Em meio ao retorno do protagonismo brasileiro no cenário global de sustentabilidade, o País deu um passo importante para mostrar ao mundo que pode criar mecanismos para reduzir as emissões de gases. A Câmara dos Deputados aprovou, em uma das últimas sessões de 2023, no dia 21 de dezembro, o Projeto de Lei 2.148/15, que regula o mercado de carbono no Brasil. Foram 301 votos a favor e 81 contrários. Agora, o projeto vai ao Senado e, se aprovado, vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O projeto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Na prática, o texto regula as instalações em territórios brasileiros que emitam mais de 10 mil toneladas de CO2 por ano.

Empresas com emissões entre 10 mil toneladas e 25 mil toneladas terão de submeter ao órgão gestor do SBCE um plano de monitoramento das emissões. E atividades com emissões acima de 25 mil toneladas serão obrigadas a enviar anualmente relato de conciliação periódica.

A medida aprovada na Câmara não muda nada no mercado voluntário já existente no Brasil, nem de setores que não são atingidos pelo projeto de lei e que não têm grande histórico de emissões.

Para se ter uma ideia da necessidade da regulação desse segmento, o Brasil emitiu, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), 2,3 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa em 2022. Ainda que significativo, o relatório registrou queda de 8% em relação a 2021, quando a emissão bruta alcançou 2,5 bilhões de toneladas.

Mesmo assim, foi o terceiro ano com a maior emissão desde 2005, atrás apenas de 2019 e 2021, durante a gestão de Jair Bolsonaro.

As mudanças de uso da terra, que incluem a devastação em todos os biomas, estão no topo das emissões no País, representando 48% do total. A agropecuária vem na sequência, responsável por 27% das emissões brutas no Brasil, seguida pelo setor de energia, que responde por 18%.

Outro dado importante que ratifica a urgência da regulação do mercado de carbono é o fato de que o Brasil, segundo dados da plataforma Climate Watch, é o sexto maior poluidor climático, com 3% do total global, atrás de China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Indonésia.

(Divulgação)

“Se o Brasil não se adequar na transição de economia de baixo carbono, vai perder espaço competitivo no mundo.”
Annie Groth,
Head da biofílica Ambipar

Para Annie Groth, head de advocacy & engajamento da Biofílica Ambipar, o Brasil avança quando garante a aprovação das regras para comercialização do mercado de carbono.

“Eu classifico o momento como histórico. É muito importante criar as regras para o mercado de carbono regulado, atrelando ao mercado voluntário, que já existe”, disse. “Se o Brasil não se adequar na transição da economia de baixo carbono, vai perder espaço competitivo no mundo.”

A especialista pondera que é necessário um olhar mais atento em todo o processo de implementação do SBCE. “Com a lei sancionada, é importante focar a atenção na regulamentação, em estabelecer metas possíveis de serem atingidas.”

Mas nem tudo foi visto de forma positiva. A exclusão do agronegócio na lei pode significar um revés no avanço efetivo das reduções. Para Gabriela Savian, diretora-adjunta de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), não dá para deixar de fora um segmento responsável por quase um terço das emissões de gases no País.

“É importante que o agro seja incorporado, ainda que não seja em uma implementação imediata. Isso vai mostrar que o segmento se compromete com a sustentabilidade na produção agropecuária”, disse. Ainda assim, ela entende que há avanços na medida. “Certamente há muitos pontos positivos em estabelecer o mercado regulado de carbono. É um mecanismo imprescindível para a transição econômica com base na sustentabilidade. O Brasil precisa estar nesse circuito.”

(Divulgação)

“É importante que o agro seja incorporado. Isso vai mostrar que o segmento se compromete com a sustentabilidade.”
Gabriela Savian, diretora adjunta do Ipam

O CEO da B4, primeira bolsa de crédito de carbono no País, Odair Rodrigues, concorda com a tese de que a legislação é necessária para que o Brasil possa conseguir, de fato, reduzir o volume de CO2. “O projeto é bom, ainda que precise de alguns ajustes. O importante é que ele estabelece o compromisso de combater o aumento das emissões de gases no Brasil. Mas entendo que o agro não deve ficar de fora da medida”, disse. “Em geral, a lei é bem positiva, até pelo ponto de vista de geração de negócios.” Para ele, a expectativa é de que a proposta esteja em vigor ainda neste ano. Quando estiver aprovado e sancionado, serão necessários mais dois anos para que esteja totalmente regulamentado.

Isso significa que o mercado de carbono regulado ainda não deverá estar totalmente em atividade durante a COP-30, que será em novembro de 2025, em Belém. De toda forma, estará em um estágio bem avançado.

“É imprescindível que a gente chegue lá com o tema bem discutido. A gente tem, nos próximos dois anos, uma oportunidade para apresentar isso aos demais países”, disse Gabriela. O importante é que o passo mais significativo foi dado. E o SBCE já está quase de pé.