Não era um pássaro, nem muito menos um avião, mas hoje é visto como mais um potencial problemão nas relações diplomáticas entre as maiores economias do mundo. Em pouco mais de uma semana, quatro objetos voadores invadiram o espaço aéreo dos Estados Unidos, acirrando a crise diplomática com o governo da China. Até o Canadá e o Uruguai — sim, até o pequeno Uruguai — reportaram às autoridades americanas ter identificado equipamentos incomuns nos céus. Os balões avistados na América do Norte acabaram abatidos, gerando críticas da China, que alega se tratar de instrumentos comerciais de fins meteorológicos. Como a melhor defesa é o ataque, os chineses também disseram ter encontrado um provável balão americano de espionagem.

Sejam ovnis extraterrestres, balões de previsão do tempo ou equipamentos de espionagem, o fato é que o episódio expõe o aumento fragilidade da relação entre Estados Unidos e China, em um momento já delicado no contexto internacional com a guerra de Vladmir Putin na Ucrânia, que completa um ano no dia 26 deste mês. Pela primeira vez desde os atentados terroristas às Torres Gêmeas, em Nova York, em 2001, as Forças Armadas americanas estão em alerta máximo para possíveis ataques em seu território. As bases no Havaí e no Alasca, estado que faz divisa com a Rússia e por onde os balões chineses teriam entrado, estão com seus contingentes máximos.

O governo do Canadá também disparou o alarme de defesa e, em conjunto com os americanos, monitoraram os balões e autorizaram o abate. O primeiro-ministro Justin Trudeau disse que há indícios de correlação entre os balões encontrados. “Acho que há algum tipo de padrão aí. O fato de estarmos vendo isso em um grau significativo na semana passada é motivo de interesse e muita atenção”, afirmou Trudeau. “Seguiremos atentos para garantir a segurança de nossa população.”

Para José Niemeyer, coordenador de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, os episódios sinalizam o que especialistas vêm chamando de Guerra Fria 5G, um embate cibernético e de alta capacidade de espionagem. “Diferentemente do conflito bipolar da Guerra Fria do passado, hoje há diversos polos de poder nesse xadrez internacional”, afirmou.

Jim Watson

“Acho que há algum tipo de padrão aí. Seguiremos atentos para garantir a segurança de nossa população” Justin Trudeau Primeiro-ministro do Canadá.

DIPLOMACIA Apesar de a relação entre Estados Unidos e China ter melhorado ligeiramente com a saída de Donald Trump e com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, ainda existem pontos muito sensíveis que abalam o relacionamento das duas maiores potências do mundo, como a interferência chinesa em Taiwan — que é aliado dos EUA —, ou as disputas comerciais entre os dois países. A existência de ovnis chineses no território americano é mais um capítulo deste relacionamento conturbado, mas que não tem potencial para escalar e se tornar uma guerra ou um conflito mais sério entre os dois países, segundo Guilherme Meireles, professor de Relações Internacionais da ESAMC. “A existência de objetos voadores não identificados sobrevoando o território dos EUA mexe ainda com dois temas muito sensíveis para aquele país”, afirmou Meireles.

Na avaliação dele, a possibilidade de espionagem, afinal, o fim da Guerra Fria é muito recente e deve-se se lembrar o quanto a questão da espionagem era crucial na geopolítica daquele momento. Na época da Guerra Fria, a Casa Branca fazia questão de alertar a população sobre o perigo de espionagem soviética e isso sem dúvidas foi passando para as gerações pós-Guerra Fria. “Considerando que a China é a substituta da União Soviética na disputa pela hegemonia política e econômica do mundo atualmente, é possível compreender a reação de indignação do governo de Washington e da população estadunidense ao concluir que um dos objetos era um balão chinês.”