05/04/2020 - 8:15
A pandemia do coronavírus forçou uma reinvenção da carreira do professor, já castigada no País por salários baixos e perda de prestígio. De uma semana para outra, com o fechamento das escolas, docentes da rede particular tiveram de se acostumar com câmeras, edição de imagens, e pensar em estratégias que possam ser executadas da casa deles – para a casa dos alunos. Os desafios e as angústias são enormes. Há a falta de treinamento para o ensino a distância, dificuldade em avaliar se o estudante está aprendendo e até o temor de estarem sendo vigiados por pais durante as aulas online.
Na última semana, o jornal O Estado de S. Paulo ouviu relatos de professores de escolas particulares, dos que trabalham com crianças pequenas aos que lidam com adolescentes. Em comum, a tristeza pela falta de contato com os alunos e a incerteza sobre quando voltam à sala de aula. Eles têm ainda, como todos em isolamento, medo de se contaminar, de perder familiares e dificuldades para lidar com os próprios filhos, também em casa.
A professora de Ciências Mariana Peão Lorenzin, de 35 anos, mudou-se para um sítio com marido, mãe e dois filhos pequenos, para que as crianças tenham mais espaço na quarentena. Precisa gravar videoaulas para alunos do Colégio Bandeirantes à noite, antes da última mamada do pequeno, de 7 meses, e quando os passarinhos já pararam de cantar, brinca. “Peguei um quarto só para mim, fecho a porta e trabalho, fazendo revezamento com meu marido.” E aprende no dia a dia a nova forma de dar aulas. “Vídeo longo não funciona, o aluno cansa.”
Ela também está às voltas com as provas bimestrais, online, esta semana. “Precisam ser questões que eles possam elaborar sobre o conteúdo, refletir, não achar a resposta no Google.” Apesar de a escola já se programar para atividades até junho e voltar só em agosto, Mariana sofre com a distância. “Não é a mesma coisa de ser recebida na sala, eles compartilham muita coisa pessoal com a gente. A relação está restrita ao conteúdo. Não vejo a hora de isso acabar”, diz.
“Nunca imaginei que uma professora pudesse fazer home office”, diz Bárbara Zampini Preto, de 30 anos, que dá aulas para 1.º e 2.º ano do ensino fundamental no Colégio Magno. As crianças estão em fase de alfabetização e ela exercita a criatividade para ensinar a ler e a escrever remotamente. Em aulas ao vivo, Bárbara pede, por exemplo, para o aluno buscar em casa – e mostrar na câmera – objetos que comecem com determinada letra. Os mais velhos têm a tarefa de digitar no chat palavras com duas ou três sílabas.
Mesmo jovem, é hipertensa, e só sai de casa para pular corda no hall do apartamento. Faz tudo do quarto, aprendeu a editar vídeos e se diverte quando os alunos aparecem de pijama para a aula online. “Vai ser um ano atípico, vamos tentar ao máximo que não tenha defasagem de aprendizagem, mas precisamos baixar um pouco as expectativas, as avaliações”, diz. “Sinto muita falta do beijo, do abraço deles, e fico pensando: será que já perdemos este semestre?”
Lado a lado
Na aula online com os pequenos, em geral, os pais precisam estar junto para ajudar a usar o computador. É novidade para o professor, acostumado a assumir a educação da criança na escola. Algumas mães dão bronca nos filhos quando consideram que não se comportam na aula virtual, conta Tenile Fiolo Duarte, de 36 anos, professora de crianças de 8 anos no Colégio Porto Seguro. “Os pais ficam ansiosos. O interessante é que estão mais próximos da educação dos filhos agora.”
Outros profissionais temem a vigilância. Um professor da área de Humanas, que pediu anonimato, diz se preocupar com perseguições políticas de alunos e pais, incentivadas por movimentos como o Escola sem Partido. “Antes tínhamos medo de ser gravados em sala de aula, agora, com tudo em vídeo, é muito mais fácil alguém nos acusar de algo e nos expor.”
Outro professor de História e Filosofia, que também pede anonimato, conta que as aulas pela ferramenta Zoom nas escolas em que trabalha são gravadas. Os coordenadores têm acesso às aulas ao vivo e podem entrar quando quiserem. “Na escola, você pode fechar a porta ou não, mas os coordenadores batem, pedem licença, é bem mais respeitoso”, diz ele, que dá aulas do 6.º ano ao ensino médio em duas escolas privadas. “A gente percebe que os pais estão de olho, vigiando. Em uma aula, um até soprou a resposta de um exercício para a filha”, completa. Para ele, isso muda totalmente a relação entre professor e aluno. “É uma situação bem desagradável.”
Leis
O ensino a distância para o fundamental só é permitido no País em emergências, como a pandemia atual. Mesmo assim, precisa de determinações locais para que seja contado como horas no calendário letivo. Uma medida provisória liberou as escolas este ano de cumprirem os 200 dias letivos obrigatórios e, sim, as 800 horas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.