A Prefeitura de São Paulo e o governo estadual planejam construir um conjunto habitacional e áreas de lazer no terreno que possuía a maior concentração de usuários de drogas no centro da cidade. O projeto desperta críticas de artistas, políticos e ativistas por causa da transferência da sede de um teatro na região.

Duas torres de apartamentos vão se localizar no triângulo formado pelas ruas dos Gusmões, Protestantes e General Couto de Magalhães. Imagens do projeto mostram uma quadra poliesportiva, uma praça, aparelhos de ginástica e playground.

O terreno será cercado por tapumes nos próximos dias para as intervenções, que incluem a demolição de um prédio.

A administração estadual pediu à Justiça a transferência forçada de imóveis para o Estado que eram usados pelo crime organizado como esconderijo de drogas e celulares roubados.

O projeto deve ser feito a partir por meio de uma Parceria Público-Privado municipal, em parceria com a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), do governo estadual.

O local, que concentrava o chamado “fluxo” da Cracolândia, amanheceu vazio depois de várias operações policiais no início de maio. Pequenos grupos se espalharam pela região central. O poder municipal nega a dispersão e credita o esvaziamento às ações de acolhimento e tratamento.

Transferência do teatro provoca críticas

Além da demolição de um prédio, a intervenção prevê a transferência do Teatro de Contêiner, espaço sociocultural, de assistência social e sede do coletivo Cia. Mugunzá localizado na rua dos Gusmões.

Artistas receberam notificação extrajudicial com prazo de 15 dias para desocupação da área – o documento foi entregue no dia 28 de maio.

A possibilidade de transferência do teatro motivou a atriz Fernanda Montenegro, primeira-dama do teatro brasileiro, a escrever uma carta, divulgada no dia 10, pedindo que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) reveja a decisão.

“O ‘Teatro de Contêiner Mungunzá’, permanecendo nesse endereço na cidade de São Paulo, é um sinal de renascimento desse bairro. Um espaço de comunhão humana”, diz trecho da carta.

A voz de Fernanda se soma à argumentação de representantes de 40 teatros de São Paulo, entre eles, Oficina, Bibi Ferreira, Teatro Itália, Teatro Gazeta e Teatro da Vertigem, que reivindicam a manutenção do espaço.

Na própria postagem, a atriz informa que recebeu resposta do prefeito, através do seu secretário de Governo, Edson Aparecido: “Governo do Estado e Prefeitura ofereceram locais para instalação do Teatro com doação de área definitiva. As negociações continuam.”

O terreno que a Prefeitura oferece está localizado na Rua Conselheiro Furtado, a cerca de 150 metros da Praça da Sé. De acordo com o poder municipal, a área está regularizada e possui quase o dobro do tamanho do terreno atual, na região da antiga Cracolândia.

“Fica do ladinho do Tribunal de Justiça, da Praça da Sé, numa área central e, inclusive, nessa avenida passa ônibus, e as pessoas que vão até o teatro vão poder ir de ônibus. Onde eles estão hoje, o acesso é ruim”, disse o prefeito Ricardo Nunes após agenda pública nesta quarta-feira, 10.

A prefeitura informa que também procurou o Coletivo Tem Sentimento, que ocupa um trecho do terreno para atender mulheres em situação de vulnerabilidade, sugerindo a mudança do projeto para um endereço na Rua Maria Borba, na Consolação.

Os defensores da permanência do teatro no local de origem incluem políticos da oposição. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL) e o vereador Hélio Rodrigues (PT) protocolaram recurso contra a desocupação.

“Tendo em vista a quantidade de terrenos ociosos da região central não é justo que a Prefeitura queira tirar o teatro para construir moradias que não servirão às pessoas mais pobres da cidade”, afirmou o ator Marcos Felipe, cocriador do Teatro de Contêiner e um dos artistas da Cia Mungunzá de Teatro.

O espaço em que o teatro foi construído é um terreno da Prefeitura. Segundo os responsáveis pela Cia. Mungunzá, que faz a gestão do espaço, o terreno estava em desuso até 2016, quando a companhia resolveu construir um equipamento de cultura. O pleito do grupo é que o terreno seja destinado à Secretaria de Cultura do município.

O ator afirma que foram realizadas mais de 4 mil ações artísticas, sendo 83% gratuitas, ao longo desses 9 anos de ocupação.

Na notificação extrajudicial, a Prefeitura diz entender que a área onde está situada a companhia “é um ponto estratégico para que seja instrumentalizado um novo programa habitacional municipal”.

Cracolândia se dispersou no início de maio

A maior concentração de usuários do chamado “fluxo” da Cracolândia, na esquina das ruas Gusmões e Protestantes, se esvaziou no dia 10 de maio, um sábado. Na segunda-feira, o local estava vazio. Usuários reclamaram de abordagens violentas.

A partir daí, moradores de bairros como Santa Cecília e Campos Eliseos, no centro, relataram a migração dos usuários para as imediações da Praça Marechal Deodoro e do Minhocão, o Elevado Costa e Silva.

Nunes afirmou que o fluxo vinha diminuindo nos últimos meses graças à atuação da assistência social, da saúde e das forças de segurança. Um dos principais motivos para o esvaziamento da rua dos Protestantes foi a operação conjunta do governo e da prefeitura na Favela do Moinho, local de onde partiria o envio de drogas para o fluxo.

Historicamente, o fluxo da Cracolândia migra. Depois de ocupar por décadas a região da estação Julio Prestes, na Luz, o grupo de usuários já passou pela praça Princesa Isabel, pelas ruas dos Gusmões e Helvétia, pelas alamedas Cleveland e Dino Bueno e pela Rua dos Protestantes, o último local de maior concentração.