Isso não é um assento, é uma cama.? Eis o slogan utilizado pela companhia aérea japonesa ANA, a All Nippon Airways, para definir as instalações de sua nova primeira classe, inaugurada no início do ano. Ela tem 84 centímetros de largura e 1m96 de comprimento. Antes do apagar das luzes a bordo, é um escritório com acesso a internet, monitor de 15 polegadas e um leque de 20 canais de televisão e outros 28 de música. Na hora de dormir, transforma-se num casulo. A ANA fez uma pesquisa com 5 mil de seus clientes mais freqüentes. Descobriu que 75% deles desejavam apenas duas qualidades num vôo: a privacidade e poltronas com reclinação a 180 graus.

Os dados foram entregues à empresa americana Tola Design. Ao longo de dois anos, engenheiros, técnicos em ergonomia, arquitetos e especialistas em marketing criaram um produto que eles gostam de definir, com a trena na mão, como o ?assento mais largo do mundo?. Ele está disponível nos modelos Boeing 747-400 nas rotas que saem do Japão rumo a Londres, Frankfurt, Paris e Nova York. A ANA é membro da Star Alliance, o grupo de companhias do qual faz parte a Varig. É possível, portanto, usar milhas da transportadora brasileira para experimentar a criação da ANA.

Perda de tempo. A ?cama? é o ícone de uma nova tendência nos ares. Na impossibilidade de fugir a uma verdade atávica dos vôos, a chatice das longas travessias e o ligeiro medo do ?canudo? de alumínio longe do chão, os engenheiros decidiram não lutar contra as evidências. ?As pessoas querem apenas trabalhar, quando ainda estão acordados, ou simplesmente dormir como se estivessem em casa?, diz David Stempler, presidente da Air Travelers Association, entidade americana especializada em viagens de executivos. Estudos conduzidos pela equipe de Stempler demonstraram que a grande maioria dos passageiros considera o
vôo uma perda de tempo. Trata-se, portanto, de desembarcar inteiro para o trabalho na manhã seguinte ? todo o resto é supérfluo, mesmo a boa comida e o ótimo vinho servido por aeromoças e comissários elegantes, sobretudo quando se desembolsa US$ 5 mil pela viagem de primeira classe entre Tóquio e Nova York. Os grandes avanços no interior das aeronaves, nos últimos anos, seguiram esse caminho.
O superassento da ANA foi uma das vedetes da Aircraft Interiors
Expo 2003, exposição de design interno de aviões realizado em Hamburgo, na Alemanha, em fevereiro. Havia, ali, estandes de 77 países, 136 companhias de aviação e 6.700 visitantes. No Salão
de Le Bourget, em Paris, a cama da japonesa ANA também atraiu olhares de curiosidade e cobiça.

Há um paradoxo no luxo que brota dentro das cabines. Ele desponta no pior momento da história da aviação civil, com quedas de mais de 20% no tráfego de passageiros e pelo menos 120 mil demissões nos Estados Unidos e na Europa. O segredo, portanto, é atrair o passageiro rico e torná-lo fiel. Avanços tecnológicos como o supersônico Concorde mostraram-se economicamente inviáveis. Se não é possível chegar ao destino mais rápido, a solução é oferecer conforto. Stempler, da Air Travelers, lembra uma máxima célebre da iconoclasta atriz americana Mae West (?Já fui rica e já fui pobre, e posso assegurar: ser rico é melhor?), para resumir o fascínio dos vôos requintados. ?As classes executiva e primeira ainda fazem a diferença das empresas aéreas?, diz Stempler. ?A rigor, o que as pessoas querem num avião é deitar, e pagam por isso.?

Bajulação. A British Airways foi a primeira a descobrir esse nicho, em 1996. Naquele ano, ela lançou o assento-cama, num investimento industrial de US$ 330 milhões. Dois anos depois, a Singapore Airlines pôs a bordo uma primeira classe muito semelhante. O imbróglio foi parar na Justiça. A British acusava a empresa asiática de plágio e rompimento de patente. O caso ainda tramita nos tribunais ? enquanto isso, outras companhias aéreas trataram de encontrar atalhos de bem-estar aos que pagam mais. A American Airlines
tem uma primeira classe cujos assentos, distribuídos sem simetria, a fazem parecer um escritório moderno. A Qantas, da Austrália, desembolsou recentemente US$ 300 milhões num projeto seme-
lhante. ?O passageiro executivo vale dez vezes mais que um de
classe econômica, portanto as companhias aéreas tratam de
bajulá-los?, resume Morten Herholdt, analista da Barclays Stockbrokers, de Londres. Nesse aspecto, o casulo elegante
da ANA faz sonhar nas alturas.

Poltrona de US$ 5 milhões

Não chega a ser uma primeira classe como aquelas que povoam os sonhos dos mortais. Mas é uma classe executiva com muito mais sofisticação e conforto do que os executivos estão habituados a freqüentar. A TAP, a companhia aérea portuguesa, acaba de inaugurar as novas poltronas de
sua business class. Foram US$ 5 milhões consumidos em seu desenvolvimento. Elas aliam a ele-
gância de um design desenvolvido pelo estúdio italiano Avio Interiors com alguns dos mais avançados itens tecnológicos do mundo da aviação. O leito da cadeira reclina até 180 graus. O encosto, em forma de concha, é fixo, o que garante a comodidade para o passageiro de trás. O desenho permite ao passageiro um isola-
mento maior em relação ao ambiente.

A exclusividade é a marca registrada. Cada passageiro tem seu próprio monitor de vídeo, com a opção de 11 diferentes DVDs.
Além de luminárias individualizadas, a poltrona possui tomada exclusiva para laptop e um pequeno compartimento para óculos.
A idéia do próprio presidente da TAP, Fernando Pinto, sempre às voltas com a dificuldade de guardar os óculos na hora de dormir durante um vôo. Os controles das funções da cadeira foram simplificados e receberam o apelido de ?comando da vovó?, em virtude da facilidade de acionamento.