15/06/2004 - 7:00
DINHEIRO ? Os planos de previdência privada PGBL e VGBL, criados com importante participação sua, tornaram-se as estrelas do mercado e conquistaram 6 milhões de participantes. Qual é o grau de risco a que esses investidores estão se expondo?
OSVALDO DO NASCIMENTO ? Os planos de previdência têm o risco do mercado financeiro, como qualquer outra aplicação. Um PGBL aplica nos mesmos papéis que um fundo. Pode comprar títulos do governo e ações. Na fase de pagamento dos benefícios, há também o risco associado à solidez da empresa. Hoje temos ainda o risco de mudança nas regras tributárias dos planos. Quando o governo muda a regra no meio do jogo, ele provoca uma insegurança muito grande no investidor. Até mesmo a alteração na tabela do Imposto de Renda causa um tremor na previdência privada. Essas mudanças podem causar saques. Por fim, para investir no longo prazo, as pessoas precisam ter a garantia dos incentivos fiscais. Caso contrário, elas aplicam apenas no curto prazo ou deixam o dinheiro debaixo do colchão.
DINHEIRO ? Historicamente, os produtos financeiros de muito sucesso no Brasil não tiveram final feliz. Se a seguradora quebrar, quem aplicou durante anos num plano de previdência recebe o dinheiro?
NASCIMENTO ? A caderneta de poupança conta com o fundo garantidor de crédito, no valor de até R$ 20 mil. A previdência privada se parece muito mais com um fundo de investimento e não conta com essa garantia. Na fase de poupança, o risco da instituição quebrar não é tão ameaçador, porque os ativos aplicados na previdência são segregados. A Susep (Superintendência de Seguros Privados) pode transferir esses ativos para qualquer outra seguradora, antes da empresa quebrar. O dinheiro da previdência não está misturado com o caixa da empresa.
DINHEIRO ? As pessoas que ingressam hoje nos planos correm risco de não receber a aposentadoria no futuro?
NASCIMENTO ? É preciso entender como o sistema funciona. Terminada a fase de poupança, as pessoas vão ter que decidir o que fazer com o dinheiro acumulado. Podem resolver comprar um barco ou fazer um seguro que vai lhes garantir uma aposentadoria. Nessa etapa, os riscos são grandes. Tudo no mercado financeiro tem riscos. Suponha que um cliente hoje me entrega R$ 100 mil e eu me comprometo a pagar R$ 900 mensais até a sua morte. Para isso, eu projeto que o dinheiro precisará ser corrigido com juros de 4% ao ano mais a inflação. Se eu não conseguir fazer o dinheiro render dessa forma, eu não vou conseguir pagar o meu cliente. A saída então é chamar os acionistas e levantar o dinheiro de outro modo. Se alguém te garantir, na fase de poupança, o quanto você receberá no futuro, é melhor descon-
fiar. O mercado só trabalha com projeções. No passado, os fundos prometiam uma quantia definida, e foi justamente isso que tornou os produtos inviáveis. Hoje quem ingressa num plano de aposentadoria tem de ter consciência de que está sujeito a três riscos: o da taxa de juros, o da expectativa de vida e o da solidez da empresa.
DINHEIRO ? E no caso dos fundos de pensão (fechados e geralmente ligados a uma empresa)?
NASCIMENTO ? Os fundos de pensão têm riscos ainda maiores, porque quando o número de pessoas aposentadas fica maior do que o de contribuintes, eles não têm a quem recorrer. Não diluem o risco. Por isso, é fundamental a fiscalização da Susep nas reservas técnicas. A Previ, por exemplo, há pouco tempo chamou os participan-
tes para trocar o índice de correção do pagamento das aposentadorias. Nos fundos de pensão, mesmo quem já está aposentado pode ser chamado para renegociar as correções. Ou até mesmo para participar de um rateio para quitar um déficit.
DINHEIRO ? Nos PGBLs, quando o número de aposentados for maior do que o número de poupadores, as contas também ficarão ameaçadas?
NASCIMENTO ? O PGBL é uma aplicação financeira. Tem os mesmos riscos de um fundo. Sendo assim, é claro que se todos os cotistas resolverem sacar, os últimos podem correr o risco de não receber. A lógica é a mesma.
DINHEIRO ? Durante muito tempo, o modelo chileno de previdência privada serviu de inspiração para diversos países. Hoje, discute-se os riscos de as contas do sistema não fecharem.
NASCIMENTO ? No Chile, as contas fecham. Eles também ainda não chegaram na fase mais intensa de pagamentos. A grande diferença é que o Chile, no final do governo Pinochet, privatizou sua previdência social inteira. Por isso, quem não pôde entrar no sistema ficou sem aposentadoria. Depois de uma concorrência muito acirrada no início (em meados da década de 80), o setor passou por uma concentração e hoje só sete grandes seguradoras operam com previdência.
DINHEIRO ? E uma alteração na legislação tributária, poderia resultar em quebradeira?
NASCIMENTO ? Esse é um fator de risco. A estabilidade de regras é fundamental para a previdência privada. Não podemos deixar que impulsos momentâneos do governo para atender determinadas necessidades venham a afetar os investidores de longo prazo. Nós queremos criar no Brasil um sistema parecido com a regulamentação tribu-
tária dos Estados Unidos para a poupança de longo prazo, com foco nos planos de previdência. O Brasil precisa de uma regulamentação para garantir a segurança desses investimentos. Hoje, é possível alterar as regras com a maior facilidade, sem nem mesmo passar pelo Congresso. Isso é perigoso. É um ponto que preocupa.
DINHEIRO ? O risco da aposentadoria privada fica maior na fase de receber o benefício?
NASCIMENTO ? É a fase mais preocupante. Enquanto (o investidor) está acumulando, o risco é o do mercado financeiro. Depois, o risco passa a ser o da solidez da empresa. Quem escolheu uma renda por prazo determinado, assume o próprio risco, de viver mais do que o planejado. Se o segurado morrer antes, sorte da seguradora. Na renda vitalícia, o risco da seguradora fica bem maior. Suponha o seguinte: há 10 anos, você comprou um plano com benefício em renda vitalícia. Na época, a expectativa de vida era de 70 anos. Hoje, a expectativa já saltou para 80 anos. A empresa já sabe que a chance de você viver até os 80 anos é grande. Então, ela precisa alterar as suas reservas. Esses ajustes precisam ser constantes. Nos Estados Unidos nem existe mais o modelo de renda vitalícia. O aposentado renegocia anualmente o valor do seu benefício.
DINHEIRO ? Por que o PGBL cativou o investidor de modo tão fulminante?
NASCIMENTO ? O primeiro fato, sem sombra de dúvidas, é a crescente preocupação do cidadão brasileiro com a qualidade de vida no futuro, em função do aumento da expectativa de vida. As discussões sobre a Reforma da Previdência Social trouxeram à tona as limitações da previdência pública. Agora ficou claro que será cada vez mais difícil receber a aposentadoria pública. Os valores tendem a ser cada vez menores. Diante desse quadro, o cidadão percebeu que o seu futuro financeiro depende muito mais da sua capacidade de poupar no longo prazo do que da participação do Estado.
DINHEIRO ? E esses nomes estranhos, PGBL e VGBL, como surgiram?
NASCIMENTO ? Quando sugeri o nome, até o nosso departamento de marketing achou esdrúxulo. Mas a sigla pegou. Investimos pesado para criar nomes fantasias que nunca decolaram. Nos Estados Unidos, o nome também é estranho. Os planos são chamados de 401K.
DINHEIRO ? A previdência privada tem condições de manter os atuais índices de crescimento?
NASCIMENTO ? Precisamos de algumas melhorias. O governo Lula poderia criar vantagens fiscais variáveis conforme o tempo de aplicação. Por exemplo: se você se compromete a ficar num fundo por 15 anos, teria um incentivo melhor do que aquele que se compromete a ficar apenas cinco anos. E quem sacasse antes do prazo seria penalizado com uma tributação maior.
DINHEIRO ? O governo está disposto a discutir essas propostas?
NASCIMENTO ? O governo Lula não dá muita atenção à previdência privada aberta. Ignora os 6 milhões de participantes. O governo Fernando Henrique também não deu a atenção devida. Mesmo não tendo recebido apoio do governo, estamos crescendo a taxas de mais de 50% ao ano. Hoje, temos um patrimônio de mais de R$ 50 bilhões. Em 1996, a previdência aberta tinha R$ 3 bilhões de reservas. Por outro lado, quando o ministro Amir Lando (da Previdência) decidiu padronizar os fundos instituídos (pla-
nos criados a partir de sindicatos ou associações), acho que ele se inspirou no PGBL.
DINHEIRO ? Que papel o senhor atribui à Previdência Social?
NASCIMENTO ? Precisamos da Previdência Social para garantir o mínimo. Para o cidadão não passar a velhice na miséria. O foco da Previdência Social deveria ser o benefício mínimo. Ela não deveria ter a pretensão de pagar salários médios e altos. Não pode se preocupar em pagar salários de R$ 2,4 mil. Isto é classe média alta no Brasil. (A Previdência) tinha é que ter o compromisso de pagar R$ 100 e R$ 200.
DINHEIRO ? Se o senhor tivesse que indicar um plano de previdência para o presidente Lula, que produto recomendaria?
NASCIMENTO ? Eu iria sugerir que ele avaliasse todas as opções disponíveis e julgasse o que é mais adequado para ele. É a mesma coisa que falo para os clientes. Acredito que ninguém iria comprar cimento no Pão de Açúcar. Da mesma forma, acredito que é melhor entregar o dinheiro a quem é do ramo.
DINHEIRO ? O senhor foi professor universitário durante 20 anos. Por conta disso, recebe aposentadoria pública?
NASCIMENTO ? Eu não conto com o INSS. Tenho obrigação de pagar para que o Brasil tenha condições de garantir uma qualidade de vida para as pessoas menos favorecidas. Eu poderia estar aposentado em regime especial, mas não acho justo.