04/11/2020 - 7:15
“Espero que o pessoal de casa também esteja conosco. O prô tá on ou não?” Assim começou a aula de Literatura às 7h30 em ponto, logo que bateu o sinal. Máscara no rosto, microfone na mão, o “prô” fala sobre Machado, Miguilim e Quincas Borba para duas turmas – a de sete alunos que está de volta à sala de aula e a de 29, que ficou em casa. Fala também para mim. Depois de 11 anos, sentei de novo em uma carteira de sala de aula para ver de perto o retorno das aulas presenciais do ensino médio.
Não sem antes me submeter aos protocolos, que começaram às 6 horas. Ainda em casa, é preciso preencher um formulário com questões sobre febre, tosse ou diarreia. Perguntas parecidas são feitas na entrada da escola pelos seguranças, que também medem a temperatura. O Colégio Agostiniano Mendel, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, dividiu a entrada dos alunos em cada um dos vários portões. Durante toda a manhã de terça-feira, 3, a reportagem do Estadão acompanhou o primeiro dia de volta às aulas regulares na escola.
Já na sala de aula, nome e foto demarcam as carteiras. A do Vinícius estava vazia e foi onde me acomodei, de mochila no colo para evitar o contato dos objetos com o chão. Só um terço dos 36 alunos do 3º ano F foram convocados para o primeiro dia de aula, por ordem alfabética – da Ana à Flávia, passando pela Camila, que logo balbuciou qualquer coisa e foi adivinhada pelo professor. “Estou vendo pela movimentação da sua máscara a sua resposta, certa.” E os sorrisos escapam pelo olhar.
O retorno é cheio de primeiras vezes, principalmente para professores, que vão de sala em sala no ensino médio. Antes de começar, esguicham álcool em um paninho e desinfectam microfone, mesa e computador. “Tenho de olhar para a câmera no teto e também para vocês na sala. Nunca fiz isso”, disse o professor de Biologia, antes de lançar apostas sobre a data da vacina ou quando a sala de aula voltará a funcionar sob o “velho normal”. “Em 2023, talvez?”
Turma de fora
As previsões desanimam e começa um zunzunzum, misturado aos ruídos das outras salas que entram pela porta – agora aberta, para tentar dissolver qualquer aerossol. Estudantes ali ou em casa têm de ter a mesma aula e é por isso que os professores se esforçam para reproduzir as perguntas dos alunos no microfone. “O Dante está me perguntando sobre os ventos alísios”, diz o professor de Geografia, em uma tentativa de manter contato com a turma que não foi à escola.
“Agora vou fazer uma pergunta só para quem está em casa. Me digam um exemplo de planta pteridófita”, diz o de Biologia. E um ruído surge da caixa de som. “Samambaia”, responde para todos o Gabriel, em alto e bom som, de dentro do seu quarto. Ajustes técnicos são constantes, assim como a criatividade.
“Nem sei mais escrever na lousa”, diz o professor de Química. “Quando encostei esse canetão no quadro, até escorreu uma lágrima”, exagera – e a emoção dura pouco. Enquanto escreve “ácidos graxos” no topo da lousa, é logo interrompido. “Bom dia. Será que você pode dar zoom na lousa? Não consigo enxergar”, reclama uma aluna que não está na classe. O problema é resolvido com uma mescla de slides – que a turma de casa consegue ver – e matéria escrita na lousa, melhor para os sete que foram para a escola.
No intervalo sem recreio, só iogurtes e frutas na mesa, uma supervisora pergunta se estão felizes. “É estranho, mas é bom”, diz o Dante, que levanta de fininho e vai até a câmera para fazer um sinal de coração aos colegas distantes. Parte da turma se vê pela primeira vez presencialmente desde março e uma garota diz que acordou muito antes da hora, de ansiedade. Meninas chacoalham os dedos na mesma direção, como se fosse um abraço, e lembram de quando a pandemia parecia só um recesso breve. Também falam das camisas do terceirão e da formatura, que, agora, sabe-se lá como vai ser.
“Não pode levantar”, diz a supervisora a um rapaz que deixou a cadeira para bater papo com a colega do lado. A turma de 17 anos bem que se esforça para manter a etiqueta sanitária, mas, claro, uma selfie ou outra escapam e uma bolinha de papel, ainda tímida, tenta alçar voo. A saída para o banheiro é escalonada, um de cada vez, e aos poucos alunos entendem os protocolos. E então a voz da professora de Biotecnologia brota na sala de aula. Mas onde ela está? “É do grupo de risco, não deve voltar”, explica o coordenador do ensino médio Vagner da Silva. De casa, a professora Catarina fala sobre DNA recombinante para os que, como ela, não foram à escola e para os da sala de aula.
Perto das 14 horas, o primeiro dia de volta às aulas termina no pátio. Balões brancos são lançados no céu do Tatuapé pelos estudantes com mensagens sobre o que tiraram de bom em meio ao caos. “Aprendizado” e “gratidão” são algumas das respostas. Uma professora e uma psicóloga insistem que a pandemia não acabou e pedem cuidado. Em roda, elas puxam um Pai-Nosso para que os cientistas descubram logo uma vacina. Que assim seja, todos concluem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.