A Enel SP acumula 120.525 processos judiciais registrados entre 2020 e 2024, sendo cerca de 23% (27.797) deles referentes a problemas com fornecimento de energia elétrica.

+ A Enel vai sair do país? Confira o que pode acontecer, de acordo com especialistas

O levantamento foi feito pela legaltech (startup da área do Direito) Escavador, e mostra que as reclamações na Justiça contra a concessionária de energia saltou de 12.832 em 2020 para 23.089 em 2023, um aumento de 79,95% no período.

Procurada pelo site IstoÉ Dinheiro para um posicionamento, a Enel SP não se manifestou até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado quando houver uma resposta da empresa.

Dalila Pinheiro, líder do Jurídico do Escavador, explicou que a startup faz consultas em fontes oficiais e documentos públicos, como Diários Oficiais ou tribunais para levantar os dados e depois estruturá-los. Não é possível saber quantos dos 120.525 mil processos seguem em andamento ou foram arquivados.

“Identificamos um aumento significativo de demandas judiciais. E, pelo histórico da empresa, e pela natureza dos processos, dá um indicativo de que há um problema de relação de consumo e má prestação de serviço, já que muitos são relacionados a falhas no fornecimento de serviço e danos morais e materiais. Mostra uma ineficiência da empresa.”

Pinheiro diz que a projeção é que o volume registrado em todo o ano de 2024 – até agora são 15.532 – seja pelo menos no mesmo patamar que em 2023, podendo até superar, já que em 2023 houve um pico de registros em novembro, justamente após um temporal com fortes rajadas de ventos, em que 2,1 milhões de clientes ficaram sem energia elétrica, alguns chegaram a ficar uma semana sem luz.

O mesmo pico de reclamações judiciais pode ocorrer agora, após o temporal de sexta-feira, 11, que deixou mais de 3 milhões de imóveis no escuro e no prejuízo. Consumidores agora se mobilizam para cobrar a empresa na Justiça.

A extensão do problema e a demora na reação levaram o governo federal a abrir um processo disciplinar contra a empresa italiana, o que eventualmente pode levar à perda de concessão. A empresa diz não ver requisitos para isso, uma vez que afirma cumprir os requisitos contratuais.

O número de quedas de postes, conforme a distribuidora de energia, aumentou em 40% na comparação com o apagão de novembro de 2023. No total, 251 postes foram afetados.

+ Além de SP, Enel coleciona problemas em outros estados e até fora do Brasil

Foram danificadas 17 linhas de alta tensão, 221 circuitos de média tensão, 11 subestações e 17 transformadores na capital e na Grande São Paulo.

Segundo Guilherme Lencastre, presidente da Enel São Paulo, foi o pior evento climático desde que a empresa assumiu a concessão da região, no fim de 2018, e “provavelmente” o maior em número de afetados.

Lencastre diz também que uma das razões para a demora em restabelecer a energia se dá porque há locais de difícil acesso, que tem árvores caídas que impedem a entrada da equipe e oferecem riscos aos eletricistas.

Número de processos contra Enel SP

2020 – 12.832
2021 – 17.972
2022 – 19.383
2023 – 23.089
2024 – 15.532 (até 15 de outubro).

O levantamento da Escavador mostra ainda que 35.523 processos são de indenizações por danos morais e 8.656 por danos materiais.

“A empresa costuma justificar [os problemas] pelo impacto das chuvas, falta de estrutura da cidade, estarem expostos às crises climáticas”, diz Dalila Pinheiro.

Em entrevista à GloboNews na última sexta-feira, o presidente da Enel, Guilherme Lencastre, reforçou a gravidade e as dificuldades da concessionária para lidar com a crise. “O que aconteceu, de fato, foi um evento de natureza extrema e não quero usar isso para isentar a gente de responsabilidade”.

Indenizações

Lencastre disse ainda na mesma entrevista que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada “caso a caso”.

“Nós também estamos acelerando o processo de indenização com relação aos danos elétricos. A gente vai analisar caso a caso, depois, em relação a outras situações”, disse ele.

Lencastre pediu ainda que os clientes façam a solicitação por meio dos canais de comunicação da Enel. “Façam o requerimento, e aí a gente vai tratar caso a caso. A gente precisa identificar o cliente, saber o que aconteceu e fazer a análise”, acrescentou ele, sem dar prazo para essa indenização ser realizada.

“Primeiro, foco nos clientes que viveram essa situação recente. A gente está vivendo uma situação de normalidade agora, mas a gente também está muito preocupado com a chuva que vem pela frente. Essas são as principais prioridades nesse momento. Quando a gente sair dessa prioridade, a próxima vai ser em relação a esse assunto (de indenização)”, afirmou ele.

Histórico de reclamações

A dificuldade da empresa em lidar com situações de emergência e reestabelecer o fornecimento de energia e a frequência de interrupção dos serviços levou a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública a multar a filial no Rio de Janeiro em R$ 13,067 milhões.

Em agosto deste ano, a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce) aplicou uma multa de R$ 28,5 milhões à duração das interrupções de energia, incluindo a demora nas religações. Segundo a agência, entre 2021 e 2023, o número de reclamações contabilizadas pela ouvidoria saltou 82,3%.

Ainda segundo a Arce, os problemas seguiram em 2024, com o número de reclamações entre janeiro e julho já superando o registrado em todo o ano de 2023.

Enel teve que sair de Goiás

A empresa já teve atuação também no estado de Goiás, mas foi obrigada a vender sua concessão após três anos de um imbróglio que envolveu o governo estadual e a Aneel. Isso porque, quando comprou a Companhia Energética de Goiás (Celg) por mais de R$ 2 bilhões em 2017, prometeu reduzir as quedas de energia no estado em 40% em um prazo de três anos, por meio de investimentos para modernização da infraestrutura de distribuição.

A promessa não se cumpriu e a decisão das autoridades foi de repassar a operação para a Equatorial por R$ 1,6 bilhão em 2022.

Problemas cruzam fronteiras

Os consumidores chilenos passam pelos mesmo problemas que os brasileiros. Em agosto, a mesma situação ocorreu no país. A companhia demorou cinco dias para reestabelecer a energia de apenas a metade das 1 milhão de unidades consumidoras que ficaram sem luz após uma forte tempestade com rajadas de ventos de mais de 100km/h. Por lá, a concessão da empresa também está sob risco, após o ministro de Minas e Energia do país, Diego Pardow, anunciar o início de um processo para rever a concessão.

Na Itália, país de origem da empresa, as reclamações se concentram sobre os valores das tarifas do serviço de energia e como os reajustes são mal comunicados. Mas a multa 80 milhões de euros recebida pela empresa naquele país foi por causa do tratamento incorreto de dados de usuários, usados em ações de telemarketing.

*Com informações de Estadão Conteúdo