17/07/2002 - 7:00
Traduzida literalmente do alemão, Volkswagen quer dizer ?carro do povo?. A expressão carrega a crença na qual a fábrica que inventou o Fusca ? o mais popular dos automóveis ? se norteou para cunhar a própria imagem ao longo dos últimos 64 anos. Aos olhos do mundo, Volkswagen é sinônimo de tradição, simplicidade, robustez, motores potentes e de fácil manutenção. O problema é que esses conceitos não estão sendo suficientes para brigar no cada vez mais competitivo mercado automobilístico. Diversas montadoras já oferecem o mesmo.
E para não ficar para trás, a Volks resolveu mudar essa imagem. O grupo não quer sua principal marca associada apenas a carros pequenos e de acabamento enxuto. Quer mostrar que também sabe fazer carrões sofisticados, caros e, principalmente, tão desejados quanto um Mercedes, um Jaguar ou um BMW. A estratégia, que há um ano vem sendo colocada em prática, é tratada internamente como ?o trevo de quatro folhas?. Consiste em dar glamour à marca Volkswagen a partir da produção de quatro modelos de altíssimo luxo: o Passat W8, o Phaeton, o Touareg e o W12. Todos se encaixam num segmento ?premium?
que movimenta US$ 20 bilhões e arregimenta 40 mil novos compradores todos os anos.
Sentado a uma enorme mesa de reuniões do restrito quarto andar
da sede da montadora em Wolfsburg, Alemanha, Peter Hartz, membro do conselho administrativo da Volks, explica os planos à DINHEIRO: ?Muitas montadoras já fazem carros de boa qualidade.
Por isso, acredito que num futuro muito próximo, na hora da
compra as pessoas não vão se guiar mais pela razão, e sim pela emoção. Estamos tornando a marca Volkswagen um sonho de consumo.? A excelência na fabricação de carros de luxo, acredita Hartz, vai criar na cabeça do consumidor uma imagem de requinte que se estende a todos os modelos. ?Mesmo que só tenha dinheiro para comprar um 1.0, ele levará o nosso 1.0. E continuará sonhando com um modelo acima?, diz Hartz. Mas o ?trevo de quatro folhas? também tem a missão de aumentar os lucros do grupo, que foram de US$ 2,9 bilhões em 2001 (12% a mais do que no ano anterior), sobre um faturamento de mais de US$ 80 bilhões. E aí quem mostra os mecanismos da estratégia, com as suas famosas metáforas, é o austríaco Herbet Demel, presidente da Volks do Brasil: ?Vendendo sapatos de plástico você até pode ser o líder de mercado, mas não vai ter o maior faturamento. As pessoas não querem sapatos de plástico. Elas os compram porque são baratos. Para ganhar dinheiro é preciso fazer sapatos de couro também.?
Desse modo, pode-se dizer que a Volks está bem calçada. O Passat W8 foi lançado em 2001 com a missão de encarar o Lexus,
da Toyota, e aumentar as vendas da Volks nos Estados Unidos, onde a marca detém minguados 6% do mercado de automóveis. Sua versão top custa US$ 80 mil. Outra
folha do trevo é o Touareg, um utilitário esportivo que será apresentado em setembro, no Salão do Automóvel de Paris, e deve chegar ao mercado europeu no final do ano. Desenvolvido em conjunto com a Porsche, ele é mais sofisticado que o Jeep Cherokee e vai concorrer com o Classe M da Mercedes e o BMW X5. O W12 ainda é um protótipo. Nem nome tem. Contudo, com poucas fotos e informações disponíveis, não seria exagero chamá-lo de ?a Ferrari da Volks?. Trata-se de um super-esportivo com motor de 12 cilindros e que faz de 0 a 100 km/h em 3,5 segundos. Num teste recente, o ?foguete vermelho? rodou
24 horas seguidas a uma velocidade média de 295,24 km/h. Mas
é no Phaeton, à venda desde abril, que a Volks aposta pesado.
Seu desenvolvimento consumiu US$ 900 milhões ? incluindo uma nova fábrica (US$ 160 milhões) toda envidraçada erguida em Dresden e destinada exclusivamente à produção do modelo. O prédio é uma atração à parte nesse processo de glamourização. Quem desembolsa US$ 150 mil para comprar um Phaeton é convidado
pela montadora a conhecer a fábrica de vidro. Do lado de fora, o cliente acompanha a montagem do seu carro e pode até mudar um detalhe ou outro na última hora. O ultraluxuoso sedan alemão, que tem 2 m de largura por 4,90 m de comprimento, vem com controles individuais de temperatura dos bancos e tem painel, consoles e detalhes das portas feitos em madeira de lei ? para ficar em apenas duas das extravagâncias. No mercado, diz-se que o custo dos acabamentos de um Phaeton bancaria um Smart (o minicarro da Daimler-Mercedes) inteiro. No primeiro ano, a Volks espera vender não mais que 7 mil unidades do Phaeton, com potencial para chegar a 20 mil em 2004. A montadora não tem planos de fabricar nenhuma das folhas do trevo no Brasil pelo menos pelos próximos dez anos. Não haveria volume. Mas o Phaeton importado deve desembarcar nas revendas nacionais até dezembro.
Tecnologia e emoção. O mentor do trevo é Ferdinand Piëch, ex-presidente do grupo Volkswagen. A idéia não lhe custou muitas noites de sono, afinal ele já havia feito algo parecido na Audi. Durante as décadas de 70 e 80, com os quadradões modelos A80 e A100, a montadora foi uma apagada marca de preço e volume. Em 1993, a Audi vendeu 350 mil carros. Hoje, depois de uma revolução comandada por Piëch e apoiada em alta tecnologia, emoção e na produção de veículos arrojados e esportivos, esse volume dobrou. Quando o executivo se aposentou, no ano passado, o conselho não teve dúvidas de quem deveria ocupar a sua cadeira: Bernd Pischetsrieder, antigo número 1 da BMW, a concorrente especialista em luxo, glamour e imagem ? os ?detalhes? que a Volkswagen quer para ela. Pischetsrieder abraçou a bandeira e logo que chegou organizou as marcas do grupo em duas categorias: esportivos (Lamborghini, Audi e Seat) e clássicos (Bentley, Volkswagen e Skoda). A tentativa é evitar uma possível canibalização, pois, como se vê, a companhia já produz carros de luxo sob outros logotipos. ?Todos os nossos consumidores vão se beneficiar do know-how que nós estamos adquirindo ao produzir modelos luxuosos?, já disse Pischetsrieder. Esta é a nova Volkswagen ? cada vez mais carro, cada vez menos povo.