03/06/2022 - 16:56
Temor de políticos de perder registros de candidaturas para disputar eleição de outubro, conforme avisou o ministro Alexandre de Moraes, estaria por trás da nova articulação no Congresso.O anúncio feito há dois dias pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, de que candidatos que divulgarem conteúdos com fake news ou “notícias fraudulentas” nas redes sociais poderão ter seus registros cassados e serão impedidos de disputar a eleição de outubro deve produzir um resultado inesperado: a Câmara dos Deputados pretende retomar a votação, na próxima semana, do Projeto de Lei 2630, o PL das Fake News.
Moraes, que tem travado uma luta pública contra as fake news no Brasil, vai assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral em agosto e conduzirá os debates e as decisões sobre o pleito de outubro.
Foi o próprio relator do projeto, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que fez a afirmação na tarde desta sexta-feira (03/06) ao participar do webinar “O desafio de regular as redes sociais”, promovido pela Embaixada da Alemanha no Brasil e pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp-FGV), da Fundação Getúlio Vargas. O parlamentar informou que está mantendo diálogo com lideranças nomeadas pelo governo, na Câmara.
“O texto poderá ser apreciado novamente no plenário, com versão de urgência, com alguma nova versão para essa pactuação. ” Silva sinalizou que há a possibilidade, no entanto, de as regras do projeto não terem validade para a disputa eleitoral deste ano. Segundo o deputado, a “decisão duríssima” anunciada pelo ministro Alexandre de Moraes acabou servindo de “estímulo para que o Parlamento fixe determinadas balizas, mesmo que não alcance a eleição”.
“A expectativa é que possamos voltar ao debate pleno na Câmara, nos próximos dias, e não será surpresa se tivermos um texto aprovado em junho”, acrescentou Orlando Silva. O Congresso entrará em recesso e no segundo semestre, com a disputa eleitoral, nenhum projeto polêmico será analisado.
Regulação global
O relator do PL das Fake News defendeu que “rigorosamente, seria desejável uma regulação global” das plataformas e mídias sociais. Antes de explicar as linhas gerais do projeto e anunciar a novidade da retomada da discussão, Orlando Silva ouviu a exposição de Alexandra Geese, membro do Parlamento Europeu, que explicou as linhas gerais da regulação de serviços digitais da União Europeia que deve ser aprovada em julho e começa a vigorar em 2023.
“É importante para o Brasil a sintonia com o debate internacional, porque essa é uma regulação inédita”, afirmou o deputado. Silva destacou três eixos do projeto: 1) transparência, com exigência para que as plataformas entreguem relatórios com informações cruciais que não afetam sigilo industrial; 2) obrigatoriedade de moderação de conteúdo para garantir um ambiente menos tóxico na internet, mas com preservação da liberdade de expressão e que assegure o direito do contraditório ao usuário; 3) restrições para a viralização com foco em “agentes maliciosos que utilizam o serviço de mensagem para finalidades ilegítimas, de desinformação e difusão de discurso de ódio”.
Ele admitiu que o debate da imunidade parlamentar é polêmico no projeto em especial com o acirramento da polarização política no país. O texto estende o conceito constitucional da imunidade parlamentar também para as redes sociais. A integrante do Parlamento Europeu explicou que, para a União Europeia, o tratamento dado aos cidadãos deve ser o mesmo, independentemente de serem ou não políticos.
Pesquisadores independentes com acesso a dados e auditoria anual
Geese explicou que o foco da regulação na União Europeia são as plataformas e mídias sociais, e não os usuários. O objetivo, enfatizou, “é fazer a internet ser um espaço democrático, mas sem limitar a liberdade de expressão”. A parlamentar citou o trabalho de lobby pesado das grandes plataformas, especialmente Google e Facebook (agora Meta) contra a regulação. Uma das medidas da regulação, explicou ela, é que o usuário poderá notificar a plataforma sobre determinado tipo de conteúdo que considerar desinfirmação ou discurso de ódio. Há regras também para as propagandas civis e para quem podem ser direcionadas. Crianças e menores de 18 anos não poderão ter acesso a determinados perfis.
Por fim, ela citou como mais importantes as exigências de transparência. “As plataformas, baseado nos dados que têm, sabem tudo sobre nós, os indivíduos, mas também sobre grupos populacionais. É um grande poder, combinado com enorme poder financeiro”, disse a eurodeputada, enfatizando que essa simetria confere às big techs também poder de intervir no poder político.
As plataformas, pelas regras, precisão explicar seu modelo de negócios em relatórios de análise risco. Uma comissão da União Europeia poder determinar, por exemplo, a adoção de medidas de mitigação de riscos. Além disso, será feita uma auditoria independente anual para cada uma das plataformas com mais de 45 milhões de usuários. Os dados disponibilizados nos relatórios de riscos das próprias plataformas poderão ser disponibilizados a pesquisadores independentes, frisou a parlamentar.
Polarização eleitoral X regulação
O coordenador da Dapp-FGV, Amaro Rossi, explicou dados do estudo feito pela diretoria nos meses que antecederam a tentativa de votação da urgência do PL das Fake News. De fevereiro a abril deste ano, houve 1,14 milhão de menções sobre o tema no Twitter, sendo que 82% das interações feitas sobre o projeto de lei foram com críticas ao texto. “Quatro em cada cinco menções relacionadas ao tema, mais da metade dos perfis, adotaram postura crítica”, disse Grassi.
Esse debate acalorado, segundo ele, ocorreu também entre parlamentares brasileiros e refletiu o clima de polarização entre governo e oposição. “A mobilização digital crítica à regulação certamente contribuiu para travar a tramitação do projeto”, disse o coordenador.
Ele explicou que a coalizão de atores no Brasil é bastante complexa e não se pode dividir a sociedade versus as plataformas neste debate. “O fato é que no Brasil que o debate se cristalizou em torno do eixo governo e oposição, sobretudo sobre essa diferença dos críticos da regulação, mobilizando o tema da liberdade de expressão [alinhados ao governo Bolsonaro], e os defensores, pontuando a necessidade de combater a desinformação.”