20/02/2020 - 18:25
Com o apoio do Fundo Monetário Internacional, que declarou a dívida argentina insustentável, o governo de Alberto Fernández procurará renegociar com seus credores privados.
Desde que assumiu a presidência em dezembro, Fernández (centro-esquerda) afirma que seu país, em recessão desde meados de 2018, não pode pagar a dívida se sua economia não crescer primeiro.
Entre os credores tensos que não cedem e com as datas de vencimento para o final de março, o FMI ficou do lado do governo argentino, afirmando que a dívida “não é sustentável” após uma missão no país sul-americano.
Isso terminou na quarta-feira.
“Nos acusavam de populistas, de irresponsáveis, mas hoje todos acordamos com o FMI nos dando razão”, disse Fernández nesta quinta-feira, em evento público.
A Argentina, que em 2001 declarou uma moratória de 100 bilhões de dólares, luta para se afastar de um novo default. O FMI também se esforça para que esse cenário seja evitado.
“Acho que temos uma boa oportunidade de negociar algo razoável, porque o FMI tem interesse em evitar um default”, disse Héctor Torres, ex-representante da Argentina na agência multilateral, à rádio local na quinta-feira.
A Argentina possui uma dívida total de 311,2 bilhões de dólares, equivalente a mais de 90% de seu PIB. Desse montante, o que busca refinanciar são os créditos com detentores de títulos privados por 121,97 bilhões de dólares (35,9% do PIB) e com organizações multilaterais por 72,679 bilhões.
– “Lutas prolongadas” –
A posição do FMI “não é encorajadora para a economia argentina, mas para negociação. É um impulso para o governo”, disse à AFP Matías Rajnerman, economista-chefe da consultoria Ecolatina.
“O FMI é obviamente uma voz autorizada no mercado financeiro, e dizer que a dívida não é sustentável pode tornar a posição dos credores privados mais flexível”, explicou.
A Argentina enfrenta uma inflação anual de mais de 50%, sofre uma forte desvalorização monetária e o aumento da pobreza é de quase 40%.
Para o FMI, a Argentina “requer uma operação de dívida definitiva, que gera uma contribuição apreciável de credores privados”, em referência a retiradas de capital, redução de juros e adiamento de pagamentos.
Essa posição “elimina qualquer dúvida de que os credores privados terão de suportar grandes cortes”, disse o consultor Capital Economics, que prevê “lutas prolongadas” com os credores relutantes a ceder.
Claudio Loser, ex-diretor do FMI, estima que no momento “não há como saber o valor do corte” em negociação, mas ele acha que pode ser 30% do capital.
No entanto, ele alerta que a posição do FMI só terá efeito se o fundo pactuar um novo programa com a Argentina.
“Caso contrário, os credores não precisam se ater, porque não há um plano claro”, disse.
O FMI “emprestará mais dinheiro à Argentina para quitar o empréstimo antigo, estendendo o vencimento das obrigações”, prevê a Capital Economics.
A Argentina rompeu com o FMI em 2006, quando o então presidente Nestor Kirchner, cujo chefe de gabinete era Fernández, quitou US$ 9,6 bilhões que o país devia ao organismo.
Durante a presidência do liberal Mauricio Macri (2015-2019), o relacionamento foi retomado e, em 2018, a Argentina assinou um acordo stand by de 57 bilhões de dólares. Desse total, 44 bilhões foram emprestados, mas Fernandez renunciou às parcelas pendentes.
– Campo de batalha –
A Argentina deve lançar sua oferta aos credores em meados de março, porque no fim desse mês terão início os vencimentos que enfrentará em 2020, equivalentes a 34,3 bilhões de dólares.
Suas reservas internacionais são de cerca de 44,7 bilhões de dólares. Mesmo assim, “a urgência do governo em definir um acordo (com os detentores de títulos) só terminará no ano que vem”, disse a Capital Economics.
Do total dos vencimentos de 2020, apenas 4,3 bilhões são denominados sob legislação estrangeira (o que implica que ele pode ser submetido a arbitragem em tribunais de outros países).
Assim, “o governo poderia pagar suas dívidas em 2020, pois mais de 80% delas estão sob a legislação local e podem continuar a ser repassadas unilateralmente pelo Parlamento”, explicou Capital Economics.
Já no ano passado, ainda durante o governo Macri, a dívida com os detentores de títulos sob a legislação local foi “reperfilada”, ou adiada.