30/06/2001 - 7:00
DINHEIRO ? Prêmio segura o cliente?
Fábio fernandes ? Não, de jeito nenhum. Até porque prêmio é o reconhecimento do seu próprio mercado sobre aquilo que você fez. Mas eu não tenho dúvidas de que isso é uma coisa que dá mais prestígio e notoriedade para uma agência que já é prestigiada e notória. Acho difícil o cliente ter uma percepção diferente, a partir de agora, da F/Nazca. Eu acho que a premiação potencializa a percepção que já existe. Se o médico que for operar o meu dedo ganhar um prêmio hoje e amanhã fizer uma besteira na cirurgia, eu não vou ficar com o dedo torto e dizer tudo bem, o meu médico é muito premiado. O mais bacana foi ter ouvido dos colegas de profissão, dos clientes, que é muito mais que merecido. Há muito tempo que a F/Nazca é isso aí.
DINHEIRO ? Então, você acha que a premiação já poderia ter acontecido?
Fernandes ? Às vezes eu pensava isso, que já podia ter acontecido. Fica aquela sensação de timing atrasado. Mas eu acho que não, que de alguma maneira as pessoas se convenciam mais de que a F/Nazca
era a bola da vez.
DINHEIRO ? Qual foi a sensação de ver a expectativa se tornar realidade?
Fernandes ? Até ganhar o prêmio não dava para ter a noção exata do que isso implicaria. É a coisa maior no negócio da propaganda, do ponto de vista dos profissionais do mercado. Você aprende desde muito novo na profissão a reverenciar o Festival de Cannes, que é o templo, a meca da propaganda mundial. Você experimenta as primeiras vitórias. Ganhei o meu primeiro Leão aos 23 anos. E você também perde outras vezes, deixa de ganhar em coisas que você acreditava. A nossa vitória foi significativa porque a F/Nazca não ganhou na categoria filme ou na mídia impressa. A gente ganhou em tudo. Em mídia impressa estamos entre as três do mundo.
DINHEIRO ? Onde você estava quando recebeu a notícia?
Fernandes ? Estava no bar do hotel Majestic, quando o CEO do festival, Roger Hatchuel, veio até mim sigilosamente para dar a informação e dizer que me esperava na festa do dia seguinte. Aí eu queria sair dali, né? Senão eu iria colocar a perder tudo o que conquistei no festival. Ou então as finanças da F/Nazca. Estava arriscado a querer pagar bebida para aquele bar inteiro. Subi até o quarto do Eduardo Lima (diretor de criação da agência). Liguei para a minha mulher, para minhas filhas, pai, mãe.
DINHEIRO ? Foi uma surpresa?
Fernandes ? Na verdade, eu estava sabendo desde o início da semana. Tinha certeza absoluta, mas ninguém tinha me dito nada. Desde o começo estávamos tabulando os prêmios das outras agências e os nossos. Fomos sentindo. É por pontuação, é por número de Leões e indicações no short list (a lista que faz a primeira filtragem das peças). Isso não é um prêmio que se outorga por um corpo de jurados. É a agência mais premiada do festival mesmo. Ganhamos 3 Leões de ouro, 5 de bronze e mais de 30 indicações no short list. Era difícil ter uma noção geral. Eu olhava uma hora e pensava que quem poderia pegar a gente era a Goodby, Silverstein and Partners, dos EUA, porque ela não tinha ido muito bem na mídia impressa mas tinha 25 short lists em tevê.
DINHEIRO ? Dá para dizer que essa premiação significa o amadurecimento da F/Nazca S&S?
Fernandes ? Não. Quando uma agência tem potencial criativo, ela o é desde o primeiro dia de existência. Não se descobre, não se forja depois de algum tempo. No caso da F/Nazca, desde o início a gente foi formando e somando mais talentos, mais pessoas. Com sete meses, a agência era a mais premiada do festival da ABP (Associação Brasileira de Propaganda). Com menos de um ano, era terceira mais premiada do Brasil no Clube de Criação. A gente ganhou Leão em Cannes no primeiro ano de vida.
DINHEIRO ? Você acha que se a sua agência fosse só o Fábio Fernandes, sem o suporte de uma grande corporação, iria ser muito mais difícil?
Fernandes ? Na verdade, quando eu criei a agência há sete anos, fiz um negócio com um sócio, a inglesa Saatchi & Saatchi, por quem eu tinha desejo. E acho que isso é a melhor resposta para uma questão hipotética. Se você me perguntar se a minha vida seria diferente se eu tivesse encontrado uma determinada pessoa talvez dissesse a mesma coisa. Não me importa se eu poderia ter encontrado a Cindy Crawford ou não. O fato é que eu casei com a pessoa que eu gosto, a Karin. A Saatchi&Saatchi era uma agência que eu vislumbrava no mercado, que ainda não estava no Brasil e era um dos grandes ícones da criatividade na propaganda internacional. Não gosto de pensar como é que seria se não fosse assim. Tivemos um aporte grande de capital para o lançamento da agência e para os primeiros momentos da agência que, sem dúvida, eram necessários. A gente tem tido uma relação interessante.
Tem problemas como qualquer empresa. Eu discuto, brigo e tal,
mas o que é legal é que faço isso como alguém de dentro . Sou
do board de criação (se reúne três vezes ao ano). O próximo
será no Vietnã ? em novembro.
DINHEIRO ? Ainda existe espaço para uma agência pequena ficar sozinha no Brasil sem estar ligada a um grande grupo internacional?
Fernandes ? Acho que sim, dependendo do tipo de expectativa desta agência. Naturalmente existem anunciantes que têm uma atuação muito local. Não significa que ele não possa entregar a conta para uma agência com uma visão nacional ou até internacional. É difícil imaginar que agências locais consigam
se manter por muito tempo assim e atender clientes
nacionais ou globais.
DINHEIRO ? Essa é uma tendência mundial?
Fernandes ? Sim. Nos Estados Unidos, houve um boom de agências locais nos últimos anos. Isso teve origem em Minneapolis, uma cidadezinha totalmente na contramão do negócio da propaganda, que é na Madison Avenue, em Nova York. De repente, apareceram duas agências de enorme sucesso, a Chiat Day e a Sallon. Hoje as duas estão ligadas a grupos internacionais; a Chiat Day é TBWA e a Sallon é do mesmo grupo que a F/Nazca S&S, a Publicis. Em Portland, há a Wieden & Kennedy, que se transformou num
grande case da propaganda mundial quando começou a
trabalhar com a Nike. Foi diretamente responsável pelo sucesso
de marketing da famosa marca de tênis. Hoje a Wieden está em Amsterdã e em outros lugares da Europa. Ela tentou uma internacionalização antes de sucumbir a abrir o capital a grupos internacionais, o que ainda não aconteceu.
DINHEIRO ? A F/Nazca foi a segunda agência mais premiada em Cyber Lion, a categoria que elege os melhores sites. Como você viu essa performance vitoriosa?
Fernandes ? Isso mostra um acerto no passado quando a gente acreditou na web como uma necessidade fundamental para a agência se posicionar. Não queremos ser uma agência apenas criativa, mas uma agência que responde com criatividade a
todos os tipos de necessidade.
DINHEIRO ? Faça um paralelo entre o que você viu este ano em Cannes e o que você viu 14 anos atrás. O que mudou?
Fernandes ? O festival ficou muito maior. Era um festival de uma mídia só, era de televisão. Depois veio a mídia impressa, depois há três anos veio a Internet e até prêmio de mídia hoje ele tem. Isso aumentou o tamanho do festival. E número de pessoas. O festival foi se popularizando mais. O mundo encurtou distâncias. Hoje está mais simples e barato ir a Cannes. Hoje Cannes é um lugar onde se faz muito mais negócios. Onde grandes companhias com alguma ligação com o mercado publicitário, como empresas de filmes fotográficos e até editoras, fazem seus estandes, fecham negócios.
DINHEIRO ? Apesar da queda mundial de investimentos em propaganda, as inscrições para o festival tiveram um número recorde. O que explica isso?
Fernandes ? Na verdade quase todo ano as inscrições batem recorde. Realmente, neste ano houve um corte de investimentos nas corporações, nos anunciantes do mundo inteiro. Isso não afetou o festival talvez porque as inscrições são feitas em janeiro, fevereiro. E o movimento de retração do setor começou logo depois. Claro que a Nasdaq desde o ano passado sinaliza isso, mas a desaceleração no mundo fisico teve início a partir de março deste ano.