No âmbito das discussões sobre proibir ou não celulares nas escolas, há quem defenda a tese de que professor que não consegue ganhar a atenção dos estudantes é por falta de didática. Uma tese simplória e até maldosa.”Querem proibir o celular na escola para que os alunos não façam denúncias.” “Professor cujos alunos ficam no celular na aula simplesmente não tem didática.” Opiniões como essas circularam nas últimas semanas, em meio a uma grande repercussão sobre um projeto de lei que visa limitar o uso dos celulares em escolas públicas e privadas. Li uma série de textos sobre e também assisti a muitos vídeos.

Um dos perfis que acompanho é de um professor bem famoso no TikTok, que leciona no ensino fundamental. Já tive a oportunidade de falar com ele e não tenho dúvidas de sua paixão pela educação. Além disso, admiro fortemente sua postura de proteção dos direitos dos jovens. No entanto, assim como aconteceu com outros perfis, ainda que por vias diferentes, senti que ele levou o discurso para um lado bastante simplista e enviesado, e as duas opiniões que abriram esta coluna foram proferidas por ele, em alguma medida, em alguns de seus vídeos.

A questão do celular versus educação, sobretudo em sala de aula, é um tema complexo e requer uma discussão madura. Quanto mais profissionais de diversas áreas puderem contribuir para a discussão, melhor. É importante frisar que essa não é uma agenda unicamente brasileira e que já há muitos países do mundo, inclusive aqueles que são grandes referências em educação, falando sobre e até mesmo criando políticas parecidas. Já não podemos ignorar os impactos do celular no cognição e tampouco na concentração dos estudantes.

No entanto, esta não é uma coluna para argumentar contra ou a favor do projeto de lei. Honestamente, não acho que estaria contribuindo muito com a problemática. Aqui irei focalizar a discussão no recorte presente em uma das falas do professor citado, a questão da didática do professor versus a atenção dos estudantes.

O que é ter didática?

Para começar a discussão, vamos falar sobre didática? Bom, na verdade, deixo aqui uma provocação: o que é ter didática?

Já reclamei sobre professores em rodas de amigos, afirmando que as aulas não haviam sido boas e que, portanto, não tinham didática. Era curioso que nem sempre era um consenso e, em algumas das vezes, meus amigos tinham gostado e aprendido com a mesma aula.

Também já compartilhei muito o discurso do professor sem didática, mas recentemente levei um puxão de orelha em um grupo de mestrandos no Facebook e entendi o alerta. De um lado, há, sim, uma ciência que respalda as licenciaturas e que fundamenta a didática.

No entanto, nos discursos atuais, falar sobre didática está sendo bastante enviesado e se pauta em outra conotação. Na verdade, quase sempre, falamos sobre nossas próprias preferências em relação ao tipo de aula que funciona para nós e colocamos sobre os professores expectativas bastante irreais e injustas. Para atenuar, maquiamos o discurso se pautando no professor ter ou não didática.

Há uma heterogeneidade entre eles, e isso aparece de várias formas: formações, vivências, estratégias em salas de aula. Há, por exemplo, professores que fazem mais brincadeiras, e há aqueles que não fazem. Há os que fazem muita questão em ser muito amigos dos estudantes, e há aqueles que não assumem a mesma postura, mas que ainda assim são acolhedores e humanos.

Qual o certo? Se você não conseguir prender a atenção de todos, logo, você não tem didática. Que desafio, hein? Quanta responsabilidade para um só profissional. O que é preciso para prender a atenção de todos? Mas, sobretudo, qual o papel do estudante no próprio aprendizado? Nenhum? Penso que não.

Professor versus celular: guerra injusta

Os desafios ficam ainda maiores quando a luta pela atenção dos estudantes é com os celulares. O argumento de que se você não ganha a batalha, logo, você não tem didática, não é apenas simplório, é maldoso demais.

Ainda que tentemos pensar sobre ele, sejamos honestos: o padrão não é uma aula iniciar com todos prestando atenção e, em dado momento, a aula ficar chata e os alunos pegarem o celular. A verdade é que, na maioria das vezes, a luta já começa com um vencedor – e spoiler: ele não é o professor. Muitas vezes, infelizmente, o estudante nem dá chance para que o professor explique ou tente construir uma linha de raciocínio, um diálogo ou uma relação.

Ao professor, não deve ser dada a responsabilidade de atuar como uma espécie de performer, na expectativa de que crie inúmeras estratégias para tornar sua aula mais atrativa que o celular. É desgastante, desleal e injusto.

O que fazer até o sistema mudar?

Há quem diga que o estudante não tem nenhum tipo de responsabilidade com a própria aprendizagem. De acordo com essa linha de raciocínio, se um estudante desrespeita o professor, fica a aula toda no celular ou nem tenta prestar atenção, esse estudante não tem culpa alguma nem pode ser recriminado. Afinal, a culpa é do sistema.

Perdoem-me, mas já aviso que as palavras seguintes serão banhadas de ironia. Seguindo a linha de raciocínio acima, seria melhor a gente mandar fechar todas as escolas e colocar todo o sistema educacional em manutenção. E só reabrir quando tudo estiver perfeito para ser operacionalizado.

É óbvio que há muitas melhorias que precisam ser implementadas no sistema educacional brasileiro. É óbvio que, num mundo perfeito, teríamos outro tipo de engajamento nas aulas e outra relação entre os alunos e as escolas. É óbvio que o sistema atual, muitas vezes, simplesmente não conversa com a realidade de muitos alunos e acaba não sendo acolhedor. Nesse sentido, é óbvio também que há uma relação entre as falhas do sistema e o comportamento dos alunos.

Concordo com tudo isso e acho incrível que haja pessoas, grupos, instituições e governantes lutando ativamente para que essas melhorias sejam realizadas. Mas é necessário que haja uma coexistência entre esse mundo que almejamos, as lutas para que ele seja alcançado, o modelo atual e a aplicabilidade dele.

Não estou dizendo que o estudante seja um vilão e muito menos quero corroborar um discurso meritocrático de os culpabilizar por tudo. Acho sim que os alunos são vítimas, mas os professores também são – e estes, no contexto atual, acabam levando toda a culpa. Isso não é justo.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.