croatas. Mas vamos combinar: os Estados Unidos são tão éticos no esporte, na mesma medida em que o ditador iraquiano Saddam Hussein tinha um arsenal de armas químicas. Ou seja: não são. Generalizar, como fez o The New York Times, não vai ajudar em nada no debate sobre a ética no esporte.
Até porque há uma lista extensa de exemplos que mostram que, assim como brasileiros, argentinos, ingleses, franceses, japoneses, russos e qualquer outro povo do globo, os americanos também trapaceiam para vencer. Vamos começar pelo ciclista americano Lance Armstrong, que montou o que é considerado pela U.S. Anti-Doping Agency o “mais sofisticado sistema de doping que o esporte já viu”. Vencedor por sete vezes do Tour de France, a Copa do Mundo do ciclismo, Armstrong era uma lenda viva do esporte.
No entanto, ao longo de sua carreira, as vitórias se assentaram num sem-número de ardis. Além de dopar-se sistematicamente, ele comprou adversários e ganhou milhões de dólares enganando seus patrocinadores. Mais um exemplo? Lembremo-nos do caso da velocista americana Marion Jones. A atleta americana ganhou três medalhas de ouro e duas de bronze nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000. Sete anos depois, após investigações da Justiça dos EUA, ela confessou o uso de esteroides naquela Olimpíada. Marion foi suspensa e devolveu as medalhas.
Se quisermos deixar de lado exemplos esportivos, poderíamos citar a invasão do Iraque, em 2003, cuja justificativa era destruir o arsenal de armas químicas do país – que nunca foi encontrado. Vale a pena ainda registrar o recente episódio envolvendo a NSA, a agência de segurança americana, que monitorou ilegalmente e-mails e celulares de milhões de pessoas, inclusive da presidenta Dilma Rousseff, e de empresas, como a Petrobras. O futebol movimenta bilhões de dólares anualmente e atrai patrocinadores que gastam fortunas para promover suas marcas para um público apaixonado.
Isso pode abrir um campo fértil para a desonestidade, que deve ser combatida, sem dúvida nenhuma. No fim do dia, no entanto, por maior que seja a influência de algum episódio isolado, como a compra de um árbitro ou a simulação de uma penalidade, o que diferencia um time vencedor de um perdedor não é a trapaça, mas sim o talento. Isso o Brasil, a Argentina, a Alemanha, a Holanda e até a eliminada Espanha têm de sobra. Coisa que ainda falta – e muito – aos jogadores americanos. Eles podem cair o tempo todo na área que, mesmo assim, dificilmente serão campeões mundiais. De futebol ou de ética esportiva.