Médicos de um hospital de Nova York anunciaram nesta quinta-feira, 9, terem realizado em maio o primeiro transplante de um olho inteiro da história da medicina. O transplante de córnea, a camada frontal transparente do olho, é uma cirurgia relativamente comum, mas desta vez foram transplantados o globo ocular, os canais sanguíneos que o irrigam e o nervo óptico que deve conectá-lo ao cérebro para fazer o olho funcionar.

Por enquanto o olho não funciona, e é impossível saber se algum dia o paciente conseguirá enxergar, mas a cirurgia é um passo histórico rumo à solução para a deficiências visuais graves.

“Não estamos afirmando que vamos restaurar a visão. Mas não tenho dúvidas de que estamos um passo mais perto”, disse o cirurgião Eduardo Rodriguez, chefe do setor de cirurgia plástica do NYU Langone Health, centro médico onde a intervenção foi realizada.

O paciente é Aaron James, de 46 anos. Morador de Hot Springs, no Arkansas, ele trabalhava para uma empresa de linhas de energia em junho de 2021, quando foi eletrocutado por um fio energizado e quase morreu.

James perdeu o braço esquerdo, substituído por uma prótese. Seu olho esquerdo, danificado, doía tanto que precisou ser removido – o olho direito funciona normalmente. Múltiplas cirurgias reconstrutivas não conseguiram reparar lesões faciais extensas, incluindo a falta de nariz e lábios.

Ele precisava de tubos para respirar e se alimentar. A deformidade facial não incomodou sua mulher, Meagan James. “Ele não tinha nariz, mas em sua mente e em seu coração era ele – então eu não me importei com isso. Mas me importei que isso o incomodasse”, contou.

James então foi submetido a um transplante facial – outra cirurgia absolutamente rara e arriscada, da qual participaram dezenas de médicos, liderados por Rodriguez. Essa foi apenas a 19ª cirurgia de transplante facial já realizada nos Estados Unidos, e a quinta em que Rodriguez atua.

Junto com o transplante facial, após consulta ao paciente, decidiu-se por fazer o transplante do olho esquerdo de James. Os médicos argumentaram que, mesmo se o olho não funcionasse, a substituição traria melhores resultados cosméticos para seu novo rosto, apoiando a órbita e a pálpebra transplantadas.

Três meses depois de James ter sido incluído na lista nacional de espera para transplante, um doador compatível foi encontrado. Rins, fígado e pâncreas do doador, um homem de 30 anos, salvaram outras três pessoas.

A cirurgia durou 21 horas e incluiu mais uma experiência: quando uniram o nervo óptico doado ao que restava do original de James, os médicos injetaram células estaminais especiais do doador, na esperança de estimular a reparação do olho.

Alguns especialistas temiam que o olho murchasse rapidamente, como uma uva passa. Em vez disso, quando o médico abriu a pálpebra esquerda de James, no mês passado, o olho cor de avelã doado estava tão rechonchudo e cheio de fluido quanto seu olho original direito, da cor azul. Os médicos constataram bom fluxo sanguíneo e nenhum sinal de rejeição.

No mês passado, formigamentos anunciaram a cura dos nervos faciais. James ainda não consegue abrir a pálpebra e usa um adesivo para protegê-la. “Ainda não tenho nenhum movimento nele. Ainda não consigo piscar, movimentar minha pálpebra. Mas agora estou sentindo”, disse James.

Quando o médico pressionou o olho fechado, James sentiu uma sensação – embora no nariz, e não na pálpebra, provavelmente até que os nervos de crescimento lento sejam reorientados. O cirurgião também detectou movimentos sutis começando nos músculos ao redor do olho.

Bateria de testes

A oftalmologista Vaidehi Dedania, do NYU Langone Health, fez uma bateria de testes com James e encontrou danos esperados na retina. Mas disse que parece haver células especiais, chamadas fotorreceptores, suficientes para fazer o trabalho de converter luz em sinais elétricos, mais um passo na criação da visão.

Normalmente, o nervo óptico enviaria esses sinais ao cérebro para serem interpretados. O nervo óptico de James ainda não cicatrizou, mas, quando a luz incidiu no olho doado, durante uma ressonância magnética, a varredura registrou algum tipo de sinalização cerebral. Isso empolgou os pesquisadores, embora possa ser simplesmente um acaso.

Qualquer que seja o resultado, a cirurgia é histórica. “Você tem que começar de algum lugar, tem que haver uma primeira pessoa em algum lugar. Talvez você aprenda algo com isso que ajudará a próxima pessoa”, afirmou o paciente. “Estamos vivendo um dia de cada vez”, concluiu.

“Você pode aprender muito com um único transplante”, afirmou David Klassen, médico-chefe da Rede Unida para Compartilhamento de Órgãos, que administra o sistema de transplantes nos Estados Unidos.

“É uma validação incrível” de experimentos com animais que mantiveram vivos os olhos transplantados, disse o médico Jeffrey Goldberg, presidente de oftalmologia da Universidade de Stanford. O obstáculo é fazer crescer novamente o nervo óptico, embora os estudos em animais estejam progredindo, acrescentou Goldberg. Ele elogiou a iniciativa da equipe do NYU Langone Health e espera que o transplante estimule mais pesquisas. “Estamos realmente à beira de conseguir fazer isso”, disse.