06/05/2009 - 7:00
ELE GANHA TUDO: (da esq. para a dir.) Lula recebeu uma camiseta do executivo da Nestlé, uma viola do prefeito de Cuiabá, um lenço das Mães da Praça de Maio, da Argentina, e uma chuteira de Ronaldo quando estava na Seleção Brasileira
A ação é quase automática. Basta o presidente Lula aparecer doente no noticiário que uma dezena de raízes medicinais e unguentos chega pelo correio ao seu gabinete ou em sua residência oficial. No segundo ano de governo, quando Lula foi fotografado com a mão no ombro direito pela dor da bursite, um saco de banha de porco foi entregue no protocolo do Palácio do Planalto, com um recado: era um remédio para a dor do presidente Lula. O cheiro do material inundou a sede do P oder Executivo e a iniciativa, por mais escabrosa que pareça, ficou registrada.
HONRARIA: o governo da França deu ao presidente brasileiro a Ordem da Legião Francesa, uma das principais condecorações daquele país
Receber presentes faz parte da rotina de todos os chefes de Estado. Recentemente, em visita ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, Lula levou um prisma de 15 centímetros feito de prata com pedras brasileiras. Em troca, recebeu uma caixa de acrílico com trechos da constituição americana gravados em dourado. Era o protocolo em sua face mais conservadora. Mas, no caso particular de Lula, os presentes quebram completamente o protocolo. O pacote de banha é o caso mais extremo, mas ele recebe diversos itens de uso pessoal, como toalhas bordadas, redes, pano de prato, camisas, tênis e bonés. No total, são 12.874 itens catalogados. Entre tantos presentes, um quadro em especial chama a atenção. Nele, numa paisagem bastante simples, duas jovens estão vestidas de noiva ao lado de seus noivos. “O presidente Lula ganhou na visita a Brasília Teimosa. A família pegou o que tinha de mais valioso dentro de casa e entregou ao presidente. É um dos presentes mais simbólicos”, diz o historiador Cláudio Soares Rocha, diretor da Diretoria de Documentação Histórica do Presidente da República, responsável pelos acervos presidenciais desde o governo Sarney. “Lula tem tanta coisa que estamos aproveitando as sombras dos espaços”, brinca Rocha.
VASO ORIENTAL: essa foi a lembrança recebida das mãos de Xi Jinping, vice-presidente da República Popular da China
Para se ter uma ideia, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso deixou o poder, depois de oito anos de mandato, levou com ele oito carretas com documentos, cartas, presentes e arquivos bibliográficos, que ocupavam dois subsolos – um no Palácio do Planalto e outro no Alvorada. Lula conseguiu ocupar esses mesmos espaços, com cerca de 200 metros quadrados cada um, em 2006. Atualmente, uma parte dos presentes está no Palácio do Buriti, sede oficial do governo do Distrito Federal, enquanto o Palácio do Planalto está sendo reformado.
“Aproveitamos para ampliar o subsolo”, conta Cláudio Soares. Além dos presentes finos, como um vaso chinês dado por Xi Jinping, vice-presidente da China, Lula também recebe frutas, doces, compotas – uma semana antes da Páscoa tinha recebido uma cesta de ovos de chocolate. O que não é consumido ou não tem a sua origem conhecida vai para o lixo; o restante passa a integrar o acervo privado de uso público de Lula, que tem sido minuciosamente cuidado por uma equipe de 50 pessoas da Diretoria de Documentação Histórica do gabinete presidencial. Nele, constam diplomas e medalhas que Lula recebeu de chefes de Estado, como a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, e o Prêmio Príncipe das Astúrias, do governo espanhol. E há curiosidades, como um conjunto de escritório que recebeu da sua escola de samba, a Beija-Flor, caricaturas, tapeçarias e uma réplica da camiseta do uniforme de basquete da seleção brasileira de 1959, que ganhou o mundial naquele ano. “Esses presentes fazem parte do interesse público”, explica Cláudio Soares Rocha.
CONJUNTO PARA ESCRITÓRIO: esse mimo foi dado pelos integrantes da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis
A preservação dessa fatia particular da história do Brasil começou por iniciativa do então presidente da República José Sarney (1985- 1989). Depois dele, todos os presentes recebidos por Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso foram reunidos e tratados por funcionários do Arquivo Nacional. Até fatos corriqueiros da vida pré-presidência são arquivados. Atualmente, faz parte do acervo a primeira bandeira do PT costurada pela primeira-dama Marisa Letícia. O problema é que quando o presidente deixar o cargo terá que levar todo o seu acervo. “É um elefante branco. Se eu fosse o presidente, estaria arrancando os cabelos”, diz Cláudio Soares. O acervo do ex-presidente José Sarney está na Fundação da Memória Republicana, no Maranhão, onde pode ser visitado. O senador Fernando Collor começa, agora, a recuperar os seus documentos históricos. A história de Itamar Franco está no Fundo Itamar Franco, em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está guardada, com acesso restrito a pesquisadores, no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo. Se os acervos de cada um contam suas próprias histórias, o de Lula reflete sua popularidade e a generosidade do povo brasileiro.