Uma proposta de vereadores de São Paulo tenta aumentar o limite de barulho no entorno de estádios e casas de shows da cidade. O texto, apresentado pela bancada governista, prevê subir de 55 para 85 decibéis o máximo entre 12h e 23h, em eventos e shows nas chamadas Zonas de Ocupação Especial (ZOEs), que incluem estádios como Allianz Parque (zona oeste) e Morumbi (sul).

A proposta revoltou associações de moradores. Para se ter ideia, o limite equivale a alguém ligar um liquidificador na sala de casa, com as janelas fechadas e em um local sem muito tráfego, compara Marcelo de Mello Aquilino, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “Não há como justificar”, critica.

Conforme a lei paulistana, as ZOEs são áreas especiais, que exigem regras específicas, como aeroportos, centros de convenção, universidades, além de grandes áreas de lazer, recreação e esportes. A área do Estádio do Pacaembu, na zona oeste, já tem regulamentação via Projeto de Intervenção Urbana (PIU), com limite de 50 decibéis (7h às 19h), de 45 db (19h e 22h) e 40 db (22h às 7h).

O projeto foi apresentado, em caráter de urgência, pelo vereador Fábio Riva (PSDB), líder da gestão Ricardo Nunes (MDB) no Legislativo. A mudança foi encaminhada sob a forma de substitutivo ao PL 239/2018, já aprovado em 1ª votação em 2018. Isso significa que ele só precisará passar por mais uma votação para ser enviado para sanção do prefeito.

O projeto se direciona principalmente para os estádios de futebol, como Allianz Parque, Morumbi e Neo Química Arena, pois não há regulamentação específica para o limite de decibéis das ZOEs de que fazem parte, segundo vereadores da base governista. “Há uma ligação com a sensação de insegurança em que vivem os empresários do setor. De uma hora para outra, o estabelecimento pode ser interditado (por queixas relacionadas à poluição sonora)”, diz o vereador João Jorge (PSDB), vice-líder do governo. “O setor cultural foi o mais afetado pela pandemia. É preciso olhar também para o empreendedor.”

Houve reação contrária de vereadores da oposição, associação de moradores e do Ministério Público Estadual (MPE) e a proposta passou a ser debatida em audiências públicas – a primeira foi no dia 28 de abril. A Promotoria pede esclarecimentos sobre a divulgação desses debates para participação da sociedade civil e também sobre a tramitação interna em outras comissões.

Riva informou que pretende aguardar a segunda audiência pública, que ainda não tem data definida, para se posicionar. Jorge admite que o texto original pode sofrer mudanças, como incluir recomendações para a melhoria do isolamento acústico das arenas. O teto do Allianz por exemplo, é aberto, o que permite a propagação do som. Outra sugestão do parlamentar é antecipar o horário dos shows. Procurada, a Prefeitura disse que caberia à Câmara falar do projeto.

VIZINHOS

“Não somos contra os shows, mas é preciso investir em uma solução de isolamento acústico”, diz Jupira Cauhy, representante dos moradores no Conselho de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz da Lapa (Cades Lapa).

Durante as apresentações, a aposentada Marli Meleti, de 70 anos, conta que os copos d’água tremem em cima da mesa com a vibração. E as janelas também. “Fico nervosa. Essa proposta de aumento dos decibéis é uma agressão”, reclama ela, vizinha do Allianz há 50 anos.

Vereadores da oposição atribuem a apresentação do projeto ao fato de o Allianz ter sido notificado pelo Programa Silêncio Urbano (Psiu) por causa do barulho no show da banda Maroon 5, em seis de abril. Na apresentação, a medição foi de 74 decibéis. Como era a terceira infração, a pena era o fechamento administrativo, que a gestora do estádio conseguiu suspender, dois dias depois, por meio de liminar na Justiça. A ação não considera jogos de futebol, onde não há medição de ruído. “O PL veio às pressas, logo após a terceira multa”, afirma a vereadora Luana Alves (PSOL). João Jorge nega qualquer ligação.

Em nota, a Real Arenas, administradora do Allianz Parque, diz respeitar a lei e seguir as decisões dos órgãos de fiscalização. Ainda conforme a empresa, desde o início do projeto foi criado um canal de comunicação com a vizinhança, acompanhado por Prefeitura e pelo MPE.

Relatório de 2019 concluiu que há poluição sonora causada pelos eventos. Após as medições de ruído, feitas em 2019, a Real Arenas se comprometeu com o Ministério Público a instalar janelas antirruído em seis apartamentos de um prédio próximo das docas na Rua Padre Antônio Tomás. Para o gerente comercial Marcello De Ferrari, de 63 anos, a troca de todas as janelas do apartamento resolveu o problema. “As janelas isolam o ambiente e o som não passa.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.