22/02/2018 - 18:08
Os Neanderthais – e não os humanos pré-históricos – foram os primeiros artistas do planeta, de acordo com uma nova pesquisa liderada por cientistas da Universidade de Southampton (Reino Unido) e do Insituto Max Plack (Alemanha).
Os pesquisadores estudaram pinturas em três cavernas da Espanha e, com um método especial de datação, descobriram que elas foram criadas há mais de 64 mil anos, quando os únicos hominídeos na Europa eram os Neanderthais (Homo neanderthalensis). O Homo sapiens só chegou ao continente cerca de 20 mil anos mais tarde.
Os resultados da pesquisa foram publicados nesta quinta-feira, 22, na revista Science. De acordo com os cientistas, a descoberta é importante por demonstrar que os Neanderthais eram capazes de pensar simbolicamente, assim como os humanos modernos. Os desenhos, que foram feitos durante a Era do Gelo, incluem representações de animais, sinais geométricos e pontos.
Segundo os autores, os resultados do novo estudo reforçam uma série de descobertas que têm ajudado a “desconstruir” a tradicional imagem dos Neanderthais como um brutal homem das cavernas com inteligência extremamente limitada. Dois estudos publicados em 2017, por exemplo, mostravam que os Neandethais eram capazes de lidar com problemas odontológicos e de utilizar plantas medicinais como antibióticos e analgésicos.
“Essa é uma descoberta incrivelmente emocionante e ela sugere que os Neanderthais eram muito mais sofisticados do que se acredita popularmente”, disse o autor principal do estudo, o arqueólogo Chris Standish, da Universidade de Southampton.
“Nossos resultados mostram que essas pinturas são, de longe, o mais antigo registro de arte nas cavernas do mundo. E elas foram criadas pelo menos 20 mil anos antes da passagem dos humanos modernos da África para a Europa – e por isso só podem ter sido pintadas por Neanderthais”, disse Standish.
Segundo Standish, até agora a arte das cavernas havia sido atribuída integralmente a humanos modernos e a imprecisão das técnicas de datação haviam impedido que se explorasse a hipótese de uma autoria Neanderthal.
Para realizar o novo estudo, os cientistas utilizaram uma técnica de datação de urânio-tório, que fornece resultados muito mais confiáveis que os métodos de datação por radiocarbono, com margem de erro muito menor.
O método de urânio-tório envolve a datação de minúsculos depósitos de carbonato que se acumulam na superfície as pinturas nas cavernas. Esses depósitos contêm traços dos elementos radioativos urânio e tório, que indicam quando os depósitos se formaram – e fornecendo assim uma idade mínima para qualquer coisa que esteja abaixo da superfície onde estavam as amostras.
Uma equipe de cientistas do Reino Unido, da Alemanha, da Espanha e da França analisou mais de 60 amostras de carbonato de três cavernas da Espanha: La Pasiega, no nordeste do país, Maltravieso, no oeste e Ardales, no sudoeste espanhol.
As três cavernas contêm pinturas feitas com traços vermelhos ou pretos e representando grupos de animais, pontos e sinais geométricos, assim como desenhos de contornos de mãos, marcas de mãos “carimbadas” e gravações feitas na rocha.
Segundo os cientistas, a criação de arte – por mais simples que ela seja – envolve comportamentos sofisticados como a própria escolha do local, o planejamento relacionado à fonte de luz e a mistura de pigmentos.
“Logo depois da descoberta do primeiro fóssil de Neanderthal no século 19, eles foram retratados como abrutalhados e desprovidos de cultura, incapazes de comportamentos artísticos e simbólicos. E algumas dessas visões ainda persistem até hoje”, disse outro dos coordenadores do estudo, Alistair Pike, arqueólogo da Universidade de Southampton.
“A questão sobre até que ponto os Neanderthais se comportavam como humanos é objeto de um debate acalorado. Nossas descobertas darão uma considerável contribuição a esse debate”, disse Pike.
De acordo com outro dos autores do artigo, Dirk Hoffmann, do Instituto Max Planck a cultura simbólica e material – uma coleção de feitos culturais e intelectuais passada de geração para geração – só havia sido atribuída até hoje à espécie humana.
“A emergência da cultura simbólica e material representa um limiar fundamental na evolução da humanidade. Ela é um dos principais pilares daquilo que nos torna humanos. Artefatos cujo valor funcional não está em seu uso prático, mas em seu uso simbólico, remetem a aspectos fundamentais da cognição humana”, afirmou Hoffmann.
Artefatos simbólicos ainda mais antigos, com cerca de 70 mil anos, já haviam sido encontrados na África, mas acredita-se que eles foram produzidos por humanos, segundo os cientistas. Os desenhos Neanderthais da Espanha, porém, podem ser considerados as mais antigas representações simbólicas em cavernas.
Outros artefatos de cerca de 40 mil anos, incluindo arte em cavernas, figuras esculpidas, ferramentas de ossos decoradas e joias também já foram encontradas antes na Europa. Mas os cientistas concluíram que todos esses artefatos foram feitos por humanos modernos que nessa época já estavam se espalhando pela Europa, após a saída da África.
Também há evidências de que Neanderthais da Europa utilizaram ornamentos corporais entre 40 mil e 45 mil anos atrás, mas vários pesquisadores sugeriam que eles teriam sido inspirados por humanos modernos que haviam acabado de chegar ao continente e conviveram com os Neanderhtais.
“Os Neanderthais criaram símbolos cheios de significados em locais igualmente cheios de significados. Não foi uma arte acidental”, disse outro dos autores do estudo, Paul Pettitt, da Universidade Durham (Reino Unido).
“Temos agora exemplos de três cavernas que ficam separadas por mais de 700 quilômetros e evidências de que essa arte era uma tradição que perdurou longamente. É bem possível que outras manifestações artísticas em cavernas semelhantes na Europa também tenham origem Neanderthal”, declarou Pettit.